sábado, outubro 25, 2008

Sócrates em dose dupla


O Diário de Notícias e a rádio TSF apresentam neste fim de semana uma longa entrevista com José Sócrates, marcando o arranque do ano de todas as eleições...

Hoje, na primeira parte da entrevista, são abordados sobretudo temas relacionados com a crise financeira internacional e o seu impacto na economia portuguesa e nos actos e promessas da governação, que Sócrates assumiu há três anos em resultado da primeira maioria absoluta concedida pelos portugueses ao PS.

O primeiro-ministro, de forma discreta mas evidente no
DN e na TSF (onde também pode ser visto um resumo alargado da entrevista), lança um recado aos bancos sobre a necessidade de investirem o dinheiro resultante das garantias do Estado nos empréstimos às necessidades das empresas e das famílias. "O Governo estará atento, assim como o Banco de Portugal!"

3 comentários:

Anónimo disse...

É melhor alimentar ilusões ou enfrentar a verdade?

por José Manuel Fernandes - in Público, 2008.10.25

Esta crise não tem soluções sem dor pois implica mudar de modo de vida nas sociedades avançadas. Mas isso não tem sido dito com frontalidade. Razão para que se recomende a leitura de alguns dos mais duros, mas também mais marcantes, discursos de Churchill

A rápida passagem da crise financeira à depressão económica tem uma explicação técnica - se os bancos não têm dinheiro suficiente para financiar os investimentos e o consumo, a economia real encolhe -, uma explicação "psicológica" - o pânico não é um exclusivo dos investidores nos mercados bolsistas, também afecta os industriais e os consumidores - e uma explicação substantiva - estávamos a viver acima das nossas possibilidades e esse tempo acabou.

Já se escreveu muito sobre as explicações técnicas e demasiado sobre os efeitos psicológicos da crise, mas aquilo que hoje enfrentamos é algo que muito poucos - à excepção, porventura, dos ambientalistas, mas por outros motivos - têm abordado: há limites para o crescimento. Pior: chegámos a um momento de viragem nos países mais desenvolvidos, um momento em que deixámos de ter a certeza que a geração que nos sucederá viverá melhor do que a nossa.

A crença no imparável - e é realmente imparável - progresso tecnológico criou a ilusão de que, com uma recessão aqui ou além, no cômputo geral a seta do progresso material era imparável. Há muito que não faltavam sinais de aviso para que isso poderia não ser assim, e a maior parte deles pouco terão a ver com a "bolha" do mercado imobiliário nos Estados Unidos. Recordemos alguns, daqueles de que se fala há anos: a difícil sustentação do "modelo social europeu"; a impossível sustentação do défice externo dos Estados Unidos; a complexa relação com a crescente pressão das migrações, tão presente na América como na Europa; o evidente beco sem saída para que têm sido conduzidas muitas negociações multilaterais, desde as relativas ao comércio até às que procuram enfrentar as alterações climáticas.

Nada disto é novo, mas tudo isto eram sinais de um mundo que seguia por caminhos insustentáveis. Há algum tempo alguém definia o mundo deste milénio como aquele que localizou as suas fábricas na China, os seus centros de serviços na Índia, as suas áreas comerciais nos Estados Unidos e o seu museu na velha Europa. Este mundo já não está a funcionar, pois o consumo caiu nos EUA, a Europa começa a parecer um museu bolorento, a Índia experimenta as suas dificuldades e a China quer mais.

Este mundo só pôde durar porque havia muito dinheiro em circulação - dinheiro inexistente, percebemos agora, pois muito dele resultava de obscuras "alavancagens" sobre quase nada. Sem essa ficção, devemos encarar a realidade nua e crua de uma crise não só prolongada como de uma crise que nos obrigará a rever o sonho do progresso permanente, dos adquiridos "irreversíveis". Se o cinto agora se aperta, quando voltar a desapertar-se não terá a mesma folga que conhecemos nas últimas décadas.

Poucos políticos, em todo o mundo, têm tido a coragem de enfrentar esta realidade tal como ela é. Para já empenham-se em, por via da intervenção do Estado, ir dizendo às pessoas que, graças à sua diligência, melhores tempos virão. Ainda não lhes ocorreu anunciar que todos terão de passar por provações, mas que delas depende a manutenção do essencial: não da riqueza universal, mas da liberdade universal para perseguir o sucesso e a felicidade.

Muitos políticos julgam que falar verdade é ajudar a aumentar os "factores psicológicos" da crise, mas isso está longe de ser verdadeiro. A falta a uma promessa, ou a sensação de desilusão são muito mais devastadores.

Valeria por isso a pena ler por estes dias um pequeno livrinho de um dos historiadores que melhor têm escrito sobre Churchill e o que ele significou. O historiador chama-se John Lukacs, o livro Blood, Toil, Sweat and Tears. The Dire Warning. Nele, para além do famoso discurso em que o recém-empossado primeiro-ministro do Reino Unido disse só poder prometer "sangue, suor e lágrimas", Lukacs analisa os outros discursos de Churchill no ano de todas as catástrofes - 1940 - e o efeito que produziram.

O famoso discurso foi muito breve e nem sequer foi transmitido pela rádio. Lido na Câmara dos Comuns a 13 de Maio, antecipava a derrota que ainda não ocorrera no teatro de guerra europeu e era um tremendo grito de alerta. Havia nele ressonâncias de um outro grande discurso, o de Garibaldi aos seus soldados em 1949 quando lutavam desesperadamente pela sobrevivência da República de Roma: "Não prometo um soldo, nem quartéis, nem mantimentos. Ofereço fome, marchas forçadas, batalhas e morte." E com ele o velho político começou a mudar o destino que já parecia traçado, o da derrota.

Com efeito, nessa altura ainda o governo a que presidia não decidira se haveria de aceitar as condições de paz que a Alemanha ofereceria ou se preferiria resistir. Preferiu resistir, apesar de para isso Churchill ter tido de travar uma dura batalha política. Só depois dela voltou ao Parlamento, a 18 de Junho, para um discurso que dessa vez seria transmitido pela BBC e que, apesar de nunca ter sido um bom orador, e de nesse dia estar muito cansado, ainda é recordado como um dos seus melhores. É o que termina dizendo que, se o Reino Unido for capaz de resistir e derrotar as forças que levariam "todo o mundo para o abismo e para uma nova idade das trevas", então a História lembraria sempre essa luta como o "momento mais glorioso" do seu país: "Is finest hour."

Verdade e desafio: foi esta a fórmula de Churchill para unir em torno de si uma nação que olhava desconfiada para a sua liderança e prepará-la para a Batalha de Inglaterra que em breve se iniciaria. Mas mais do que isso: justiça e juízo moral, algo capaz de dar sentido aos sacrifícios. Algo que os seus compatriotas entenderam muito bem quando, no funeral do seu inimigo político de anos e anos, Neville Chamberlain, se despediu dele dizendo: "O único guia para um homem é a sua consciência; o único traço que restará da sua memória será a rectidão e a sinceridade com que agiu."

Não o calculismo, não o curto prazo, não o sucesso fugaz. Quantos políticos poderiam hoje subscrever as suas palavras? Ou, para não ser tão dramático, admitir erros e propor correcções de trajectória, como apesar de tudo fez anteontem Greenspan perante o Congresso dos Estados Unidos?

Apesar de não termos pela frente a ameaça de uma "nova idade das trevas", não será tempo de dizer ao paciente como ele está mesmo mal e como depende sobretudo dele, e dos sacrifícios que fizer, cruzar este mar turbulento?

Anónimo disse...

Precisa-se de um Robin dos bosques rapidamente.

Roubou-se nos últimos anos o povo, para dar agora de bandeja aos bancos.
Coitadinhos dos banqueiros, em nome do povo vão receber dinheiro mais barato para continuar a vender a preço normal.

Karl Max dá voltas no caixão mais rápido do que numa máquina de lavar roupa.

Mário Soares não merecia ver desmoronar tudo aquilo por que lutou.

Anónimo disse...

UM MUNDO VIRTUAL

por Adriano Moreira (Professor universitário), in Diário de Notícias, 2008.10.28

A crise que avança no sentido de ser mundial tem uma relação inegável com o facto de a actividade económica ter sido orientada, sem regulação pelas autoridades políticas, e sem percepção suficiente das entidades responsáveis pela observação dos comportamentos, tendo em vista um mundo virtual sustentado pela criatividade de uma tecnocracia tomada pela vertigem do enriquecimento. Ao mesmo tempo que os governos parecem decididos a regressar às responsabilidades que não são nem de mais Estado, nem de menos Estado, mas simplesmente de Estado confiável, parece haver um risco de a crise ser agravada. Trata-se de colocar uma nova versão de mundo virtual no lugar daquela que está moribunda.

Um dos capítulos mais inquietantes deste risco plural está no apelo urgente, feito pela ONU, no sentido de reforçar as solidariedades em que se apoia, sem outro recurso, a esperança de realizar os Objectivos do Desenvolvimento do Milénio. É evidente que não devem ser ignoradas as carências dos países pobres, especialmente na África, no domínio da saúde, da segurança alimentar, da educação. As palavras dos representantes dos Estados que intervieram foram todas no sentido de assumir que é necessário avançar em parceria, o método que assegura melhores resultados do que os conseguidos pelos unilateralismos. A convicção posta nos discursos foi reforçada pelo facto de terem sido anunciados compromissos no valor de 16 mil milhões de dólares, numa época de crise financeira sem precedente próximo. Uma intervenção desta dimensão e natureza, confiada em que "somos a primeira geração que dispõe dos recursos, conhecimentos e competência necessários para erradicar a pobreza", arrisca a que muito brevemente alguma alta autoridade da ONU venha a repetir, com discrição diplomática, que "embora estejamos a avançar na direcção certa, não o estamos a fazer suficientemente depressa", ou que as decisões mais importantes, como afirmou recentemente Miguel d'Escoto, já não passam pela Assembleia Geral, porque esta apenas emite recomendações facilmente ignoráveis.

Uma das circunstâncias que podem reafirmar a consistência destas críticas, e já visível, é que as carências das populações dos países até agora considerados representativos do nível de vida dos que integram a cidade planetária do Norte do mundo estão em crescimento, ameaçam multiplicar o número inquietante dos novos pobres, e, neste declive, tornar complexa a segurança pública, a agressividade entre os grupos étnicos e culturais que se multiplicaram por efeitos colaterais da teologia de mercado, engrossar as imigrações ilegais, e assim por diante.

Não avaliar com realismo as capacidades disponíveis para corresponder aos anúncios feitos de reforço das contribuições para os Objectivos do Desenvolvimento do Milénio (ODM) terá consequências mais surpreendentes do que a confessada surpresa por o anúncio ter sido feito em tempos de crise financeira. A quebra da confiança, que é a mais severa das consequências do desastre do sistema financeiro, porque é o alicerce da viabilidade de qualquer plano de reconstrução, será inevitavelmente agravada.

Os anúncios que correspondam a uma cortina defensiva dos responsáveis em exercício dificilmente criarão um novo mundo virtual que evite a transparência suficiente da realidade. A austeridade dos comunicados e discursos, apegados aos factos, é certamente a mais recomendável das políticas mobilizadoras das vontades cívicas. A austeridade das políticas, que consolidará a mobilização do civismo, tem de começar pela definitiva e consistente política de desarmamento global controlado, sempre adiado, pela regulação efectiva do comércio das armas ligeiras, pela contenção do uso da violência armada que soma ao dispêndio de armas e pessoas a destruição de haveres e bens. É neste ponto que começa a exigida democratização da ONU, que a manutenção da segurança se perfila como um valor superior, que os conflitos serão mais submissos à colaboração do que ao confronto, que os orçamentos serão mais equilibrados e os recursos, mais abundantes.