terça-feira, janeiro 17, 2006

Mulheres ao poder


A tomada de posse da nova presidente da Libéria, a eleição de Michelle Bachelet e a provável reeleição da titular do cargo na Finlândia motivaram este excelente artigo de Armando Rafael no Diário de Notícias...

Sem necessidade de quotas ou mero nepotismo, há mulheres capazes de provar aos seus pares que na política se pode avançar através da competência, do mérito e das propostas apresentadas aos eleitores. Ponham os olhos nelas e tentem fazer melhor... se puderem!

PS - Já agora, as minhas felicitações ao
Diário de Notícias pela remodelação gráfica e pela atenção reforçada aos temas económicos. Lamenta-se o fim da Grande Reportagem e do belíssimo DNA. Havia necessidade?!

2 comentários:

Anónimo disse...

Mulheres no poder

Nuno Pacheco, in Público, 2005.12.18

No ano em que Thatcher já não é nome de primeiro-ministro mas de musical (estrear-se-á em Fevereiro, em Inglaterra, com nada menos do que nove "damas de ferro" em palco), o poder parece chegar-se mais às mulheres. Ou as mulheres mais ao poder. Não para lhe pedirem bênçãos mas para lhe tomarem as rédeas. Em três continentes, Europa, África e América, vimos chegarem sucessivamente à Presidência Angela Merkel, na Alemanha (em Novembro de 2005), Ellen Johnson-Sirleaf, na Libéria (país dilacerado por uma longa e aterradora guerra civil que durou catorze anos), e Michelle Bachelet, no Chile (um dos países mais conservadores da América Latina). Isto enquanto Tarja Halonen, Presidente da Finlândia, poderá a 29 de Janeiro revalidar numa segunda volta eleitoral o cargo que detém desde o ano 2000; e Lourdes Flores, segundo as actuais sondagens, se posiciona para vir a ser a primeira mulher Presidente do Peru nas eleições de Abril.

A proximidade destas vitórias eleitorais pode sustentar a ideia de que as mulheres estão, finalmente, a assumir os mais altos postos do poder até aqui maioritariamente ocupados por homens. Certamente isso acontecerá no futuro, reflexo de uma maior participação das mulheres na vida política e em diversos cargos institucionais; mas o movimento a que agora se assiste reflecte, no novo milénio, algo que já sucedera ao longo de toda a década de 90.

Nesses anos, foram várias as mulheres que ocuparam cargos de primeiro-ministro ou de Presidente em vários países (algumas delas ocupam-nos ainda): Violeta Chamorro na Nicarágua, Gloria Arroyo nas Filipinas (substituindo Corazon Aquino, eleita em 1986), Benazir Bhutto no Paquistão, Megawati Sukarnoputri na Indonésia, Chandrika Kumaratunga no Sri Lanka, Hasina Wajed no Bangladesh, Tarja Halonen na Finlândia, Mary Robinson e depois Mary McAleese na Irlanda, Vaira Vike-Freiberga na Letónia, Mireya Moscoso no Panamá, Helen Clark na Nova Zelândia. Isto para já não falar nas históricas: Indira Gandhi, que chefiou a Índia de 1966 a 1977 e de 1980 até ao seu assassinato em 1984; Golda Meir, primeira-ministra de Israel de 1969 a 1974; Eva Peron, que suplantou o poder fáctico do marido na Argentina no final dos anos 40; ou Margareth Thatcher, que chefiou o governo inglês de 1979 a 1990.

A sua ascensão não obedeceu a quotas nem à emergência de um presumível "poder feminino", mas correspondeu a quebrar um velho tabu. As eleições recentes de Ellen Johnson-Sirleaf ou Michelle Bachelet são duplamente históricas, não só porque nunca uma mulher tinha chegado à Presidência na Libéria ou no Chile, mas também porque tanto em África como na América Latina isso significa um corte com a tradição. Em continentes ferozmente dominados por homens, a subida de duas mulheres à chefia do Estado não pode ser apenas algo conjuntural e ficará como um sinal para o futuro. E se em Portugal, depois de Lourdes Pintasilgo, nenhuma outra mulher se aproximou da chefia do governo ou do Estado, já no país mais poderoso do mundo há quem fale numa eventual futura disputa da Casa Branca por Hillary Clinton e Condoleezza Rice...

Hão-de passar muitos anos até que ninguém repare se é um homem ou uma mulher que ocupa a Presidência de um país. Mas, até lá, muito tem ainda que mudar no mundo.

Anónimo disse...

Adeus, DNA

Eduardo Prado Coelho in O fio do horizonte, Público, 2006.01.13

Parece que já foi há nove anos que Pedro Rolo Duarte inventou um suplemento do Diário de Notícias para sair ao sábado: o DNA. O título jogava com a abreviatura do código genético e ao mesmo tempo com as próprias iniciais do DN. Eu tinha tido uma polémica violenta, mas supérflua, com Pedro Rolo Duarte no âmbito da Visão.

Confesso que já não me lembro porquê. Contudo, há uma coisa que tenho procurado ao longo da vida: os conflitos pessoais anteriores não devem de modo algum condicionar a pureza do nosso olhar sobre as coisas. Se achamos mesmo bom, devemos dizer que é bom. E é tudo. Os ódios vesgos que envenenam quem os tem e aqueles que deles são objecto devem ser cuidadosamente evitados. E eu gostei do DNA. Muito.

Não são assim tantos os casos de efectiva invenção na imprensa portuguesa para que a gente se possa dar ao luxo de os ignorar. É verdade que existe sempre uma alma caridosa que virá dizer que encontrou na Austrália ou na Patagónia uma publicação que claramente influenciou a publicação portuguesa. E diz isso com aquele regozijo que faz que os portugueses sejam pouco dados ao exercício de gostar. A má-língua, o escárnio e mal-dizer sobrepõem-se sempre à euforia da descoberta. E eles coleccionam com mais facilidade as reservas do que são capazes de apreciar os méritos. É aquele tipo de lucidez que não consegue ver em relação a si que o excesso de lucidez é um excesso de estupidez. Alguns cronistas e comentadores fazem disso alimento. Mas o lado corrosivo do cinismo só se tempera com alguma inocência: e digo "gostei", "gostei muito".

E agora? No âmbito da remodelação gráfica e de conteúdo do Diário de Notícias o DNA acabou. Não sei o que é que o vai substituir. Talvez seja uma criação genial. A ver vamos. Mas a verdade é que quando vejo também que a Grande Reportagem desaparece e que a revista Ler do Círculo de Leitores, dirigida por Mafalda Lopes da Costa, passa a ser anual (!) como o Borda d"Água, há uma enorme tristeza que me invade. Que fazer?, parece que sou irrecuperavelmente nostálgico. Mas custa-me que sejam devoradas pelo tempo publicações que faziam parte dos meus hábitos de leitor voraz e atento. Tenho a sensação de que o mundo fica mais deserto, e que aqueles que gostam de escrever, de fotografar ou de desenhar cada vez têm menos espaços disponíveis.

O DNA tinha uma enorme qualidade: era como um planalto onde o vento nos enchia os pulmões, era um lugar relativamente distanciado do mundo onde apetecia respirar. Não há nada como uma forma de jornalismo que nos dá outro modo de respiração. Inspire fundo. Diga DNA. Havia os editoriais de Pedro Rolo Duarte com os quais nem sempre estava de acordo, mas que lia sempre com prazer. Havia as entrevistas belíssimas de Anabela Mota Ribeiro e de Carlos Vaz Marques. Havia as extraordinárias fotografias de Augusto Brázio ou de Jorge Nogueira (o DNA habituou-nos a olhar para as imagens na imprensa diária). Havia a colaboração regular de alguém cuja personalidade se impunha: Camila Coelho, pseudónimo de uma escritora portuguesa. Havia as intervenções estimulantes de Carlos Oliveira Santos. Havia as excelentes reportagens e crónicas de Sónia Morais Santos. Pedro Mexia escreveu aqui as suas primeiras críticas antes de passar para quase todas as secções do jornal. Havia alguns textos perturbadores de Luís Osório. E assim por diante. Tudo isto já não há. Lamento.