quinta-feira, março 27, 2008

Segurança local sob contrato?!


Fazendo tábua rasa de anos de cooperação, o ministro da Administração Interna (MAI)enviou à Associação Nacional de Municípios Portugueses uma proposta de Contrato Local de Segurança, compreendendo as áreas de segurança pública, prevenção da criminalidade, segurança rodoviária e protecção civil...

O Ministério da Administração Interna (MAI) entende os contratos locais de segurança, que estão previstos no programa de Governo, como um instrumento essencial para reforçar a segurança comunitária e desenvolver o policiamento de proximidade. Segundo o MAI, a minuta apresentada constitui um guião, que é susceptível de quaisquer alterações que tenham em conta a realidade local, a acordar entre os signatários.

Anunciados com pompa e circunstância, os Contratos Locais de Segurança criam o Gabinete Coordenador de Segurança Municipal, presididos pelos Governador Civil do respectivo distrito (?), e a minuta não faz qualquer referência aos Conselhos Municipais de Segurança, criados pela Assembleia da República por lei de 1998, existentes em todos os municípios e onde têm assento a maioria dos componentes do órgão proposto. Falta de memória, puro esquecimento ou vontade de apagar o bom trabalho desenvolvido noutros Governos... do mesmo partido político?!

Segundo o
Diário de Notícias, os municípios já deram parecer negativo à proposta de criação de Contratos Locais de Segurança, questionando alguns pontos da proposta governamental. Por este caminho, ainda vamos ouvir falar muito deste assunto...

Salvaguardando uma análise mais aprofundada da proposta, sublinhe-se o carácter mais abrangente do âmbito de actuação do Gabinete Coordenador de Segurança Municipal, todas elas sob a tutela do MAI, dado serem áreas próximas em matéria de avaliação e intervenção prospectiva das entidades locais e que constituem alvo de abordagem frequente nos Conselhos Municipais de Segurança.

Na minha opinião, seria mais adequado valorizar um órgão que já existe, com experiências muito positivas de intervenção local e propôr a modernização do seu enquadramento jurídico-legal à Assembleia da República, mas sempre de forma articulada com a entidade representativa dos municípios portugueses.

Voltando a um trabalho já referenciado aqui, enriquecido com a minha experiência pessoal no Conselho Municipal de Segurança de Tavira, faça-se luz sobre o enquadramento internacional e legal das políticas de policiamento de proximidade e sobre a participação dos Municípios e dos cidadãos na sua concretização...

«2. Os Conselhos Municipais de Segurança

A criação dos conselhos municipais de segurança insere-se numa política mais vasta que visava o envolvimento das instituições locais e dos cidadãos na vida das suas comunidades.A participação cívica foi muito forte em Portugal nos primeiros anos do regime democrático, sendo sublinhada pela elevada taxa de participação nos actos eleitorais, mas também pela forte influência e intervenção dos cidadãos nas reuniões públicas dos órgãos autárquicos.
A restauração da racionalidade burocrática no funcionamento das organizações municipais e paroquiais e a consolidação de procedimentos gestionários rotineiros e impessoais conduziram a uma quebra progressiva da participação a nível local. Como este fenómeno não é exclusivamente nacional, muitos países procuraram implementar procedimentos que motivassem os cidadãos e multiplicassem as oportunidades de participação. O restabelecimento da eleição directa dos presidentes de câmara em Itália, os referendos locais, os provedores municipais ou os processos de consulta pública e de audiência prévia dos interessados são consequência dessa necessidade de medidas de gestão apoiada. Contudo, revelam-se insuficientes pela sua natureza formalista e esporádica, para além de serem essencialmente instrumentos de preparação da decisão política e de amortecimento de tensões sociais.
O associativismo local constitui um importante meio de intervenção social e política, permitindo a representação organizada dos grupos de interesse na gestão local e constituindo um meio de diálogo e de concertação com os cidadãos. Por outro lado, a relação das autoridades locais com o tecido associativo é uma componente fundamental do processo político municipal, permitindo uma ligação contínua entre os eleitos e a sociedade civil.
A ordem jurídica nacional prevê um conjunto de instrumentos neste domínio, que permitem a realização de referendos locais e de consultas populares, com menos formalismo, mas que contribuem para intensificar a relação dos cidadãos com as suas autarquias, nomeadamente na distribuição das despesas de investimento, na criação de serviços desconcentrados, na associação com outros municípios ou na participação em empresas públicas ou em parcerias público-privadas, bem como na descentralização de competências nas associações e noutras instituições de forma a dinamizar a vida colectiva local .A dinamização da sociedade local e o reforço do tecido social e económico das comunidades locais constituem uma tarefa imperativa das autoridades locais, nem que seja porque uma comunidade activa e dinâmica reforça essa mesma autoridade. Importa por isso que os órgãos municipais reforcem a sua relação com a comunidade que representam e façam participar os cidadãos no processo político local, porque isso reforça a capacidade política dos municípios na sua relação com o Estado.
Depois da extinção dos conselhos municipais, que sobreviveram com atribuições muito genéricas até 1984, os legisladores inverteram essa tendência e, com a natural aplicação do princípio da subsidariedade, têm vindo a criar conselhos sectoriais e temáticos, onde sobressaem o Conselho Local de Educação e o Conselho Municipal de Segurança.
Lançado o Programa Nacional de Policiamento de Proximidade e motivadas as Forças de Segurança, para adoptarem o novo modelo no seu quotidiano, a Assembleia da República e o Governo empenharam-se no processo de produção legislativa destinado a criar as estruturas e serviços que seriam os espaços privilegiados de intercâmbios entre as Forças de Segurança e as instituições de âmbito local, por um lado, e os executores práticos no âmbito municipal das soluções consideradas mais adequadas para enfrentar com sucesso os problemas potenciadores da insegurança urbana.
Paralelamente, o Governo nunca deixou de dinamizar o debate com as autarquias locais, recolhendo contributos de experiências locais e promovendo a análise das organizações congéneres existentes nos países europeus. Para o efeito, promoveu um seminário internacional subordinado ao tema “Polícias Municipais - Um Modelo Português”, em 1998, em cooperação com a Associação Nacional dos Municípios Portugueses.
Em termos internacionais, algumas autarquias portuguesas também davam os primeiros passos na partilha de problemas comuns e boas práticas, aderindo ao Fórum Europeu para a Segurança Urbana (FESU), sediado em Paris, do qual fazem parte os municípios de Cascais, Barreiro, Lisboa, Loures, Matosinhos, Porto e Sintra, pelo que nos foi permitido apurar.
Progressivamente, os municípios e as regiões da Europa foram ganhando consciência que a insegurança e o sentimento de insegurança, os sentimentos de abandono e a violência comprometem gravemente e a longo prazo o desenvolvimento e a renovação dos núcleos urbanos, constituindo um desafio comum garantir uma segurança legítima para cada um e para a sua família, vizinhança e comunidade, mas prevenindo que a luta contra a delinquência não deve conduzir a posturas racistas, ao fanatismo, às práticas discriminatórias, à designação de bodes expiatórios, especialmente os jovens, os imigrantes ou os grupos mais vulneráveis.
A própria União Europeia, depois da criação do mercado interno e da moeda única e colocar em prática as premissas da Europa social, constituiu a criação dum “espaço de liberdade, de segurança e de justiça” como um dos seus objectivos prioritários.
Pela sua parte, o Parlamento Europeu adoptou, em 24 de Janeiro de 1994, uma resolução sobre a pequena criminalidade nas aglomerações urbanas e sobre as suas ligações com a criminalidade organizada e, em 17 de Novembro de 1998, uma resolução relativa às orientações e às medidas de prevenção da criminalidade organizada na perspectiva da elaboração de uma estratégia global de luta contra este tipo de criminalidade.
O quadro de referência para as acções de prevenção é ditado pelas disposições do Tratado que institui um espaço de liberdade, de segurança e de justiça, que estabeleceram as bases de uma verdadeira ordem pública europeia na qual os três objectivos estão intimamente ligados entre si e devem ser associados à Carta dos Direitos Fundamentais, na qual o artigo 29º do Tratado estabelece que o objectivo da União, neste domínio, deve ser atingido através da prevenção da criminalidade organizada ou de outros tipos, e da sua repressão.
Por outro lado, o Plano de Acção de Viena de 1997 solicitava que nos cinco anos que se seguissem à entrada em vigor do Tratado de Amesterdão deviam ser adoptadas medidas de prevenção da criminalidade e o Conselho Europeu de Tampere, de 15 e 16 de Outubro de 1999, concluiu pela necessidade de desenvolver as medidas de prevenção da criminalidade e de intercâmbio de boas práticas e reforçar a rede composta pelas autoridades nacionais competentes em matéria de prevenção da criminalidade e a cooperação entre os organismos nacionais empenhados nesta prevenção, especificando que as prioridades desta cooperação poderiam ser sobretudo a delinquência juvenil, a criminalidade urbana e a que está ligada à droga. Com este objectivo em vista, ansiava-se pela possibilidade de conceber um programa financiado pela Comunidade para alcançar aqueles fins e, em vários seminários e conferências sobre a prevenção da criminalidade, especialmente os que se realizaram em Estocolmo, Saragoça e Bruxelas em 1996, em Noordwijk em 1997, em Londres em 1998 e no Algarve em 4 e 5 de Maio de 2000, apelaram ao desenvolvimento no interior da União Europeia de uma rede que possibilitasse a cooperação em matéria de prevenção da criminalidade.
Nesta última, em particular, foi dada luz verde ao programa Hipócrates e foram estabelecidas as bases para a Comunicação da Comissão Europeia de 29 de Novembro de 2000, onde foram identificados os elementos de uma estratégia europeia sobre a prevenção: atenuar os factores que facilitam a entrada no crime bem como a recidiva, evitar a vitimização, reduzir o sentimento de insegurança, promover e divulgar a cultura da legalidade e a cultura da gestão preventiva dos conflitos e prevenir a corrupção através de acções de "boa governação". Sublinha-se, ainda, que as políticas devem basear-se numa abordagem pluridisciplinar, combinar acções preventivas, medidas de segurança e políticas de acompanhamento sociais e educativas, e prever parcerias no terreno, atribuindo um papel-chave às autarquias locais, pelo que, além disso, com base nestes princípios e objectivos, é possível falar de um "modelo europeu" de prevenção da criminalidade no qual a acção da União Europeia poderá contribuir com um valor acrescentado significativo "completando a pirâmide das responsabilidades", sem se sobrepor aos níveis nacionais, regionais ou locais.
Como já percebemos, o sentimento de insegurança aumentou lenta mas constantemente na Europa durante o período 1996-2002, constatando-se que a maior parte dos delitos cometidos contra os cidadãos da União Europeia ocorrem nas zonas urbanas e que é necessário envolver toda a sociedade na elaboração de uma parceria entre as autoridades públicas nacionais, locais e regionais, as organizações não governamentais, o sector privado e os cidadãos, visto que as causas da criminalidade são múltiplas e devem por isso ser tratadas através de medidas adoptadas a vários níveis por diferentes grupos da sociedade, em colaboração com as partes activas que têm variadas competências e experiência, incluindo a sociedade civil.
Neste contexto, o Comité das Regiões adoptou na reunião plenária de 29 e 30 de Setembro de 2004 um parecer sobre a Comunicação da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu sobre a prevenção da criminalidade onde “considera positivo o facto de ter sido efectuado um processo de verificação das actividades da rede em função de um relançamento das políticas de prevenção ao nível europeu que tratam do fenómeno do crime não organizado – chamado "volume crime" (criminalidade de massa) – e que identificam como prioritários os âmbitos da criminalidade juvenil, urbana e associada ao consumo de estupefacientes, bem como a criminalidade contra as mulheres e camadas da população desfavorecidas como as crianças, os idosos e os imigrantes”, não deixando de reiterar que “as políticas de prevenção do crime constituem para os Estados-Membros um domínio em que a União Europeia pode contribuir de forma eficaz para a criação de um verdadeiro "valor acrescentado europeu" para as acções empreendidas ao nível nacional, regional e local” .
Na comunicação referida, a Comissão pretende contribuir para alcançar o objectivo fixado no Tratado de Amesterdão - proporcionar aos cidadãos um nível elevado de protecção num espaço de liberdade, segurança e justiça. Para garantir a melhor prevenção possível contra as várias formas de criminalidade mencionadas é preconizada uma abordagem a dois níveis: para garantir o sucesso, as autoridades mais envolvidas deverão, quanto antes, tomar fortes medidas a nível local e regional, sendo que a aplicação de políticas nacionais de prevenção da criminalidade constitui um pré-requisito. Estas políticas devem, além disso, ser acompanhadas de acções de cooperação efectivas à escala da UE, uma vez que é possível tirar partido dos trabalhos realizados pela Rede Europeia de Prevenção da Criminalidade (REPC) e das modalidades de financiamento comunitário, nomeadamente o programa AGIS, gerido pela Comissão Europeia. Com base nas recomendações do Parlamento Europeu e do Conselho e nas conclusões da avaliação da REPC, a efectuar pelo Conselho, a Comissão pretende apresentar, até ao final de 2004, propostas concretas para a aplicação das suas recomendações visando alcançar progressos mais rápidos e tangíveis no âmbito da prevenção da criminalidade de massa na União.
O parecer acolhe favoravelmente o lançamento de um processo de verificação das actividades da rede tendo em conta o relançamento de políticas de prevenção a nível europeu destinadas a lutar contra o crime não organizado – isto é, a criminalidade de massa – e cujas prioridades são a delinquência juvenil, a criminalidade urbana e a criminalidade associada ao consumo de estupefacientes, bem como a que é exercida contra as mulheres e outros grupos vulneráveis como as crianças, os idosos e os imigrantes.
No referido parecer, o Comité das Regiões solicita à Comissão que aplique programas específicos para o apoio ao desenvolvimento de políticas de segurança que integrem medidas tomadas a nível social e no âmbito do urbanismo e da educação, bem como o desenvolvimento da participação e do sentido de comunidade por parte dos cidadãos e assinala igualmente a importância do FESU na promoção, a nível europeu, dos conhecimentos no âmbito da prevenção da criminalidade e de segurança urbana. Neste contexto, considera que seria oportuno considerar a criação de um observatório europeu da segurança urbana, uma estrutura ligeira cujo objectivo seria dotar a UE e os Estados-Membros de um instrumento comum de recolha, tratamento e elaboração dos dados relativos à vitimização e à percepção de insegurança, promoção e coordenação de investigação, e de concepção de políticas de segurança – tanto nas outras áreas de competência da UE, como na criação de parcerias regionais e locais.
Apesar deste aparente consenso entre as cidades e as regiões da Europa, as soluções adoptadas para enfrentar o crescimento da criminalidade e do sentimento de insegurança não são uniformes, antes obedecem ao contexto sócio-económico de cada cidade, o qual deve ser precedido de um diagnóstico que sublinhe as especificidades de cada núcleo urbano.
Neste diagnóstico parece ser fundamental a actividade desenvolvida pelos agentes no terreno – a sua capacidade enquanto técnicos de segurança pública e a sua sensibilidade acrescida para os problemas urbanos é decisiva para antecipar conflitos e para consensualizar soluções de longo prazo.
A aposta na formação como elemento chave do Programa Integrado de Policiamento de Proximidade fundamenta-se nesta perspectiva, sendo que alguns autores defendem a integração dos agentes mais experientes e com habilitações especiais nos diversos programas que já elencámos.
Neste contexto, parece-nos que a aplicação do princípio da subsidariedade também deve ser aprofundada. Não são as tradicionais orientações de âmbito nacional uniformemente distribuídas que melhor se enquadram nos problemas de cada localidade, mas antes soluções alternativas e criativas desenvolvidas na proximidade dos cidadãos que procuram beneficiar.
Percebemos as consequências nefastas das posturas meramente reactivas, como a demonstrada pelas autoridades norte-americanas nos anos 80 e 90. Hoje, exige-se das Forças e Serviços de Segurança uma actuação na prevenção dos riscos com efeitos de médio e longo prazo.
Contudo, também percebemos que tal tarefa deve ser partilhada, esperando-se contributos relevantes de quem está mais próximo e representa os cidadãos. Afinal, cabe aos municípios e às freguesias a prossecução dos interesses locais. Apenas a co-responsabilização dos cidadãos para uma participação activa na sua segurança pode resolver as situações potenciadoras da insegurança urbana.
Conscientes da necessidade de “aproximar as polícias dos cidadãos, dotá-las de uma cultura democrática, pautar o relacionamento entre os polícias e os cidadãos pela observância de um código deontológico da actuação policial, (…) e envolver o seu dispositivo em missões de prevenção da criminalidade e de garantia da segurança e tranquilidade das populações”, os deputados discutiram em 1998 dois projectos de lei – originários do Partido Socialista (PS) e do Partido Comunista Português (PCP) - que visavam a criação de Conselhos Municipais de segurança, com o objectivo principal de “incentivar a participação adequada das comunidades locais e das autarquias na discussão de soluções para os problemas de segurança” .
A consulta às populações sobre problemas de polícia é um factor relevante neste processo de modernização da actuação das Forças e Serviços de Segurança. Aliás, as mais recentes tendências de gestão pública defendem que “a Administração não é a Administração sobre o cidadão, é Administração com o cidadão” .

2. 1. O enquadramento legal

Foi neste sentido que a Assembleia da República aprovou a criação dos Conselhos Municipais de Segurança , visando o aprofundamento do conhecimento da situação local em termos de segurança e a apresentação de propostas de intervenção. O Conselho Municipal de Segurança é uma entidade de âmbito municipal com funções de natureza consultiva, de articulação, informação e cooperação, presidida pelo presidente da câmara municipal.
Pretende ser uma plataforma permanente de diálogo interinstitucional e interdisciplinar, como é demonstrado na sua composição. Para além dos presidentes dos órgãos municipais e das juntas de freguesia, fazem parte um representante do Ministério Público da comarca, os comandantes das forças de segurança presentes no território do município, bem como dos serviços de protecção civil e dos bombeiros, um representante do Projecto VIDA, os responsáveis pelos organismos de assistência social e das associações económicas, patronais e sindicais na área do município, e, finalmente, um conjunto de cidadãos de reconhecida idoneidade, designados pela Assembleia Municipal, sendo que nestes três casos, o respectivo número é definido no regulamento de cada conselho, cuja competência de aprovação cabe ao órgão deliberativo de município.
Segundo a lei, o Conselho Municipal de Segurança tem como objectivos contribuir para o aprofundamento do conhecimento da situação de segurança, através da consulta entre todas as entidades que o constituem; formular propostas de solução para os problemas de marginalidade e segurança dos cidadãos e participar em acções de prevenção; promover a discussão sobre medidas de combate à criminalidade e à exclusão social do município; e, aprovar pareceres e solicitações a remeter a todas as entidades que julgue oportunos e directamente relacionados com as questões de segurança e inserção social, na área do município.
Para atingir estes objectivos, compete-lhe dar parecer sobre a evolução dos níveis de criminalidade, o dispositivo legal de segurança e a capacidade operacional das forças de segurança, os índices de segurança e o ordenamento social no âmbito do município, os resultados da actividade municipal de protecção civil e de combate aos incêndios, as condições materiais e os meios humanos empregues nas actividades sociais de apoio aos tempos livres, particularmente dos jovens em idade escolar, a situação sócio-económica no território municipal, o acompanhamento e apoio das acções dirigidas, em particular, à prevenção da toxicodependência e à análise da incidência social do tráfico de droga, o levantamento das situações sociais que, pela sua particular vulnerabilidade, se revelem de maior potencialidade criminógena e mais carecidas de apoio à inserção.
Apesar de estarem previstas reuniões trimestrais dos conselhos, estes pareceres têm a periodicidade que for definida em seu regulamento e devem ser apreciados pelos órgãos do município, com conhecimento das autoridades de segurança com competência no respectivo território.
As preocupações manifestadas pelo legislador reforçam esta perspectiva de partilha, comprometendo os seus membros nas análises que lhe são solicitadas sobre o nível dos apoios sociais e de tempos livres disponíveis, sobretudos para os mais jovens ou sobre a situação sócio-económica.
As leis de organização e funcionamento da GNR e da PSP também estabelecem princípios claros no capítulo da cooperação com órgãos e serviços com funções de polícia e a Constituição também prevê o relacionamento entre as polícias municipais e as forças de segurança, de que falaremos mais adiante.
Concretamente, a articulação das Forças e Serviços de Segurança não pode resumir-se aos diversos níveis das estruturas policiais, mas desdobrar-se através do aprofundamento das relações interdisciplinares, conjugando técnicas de prevenção policial e social e promovendo as condições de vida dos cidadãos.

2. 2. Das experiências locais às escolhas de vida

Pela transversalidade das questões da segurança, acabam por ser abordados e debatidos outros temas para além daqueles que estão expressamente previstos na lei, com particular incidência na relação sempre conflituosa da circulação rodoviária urbana e das cargas e descargas de mercadorias nas zonas comerciais e da questão muito problemática das limitações ao estacionamento de automóveis. A preservação da qualidade dos espaços públicos e do mobiliário urbano também constituem motivos de discussão regular, bem como a manutenção das zonas verdes e os comportamentos dos cidadãos detentores de animais de companhia.
Para além destes casos mais frequentes e usuais, no estudo que efectuámos, verificámos que grande parte das abordagens têm como alvo questões de âmbito local e sazonal, motivadas pelas actividades económicas predominantes. São situações especiais que requerem soluções próprias, como o aumento das necessidades de parques de estacionamento temporários, o reforço da vigilância nas zonas balneares, a carência de acompanhamento especial dos turistas e a fiscalização da venda ambulante gerada pelo aumento sazonal da procura.
Nos últimos anos, muitas das intervenções referem-se ao significativo aumento da população imigrante, gerando uma perceptível sensação de insegurança. De facto, se antes a sua integração não gerava muitos problemas, a crise económica e o aumento do desemprego em 2003 e 2004 acabou por afectar as comunidades locais, fazendo reflectir estas preocupações nas referências dos seus representantes (cidadãos e juntas de freguesia). Neste capítulo específico, parece-nos fundamental acelerar os mecanismos de integração das comunidades estrangeiras, através da criação de associações suas representativas, da promoção de eventos culturais, que permitam uma partilha de conhecimentos, e da progressiva integração das suas crianças e jovens no meio escolar.
Aliás, os manuais canadianos de boas práticas no domínio da segurança urbana que já citámos, referem-se aos mesmos problemas que são abordados nos Conselhos Municipais de Segurança em Portugal, parecendo-nos que muitas das propostas também se adequariam à nossa realidade, nomeadamente em termos de urbanismo preventivo da criminalidade e na concepção das redes públicas de infraestruturais e serviços .
A evolução da criminalidade juvenil originou a adopção de programas específicos vocacionados para este segmento etário, levando ao desenvolvimento de um conjunto de medidas que teve especialmente em atenção as crianças e jovens em risco e designadamente aquelas que se encontram num processo de início ou desenvolvimento de uma carreira de prática de factos, que a lei penal qualifica como crime.
No desenvolvimento dessas medidas, o Governo criou o Programa de Acção para a Entrada em Vigor do Direito de Menores e mandatou a Comissão Nacional de Protecção de Crianças e Jovens em Risco para entregar um plano de prevenção da criminalidade e inserção dos jovens dos bairros mais vulneráveis dos distritos de Lisboa, Porto e Setúbal. Como se refere na Resolução do Conselho de Ministros, a entrada em vigor da legislação de menores “é também um incentivo a que se continuem a desenvolver, em simultâneo, programas de prevenção da criminalidade juvenil, tornando-os mais eficazes, do conhecimento de todas as entidades interessadas e assegurando que chegam aos jovens seus destinatários, em especial os que vivem nos bairros urbanos dos centros envelhecidos e nas periferias das grandes cidades, de modo a evitar, por um lado, a sua progressiva 'desfiliação' e fuga da família, da escola e de outras instituições públicas e privadas de socialização, o início de práticas de crime e, por outro lado, a promover a sua inserção na vida em sociedade”.
A relação entre as crianças e jovens que praticam crimes e a sociedade foi sempre objecto de múltiplos olhares, que através do(s) tempo(s) e do(s) espaço(s) assumiram formas de diabolização, moralização, ressocialização ou mesmo de desculpabilização. Essa relação encontra-se, actualmente, em Portugal, impregnada pelo discurso de que as crianças e os jovens que estão tendencialmente na rua constituem uma das principais causas de “insegurança dos cidadãos”. Apesar da interpretação das estatísticas e das “cifras negras” não ser pacífica, é hoje inquestionável que se generalizou a ideia de que os jovens, designadamente urbanos, estão a praticar eventualmente mais crimes que no passado .
Na concepção do Programa Prevenção da Criminalidade e Inserção dos Jovens (ESCOLHAS) , efectuou-se um levantamento das dezenas de projectos e acções em curso e das entidades que trabalham na inserção de crianças e jovens. Do cruzamento dessa informação resultou a opção de 50 bairros onde se pretendia que o ESCOLHAS tivesse projectos experimentais de prevenção da criminalidade e inserção de jovens. Este programa de prevenção da criminalidade juvenil assenta na realização de actividades que estimulam o desenvolvimento pessoal dos jovens e no desenvolvimento da comunidade onde se inserem e pretende desenvolver uma intervenção imediata, selectiva (jovens com mais de 12 anos e bairros urbanos mais vulneráveis) integrada (interinstitucional e interdisciplinar) e em parceria, através do qual, mais do que promover novas intervenções, se procurará fazer convergir para o mesmo plano o conjunto de iniciativas, intervenções e recursos já existentes por forma a contribuir para a sua optimização e rentabilização.
O Estado assumia, assim, este problema social e procurava enfrentá-lo através de uma dupla resposta, como é sublinhado no preâmbulo: “Por um lado, uma resposta reactiva de oferecer à sociedade segurança e aplicar aos jovens que praticam crimes medidas tutelares, se necessário detentivas. Por outro lado, é necessário uma resposta proactiva de prevenção da delinquência juvenil e inserção dos jovens que potencialmente se encontram a caminho da marginalidade e exclusão. Assim, mais do que novos programas de inserção para jovens urbanos é necessário, designadamente, que a polícia, a justiça, a segurança social, a saúde, a educação, as autarquias e as entidades da sociedade civil consigam chegar a esses jovens e oferecer-lhes as respostas escolares, de formação pessoal e profissional e lúdicas de modo a evitar que eles venham a dedicar-se à prática de crimes” .
Mas esta intervenção transversal implica uma associação do que responsabilize e sustente o envolvimento e o comprometimento real e efectivo de todos os intervenientes, que seria formalizado em contrato escrito entre as diversas organizações aderentes, contrato onde se estabeleça as estruturas que vão desenvolver as acções, a coordenação e a direcção, os diversos papéis e as responsabilidades de cada actor/instituição, a formação, o financiamento e os recursos e, finalmente, o acompanhamento e a avaliação.
A prevenção da criminalidade através do programa ESCOLHAS visava, assim, a intervenção junto das crianças e dos jovens e das suas famílias, os quais, vivendo em contextos sócio-económicos desfavoráveis, associados a características pessoais negativas, resultantes de um processo de crescimento desajustado, são identificados como potenciais marginais. Este Programa, que tinha resultados reconhecidos por peritos, foi distinguido com o 1.º Prémio da Rede Europeia de Prevenção da Criminalidade da União Europeia em 2003.
É hoje património comum do conhecimento que as crianças e jovens expostos, durante um período longo, a riscos de natureza e causalidade múltipla são mais susceptíveis e estão mais vulneráveis a entrar ou aprofundar processos de exclusão. E que esses processos, com frequência, são prévios a percursos de marginalidade e delinquência juvenil. Esta probabilidade é tanto mais forte quanto mais precocemente aqueles riscos, designadamente de desinserção social, ocorrem e se instalam, interferindo negativamente nos seus processos de socialização e desenvolvimento. Trata-se de crianças e jovens com capitais sócio-familiares e culturais muito desadequados que, em virtude de encontrarem poucas afinidades com aquilo que o sistema escolar formal lhes oferece e na ausência de uma intervenção firme e pedagogicamente adequada dos pais, vão construindo identidades próprias na busca de alguma forma de valorização social, particularmente entre o grupo de pares. No contexto da construção de tais identidades, afastam-se da escola e estabelecem com esta relações de recusa e abandono.
Este afastamento associa-se a percursos e trajectórias desviantes, marginais, que exprimem as identidades alternativas construídas por estes jovens. Assim, é necessário compensar os referidos riscos sociais com assunção de políticas universais e selectivas inclusivas, que qualifiquem a nível pessoal, escolar e profissional e reforcem a capacidade destas crianças e jovens de resistirem ao apelo dos percursos associais e criminais.
Consciente da importância da existência de condições que permitam continuar a intervir, articulando iniciativas das diversas entidades e agentes locais, junto dos jovens provindos de contextos sócio-económicos mais desfavoráveis e problemáticos, o XV Governo entendeu dever dar continuidade às acções que vinham sendo desenvolvidas no âmbito do Programa ESCOLHAS. Neste sentido, e tendo em vista permitir a implementação do novo modelo sem pôr em causa o regular funcionamento das acções e projectos que devam ter continuidade, prorroga o período de duração do Programa ESCOLHAS até 31 de Março de 2004 .
Mais recentemente, tendo em conta a experiência anterior, resolveu relançar o Programa, redenominando-o como Programa ESCOLHAS – 2.ª Geração e introduzindo-lhe algumas alterações . No preâmbulo da nova resolução, sublinha-se que “a perspectiva de integração sairá beneficiada com iniciativas que envolvam, no seu desenvolvimento, a interacção dos destinatários do Programa com a comunidade envolvente, em particular com as outras crianças e jovens. Deve ser seguida uma lógica de intervenção integrada (interinstitucional e interdisciplinar) e em parceria, através da qual, para além de promover novos projectos, se procurará fazer convergir para o mesmo plano o conjunto de iniciativas, intervenções e recursos já existentes, de forma a contribuir para a sua optimização e rentabilização. Introduz-se uma abordagem centrada nas parcerias com a sociedade civil, mediante contratos-programa”.
Para além disso, é alargado o âmbito territorial do Programa, agilizam-se processos, simplificando a tutela e assegurando-se a intervenção do alto-comissário para a Imigração e Minorias Étnicas, procurando propiciar uma melhor articulação com outras estruturas de integração já implementadas e com as equipas da segurança social a nível local e distrital.
Em conclusão, este Programa é um bom exemplo daquilo que se pode construir a partir da partilha das experiências locais para resolver questões que são de âmbito nacional, envolvendo cidadãos e instituições. Em fim, na boa lógica do pensar global e agir localmente…»

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