quarta-feira, maio 21, 2008

Bartolomeu Cid dos Santos (1931-2008)


O mestre Bartô partiu para não voltar, foi mais uma vez a Londres e desta vez não regressou à "sua" cidade de Tavira...

Ainda em vida, manisfestou o desejo de ser cremado e que as cinzas fossem lançadas nas águas tranquilas do Gilão. Desde os tempos da tropa, esta era a sua cidade de eleição. Imortalizou na tela o jardim da minha infância, as amendoeiras que subi vezes sem conta, desfolando joelhos e destruindo calças e sapatos. Acompanhei, muitos anos depois, o regresso a Tavira e a concretização de um sonho. Montar um atelier nas escadinhas de Santana e transmitir muitos anos de experiência a outra geração de
gravadores e mestres!


Entretanto, Bartolomeu Cid dos Santos foi contruindo uma carreira que o levou a ser considerado um dos mais importantes artistas plásticos portugueses do século XX, nomeadamente na disciplina de gravura, estando representado em inúmeras colecções institucionais e particulares, bem como nos domínios da arte pública, caso dos murais de azulejos das estações do Metropolitano de Lisboa (Entre Campos) e de Tóquio (Nihonbashi) e da Estação do Pragal e da Reboleira.


Na última fase da sua vida dedicou-se à criação do Centro de Gravura e Desenho de Tavira (onde ficaria depositado o seu espólio), que
a Câmara de Tavira promete não esquecer, depois de concretizado o desejado atelier em 1995, com os apoios do Henrique Delgado Martins, da Casa das Artes de Tavira e da Fundação Calouste Gulbenkian e inaugurado por Maria Barroso, esposa do então Presidente da República, Mário Soares. Acompanhei de perto este processo, desenhado ao pormenor em longas noites de cavaqueira com ele e a Fernandinha na Casa das Artes...


Em 2005 foi agraciado pelo Município de Tavira com a Medalha Municipal de Mérito (Grau Cobre), era Professor Emeritus da Universidade de Londres, “Fellow” do University College de Londres e Comendador da Ordem do Infante D. Henrique.

Há dias assim, em que as notícias caem e ficamos quedos e mudos. Em respeito por aqueles que partem e deixam nas nossas memórias recordações de momentos felizes!

5 comentários:

Anónimo disse...

Cavaco manifesta pesar por morte de Bartolomeu Cid dos Santos

O Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, manifestou hoje pesar pela morte do artista plástico Bartolomeu Cid dos Santos, que classificou como «um homem que dedicou toda a sua vida às artes e à cultura».

«Detentor de uma longa e bem sucedida carreira, com particular destaque na área da Gravura, Bartolomeu Cid dos Santos merece a consideração de todos os portugueses pelo elevado valor gráfico da sua obra, que se tornou conhecida em Portugal e no estrangeiro«, sublinhou Cavaco Silva, em comunicado enviado à Agência Lusa.

«Em nome do povo português e em meu nome pessoal - prosseguiu - apresento sentidas condolências à família do artista plástico e professor Bartolomeu Cid dos Santos«.

Um dos nomes centrais da gravura portuguesa, Bartolomeu Cid dos Santos morreu hoje em Londres, aos 77 anos, vítima de doença súbita.

O seu corpo será cremado na capital britânica na próxima semana, disse fonte próxima da família.

De acordo com a mesma fonte, a cremação deverá consistir numa cerimónia simples e aberta apenas a familiares e amigos próximos.

As cinzas serão depois transportadas para Tavira, como era seu desejo.

O destino final dos restos mortais do artista será o rio Gilão, onde serão lançadas, havia revelado durante a tarde o presidente da Câmara Municipal de Tavira, Macário Correia, à Lusa.

Segundo o autarca, um centro de desenho e gravura de Bartolomeu dos Santos vai nascer, talvez ainda este ano, em Tavira (cidade onde o artista pretendia instalar-se definitivamente), no Palácio da Galeria ou no Auto de Santana.

Nascido em 1931 em Lisboa, Bartolomeu Cid dos Santos faleceu hoje em Londres, onde estudou e trabalhou desde os anos 1950 na Slade School of Fine Art.

Como artista, realizou a sua primeira exposição individual em 1959, na Sociedade Nacional de Belas Artes em Lisboa. Desde então expôs individualmente 82 vezes.

Trabalhos da sua autoria integram o acervo de instituições públicas e privadas nacionais e internacionais.

Têm assinatura de Bartolomeu Cid dos Santos os painéis da estação do Metro de Entrecampos, em Lisboa.

in Diário Digital, 21-05-2008 20:24:00

Anónimo disse...

Artes Plásticas: Bartolomeu Cid dos Santos foi um grande mestre - David de Almeida

Lisboa, 21 Mai (Lusa) - O pintor e gravador David de Almeida classificou o artista plástico Bartolomeu Cid dos Santos, hoje falecido em Londres, aos 77 anos, como "um grande mestre" e "uma referência na gravura portuguesa".

"Profissionalmente, foi o homem que deu visibilidade à gravura portuguesa. Era um grande mestre, um grande homem e uma pessoa de uma generosidade muito grande também", disse hoje à Lusa David de Almeida, de 62 anos, o mais premiado dos gravadores portugueses.

Um dos nomes centrais da gravura portuguesa, Bartolomeu Cid dos Santos nasceu em 1931 em Lisboa, em cuja Escola Superior de Belas Artes estudou, entre 1950 e 1956, prosseguindo a sua formação na Slade School of Fine Arts em Londres, de 1956 a 1958, com Anthony Gross.

Nessa escola de belas artes londrina viria a ser professor, de 1961 a 1996, no Departamento de Gravura, tendo sido igualmente artista visitante em numerosos estabelecimentos similares na Grã-Bretanha.

Foi ainda professor visitante da Universidade de Wisconsin, em Madison, em 1969 e 1980, na Konstkollan Umea, Suécia, em 1977 e 1978, na National College of Art em Lahore, Paquistão, em 1986 e 1987, e na Academia de Artes Visuais de Macau em muitas ocasiões.

Realizou a sua primeira exposição individual em 1959, na Sociedade Nacional de Belas Artes, em Lisboa. Desde então expôs individualmente 82 vezes.

Trabalhos da sua autoria integram o acervo de instituições públicas e privadas nacionais e internacionais.

Têm assinatura de Bartolomeu Cid dos Santos os painéis da estação do Metro de Entrecampos em Lisboa.

in LUSA, by ANC.

Anónimo disse...

Artes plásticas: Bartolomeu Cid era "pessoa única e fantástico gravador" - Paula Rego

Londres, 21 Mai (Lusa) - Bartolomeu Cid dos Santos "era uma pessoa única e um fantástico gravador", descreveu hoje à agência Lusa a pintora e amiga Paula Rego, que estava presente no momento da morte do artista plástico, que faleceu hoje em Londres, ao 77 anos.

"Eu estava lá", contou a pintora, por telefone, à agência Lusa, manifestamente triste pela morte do "extraordinário" amigo, ocorrida às 10:35.

Amigos "há muitos anos", os dois conheceram-se na capital britânica, onde ambos se instalaram nos anos 1950 e estudaram na Slade School of Fine Art, acrescentou Paula Rego.

Mais tarde, prosseguiu, "quando havia a Sociedade dos Gravadores em Lisboa, ele ensinou-me a fazer água forte, a fazer gravuras e água tinta".

O conhecimento "como ninguém" de gravura, técnica "subtil e difícil", levou a que Bartolomeu Cid fosse convidado a ensinar na Slade.

"Ele levava os alunos a ver as gravuras no Museu Britânico, onde se pode pedir para tirar as gravuras para fora e estudar, e dava-lhes oportunidade para ver e tocar nos originais de Rembrandt, Goya e outros", relatou Rego.

"Isso é algo que é raro os professores fazerem", elogiou.

Sobre a obra de Bartolomeu Cid, Paula Rego afirmou: "O trabalho gráfico dele é único e ficará para sempre, tenho a certeza".

Qualificando a globalidade do trabalho como "excepcional", a pintora destaca alguns objectos de gravura mais recentes, nomeadamente "umas caixas muito engraçadas com espírito e uma certa nostalgia".

Depois de se aposentar, há alguns anos, Bartolomeu Cid vivia "entre Londres e Portugal" e o contacto com Paula Rego tornou-se menos frequente.

"Eu via-o de vez quando, mas não o via tantas vezes como gostava", confessou.

Paula Rego não soube adiantar pormenores sobre a cerimónia fúnebre ou o destino do espólio de Bartolomeu Cid.

Nascido em 1931 em Lisboa, Bartolomeu Cid dos Santos deixa viúva e filhas.

in LUSA, by BM.

Anónimo disse...

Morreu Bartolomeu Cid dos Santos, mestre da gravura portuguesa

in Público, 22.05.2008, Vanessa Rato


O seu espólio, mais de três mil obras, ficará em Tavira, num centro de gravura a inaugurar em breve


Apesar de muito debilitado, trabalhou até ao fim e esteve toda a semana passada em Portugal, em Tavira, no Algarve, a tratar de pormenores do centro de gravura e desenho que decidiu fundar em parceria com a câmara municipal da cidade.
No domingo, ao voltar a Londres, onde vivia desde meados dos anos 1950, foi directamente para o hospital, onde faleceu ontem, às 10h35, acompanhado pela mulher, uma das três filhas e dois dos seus mais antigos e próximos amigos, a artista plástica Paula Rego e o escritor Helder Macedo.
Aos 77 anos, Bartolomeu Cid dos Santos, um dos nomes centrais da gravura em Portugal, não resistiu às complicações decorrentes de um linfoma.
Segundo a Lusa, as suas cinzas deverão ser lançadas em data a marcar ao rio Gilão, em Tavira, a cidade onde depois de se ter reformado da Slade School of Fine Art montou o seu atelier. Era lá que recebia estudantes, artistas internacionais e onde planeava instalar-se definitivamente, acompanhando a criação do centro de gravura e desenho onde deverá ficar o seu espólio, cerca de três mil obras, suas e de antigos alunos e amigos, incluindo Paula Rego.
"Era um grande gravador, dos maiores. Sou grande admiradora do trabalho dele. Foi quem me ensinou a técnica da água-tinta", dizia ontem Paula Rego. "Ele tem uma visão e um uso de pretos e brancos completamente únicos."

"Professor extraordinário"

Nos anos 1960, Paula Rego, que o conhecia de nome e "já era admiradora do seu trabalho", bateu à porta do gabinete de Bartolomeu Cid na Slade, onde ele foi professor entre 1961 e 1996.
"Um professor extraordinário", diz Paula Rego, que recorda a forma como o artista "ensinava a técnica de uma forma muito simples, directa e clara" e como deslocava as suas aulas das salas da escola para os corredores do British Museum, para que os alunos conhecessem os originais. "Era uma pessoa com muito bom coração", conclui a artista.
É também este homem "bestial" que recorda o escritor Helder Macedo, autor de vários textos sobre a sua pintura e gravura. "[Desde os anos 1950], tem sido um dos meus amigos mais próximos", sublinhava ontem o escritor, preferindo não comentar a obra, mas o homem: "O que interessa agora é que ele era bestial".
Aluno da Escola Superior de Belas--Artes de Lisboa (1950-56) e da Slade (1956-58, com Anthony Gross), Bartolomeu Cid era professor emeritus da Universidade de Belas-Artes de Londres, fellow do University College, também de Londres, e membro da Royal Society of Painter Printmakers.
Fez a sua primeira exposição individual em 1959, na Sociedade Nacional de Belas-Artes, sendo as suas mais recentes exposições individuais de 2004. São igualmente seus os painéis da estação de metro de Entrecampos, em Lisboa.
Segundo Jorge Queiroz, do gabinete de Cultura da Câmara de Tavira, Bartolomeu Cid estava ainda a desenhar o projecto de conteúdos do seu centro de gravura e desenho, mas todo o espólio está já inventariado.
Fernanda dos Santos, a sua mulher e co-fundadora do centro, deverá encarregar-se agora de um projecto a inaugurar "o mais breve possível" no antigo edifício da GNR de Tavira.

Anónimo disse...

Hello, old Barto

Dizem-me que foste de viagem e que, para o ano, já não vais poder honrar o cultivo rotineiro da minha memória, no repasto solene que o University College organiza para a Crabtree Society, nessa sagrada segunda terça-feira de Fevereiro. Que raio de ideia ires-te agora, logo tu que tanto te empenhaste em que este pobre súbdito britânico que eu sou não caísse no olvido, ao longo dos últimos anos, na seriedade lúdica das discursatas dessas noites de “black tie”, com aquela detestável comida, apenas suplantada pelos álcoois que a faziam esquecer e animavam as noites. No fundo, e fora alguns penetras da Padânia, foste tu quem internacionalizou o evento, convidando até uma senhora de nacionalidade hesitante, que me dizem pintar muito bem, para além de outras veneradas figuras das letras, oriundas da tua Lusitânia natal.

Sabes, confesso que vou sentir a tua falta nessas jantaradas. É que, ao lado de alguns monos que por lá apareciam e se emborrachavam por dever de ritual, tu fazias a diferença, trazias o humor saltitante, aberto e franco de quem foi adolescendo com os anos. As mulheres – que a esses jantares estiveram por muito tempo impedidas de assistir – devem-te uma homenagem de gratidão por teres chefiado o difícil movimento para o respectivo acesso, embora más línguas logo dissessem que essa foi a solução que encontraste para não deixar em casa a Fernanda, sozinha com o Beagles e com a gata. Outros, mais lúbricos, dizem que o gesto não seria tão desinteressado, e que te empenhaste apenas com o objectivo de trazer umas caras bonitas para a mesa. Ingratidões, claro…

Também Sintra te vai estranhar, como sabes. Falaram-me muito das noitadas de fim de ano, onde, nos bons tempos, se assistia de um terraço aos fogachos lançados por uma tal Estrela e se bebiam tantas doses de scotch que, pelo menos uma vez, um diplomata qualquer até te terá levado uma garrafa “marada” (é assim que se diz em português, não é?). O meu querido Byron tem ainda a agradecer-te o jantar organizado no “Lawrence”, para onde trasladaste a Society, numa noite que ficou memorável. E em Sintra – e volto a citar quem por lá andou – seriam também famosas as almoçaradas de Agosto, tendo à volta os teus amigos de sempre e os novos amigos que o ficavam para sempre. Noto que nunca me convidaste, mas tudo bem…

Andavas agora mais pelos Algarves, perdido de amores por Tavira, onde me dizem que querias fixar a tua vida. Gostam muito de ti, por lá, e vais ter, com toda a certeza, a história da tua carreira fixada com carinho por esses teus novos vizinhos próximos da mourama.

Da política do teu país, Barto, estou seguro que não vais sentir falta. Os teus queridos cravos murcharam de vez e, dizem-me, o tal socialismo passou a ser uma palavra murmurada muito baixinho, um pouco a medo, não vão os Mellos e os Espírito Santos de orelha ouvirem. O teu querido país de Abril foi-se, sem martelo, para tristeza de quem, como tu, até teimava em viver em Londres perto do túmulo do velho Karl. Aqui entre nós, conhecendo-te, eu acho que do teu PCP apenas achavas graça ao Ruben, o qual, nas almoçaradas de Agosto, ia anunciando os amanhãs que já só assobiam nas festas do Avante.

Nas artes, Barto, receio que as “troupettes” da Slade fiquem incuravelmente saudosas do teu charme, praticado no meio das pedreiras de Pêro Pinheiro, onde foste ao mármore para a estação do metro. Aliás, nunca te agradeci a referência que me fizeste nessa biblioteca, como creio que o meu colega Medeiros também o não fez, segundo me disse um amigo dele, o Hélder.

A minha única alegria, Barto, é que agora vou ter mais oportunidade de te encontrar. Sendo eu um cidadão da memória, e sabendo nós que ficarás para sempre na que os teus amigos de ti conservarão, acho que vamos ter o quê nos resta para além da vida para trocarmos graças sobre quem fica lá por baixo. Vamo-nos rir muito e, de certo, vamos contar por aqui com a ironia ácida do Knopfli e de outros conhecidos que cada vez mais se nos juntam para esse nosso festim fora do mundo. Aliás, esta vida são, ou foram, dois dias – e até eu, que a não tive, aprendi contigo que é nas noites de que tu tanto gostavas que tudo se cria.

Até breve, old chap

Joseph Crabtree

(Tradução de J. Fonseca, por cedência do teu amigo JC)