(Publicado na edição de Dezembro de 2002 do jornal ALGARVE INFORMAÇÃO)
Imagine-se o leitor no seu carro, numa destas noites escuríssimas de Dezembro, circulando em direcção a casa através das últimas rectas e curvas da Auto-estrada do Algarve, beneficiando de boas condições de circulação, com uma sinalização adequada e com todas as medidas de segurança, um piso regular e praticamente seco apesar da chuva insistente, com as zonas envolventes dos nós de acesso devidamente iluminadas....
Imagine agora que saiu de Lisboa há menos de duas horas e acabou de percorrer quase duzentos e sessenta quilómetros, optando por dirigir-se até Castro Marim pela Via do Infante. Para trás ficaram as luzes do nó de Paderne, chove mais intensamente, acende os máximos para tentar descortinar melhor o caminho e os perigos, parece que atravessa uma muralha intransponível de breu, procura localizar-se na estrada, descobrir uma linha de orientação, saber se está mais junto á berma ou quase a encalhar no separador central.
Cuidadoso, reduz a velocidade, cem, oitenta, sessenta, procura manter-se na faixa da direita. O piso de cimento tem dez anos e todo este tempo de utilização foram fatais para as linhas delimitadoras das faixas de rodagem e em muitos locais a ausência de “rails” de protecção ou os seus destroços sinalizam os despistes. Apesar disso, garanto-lhe que há quem continue a ultrapassá-lo a velocidades estonteantes...
Aos solavancos, tentando não entrar em “aqua-planning”, pois aqui e ali o piso abateu formando algumas lagoas particularmente perigosas, o condutor continua a sua viagem e adivinha-se o nó de Estoi. Algumas luzes azuis despertam a atenção, no início do troço em obras, um condutor apressado e desatento acabou de destruir a viatura, colocando em risco a sua própria vida.
A presença da ambulância e da viatura da SCUTVIAS são sinais de assistência garantida, não há espaço para os curiosos pararem e a viagem prossegue mais lentamente, agora numa única via e com viaturas em dois sentidos. Chegou o tempo de substituir o pavimento de uma das zonas afectadas pelas incertezas da compactação dos terrenos e das forças da água, mas fazê-lo em dois troços consecutivos e em simultâneo, obrigando os condutores a demoras e perigos dispensáveis, não foi uma boa opção...
Ultrapassado o nó de Olhão, mais luzes azuis, mas é apenas a patrulha da Brigada de Trânsito da GNR a deslocar-se imperiosa e rapidamente para o local do acidente. A marcha continua, mas ficam algumas questões sobre a ausência de vigilância, pois esta é a primeira patrulha avistada desde a entrada na Via do Infante. A passagem pelo nó de Tavira quase passa despercebida, tal é a escuridão, desce-se para o vale da Asseca, a estrada está mais seca, a sinalização melhora, a velocidade aumenta e sente-se um estrondo!
“No pasa nada”, como diriam os nossos vizinhos espanhóis, trata-se “apenas” de mais um buraco na via, uma cova descomunal provocada pelo abate do pavimento, acreditamos que as obras também cheguem ali um dia e memorizamos o local para o regresso. Acende-se uma luz de alerta na nossa frente, o combustível entra na reserva, felizmente a viagem está quase a chegar ao fim, senão seríamos forçados a abandonar a estrada para reabastecer o depósito em qualquer lado...
Na próxima vez, caso o défice não encolha, até pode ser que o pesadelo termine numa qualquer saída a pagar a portagem correspondente às enormes vantagens que acabámos de desfrutar e decorrente do excelente serviço proporcionado aos utentes da Via do Infante. Afinal, trata-se apenas da tradução prática do princípio do utilizador-pagador!!!
Nota – A atribuição do Prémio PESSOA 2002 ao Prof. António Sobrinho Simões para além de distinguir uma carreira brilhante na investigação do cancro do estômago e dar uma relevância especial ao trabalho desenvolvido pelo cientistas do IPATIMUP, obriga-nos a pensar no retrocesso em curso nas áreas da investigação e desenvolvimento, no desinvestimento na promoção do conhecimento e da cultura científica e nos cortes orçamentais que afectam as universidades portuguesas. Mal está o País que prefere fazer perigar investimentos estratégicos nos domínios da educação e da formação, pior ainda quando está incluído numa Europa em vias de alargamento...
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