sexta-feira, outubro 03, 2008

Os "exageros" de Saramago


Com a passagem do tempo, José Saramago conquistou mais espaço mediático e acentuou a sua visão pessimista sobre o estado e a evolução da sociedade...

Apesar do seu estatuto enquanto escritor universalista, reforçado pela atribuição da Nobel da Literatura em 1998, nunca perdeu as suas ligações político-partidárias nem poupou a sua família política às análises mais acutilantes e incisivas. Se analisarmos a sua última crónica percebemos que partilhamos alguma insatisfação com o
estado actual da esquerda, encarada aqui num sentido mais amplo...

De facto, quando lançamos este
grito de alerta, voltávamos a expressar um profundo sentimento de indignação pelo continuado desinteresse da generalidade dos cidadãos em relação aos principais temas da agenda política regional e local, preocupando-se apenas com as consequências das crises internacionais nos seus pecúlios e responsabilizando o "Governo" por tal desgraça...

Particularmente, não podemos deixar de apontar o dedo a todos quantos detém responsabilidades partidárias e ocupam posições nos órgãos autárquicos. Neste último caso, a responsabilidade ainda é maior, dado que representam todos os eleitores que neles depositaram a sua confiança através do voto. Porém, parece que nem todos os actores agora nomeados perceberam o papel que lhe cabe e compreenderam o mandato que receberam!


Se o debate sobre o futuro da(s) esquerda(s) já vem de trás, não convém deixar esmorecer a reflexão sobre a importância do seu papel numa sociedade em crise, intrigada com o falhanço da globalização e pouco confiante nas reformas em curso no Estado-providência, na educação e no mercado de trabalho.

Pelo contrário, assiste-se nas ruas a mobilizações promovidas pelo auto-intitulados partidos de esquerda e pelas centrais sindicais contra essas reformas, representando sobretudo interesses corporativos pouco conciliáveis com a sobrevivência do Estado tal como o conhecemos.

Não é um debate de hoje nem do passado recente, mas que vem preocupando os analistas sociais desde as primeiras crises do petróleo e que concorreu para o desenvolvimento das disciplinas e das organizações relacionadas com a avaliação das políticas públicas. Mas, isso é matéria que daria um livro ou... muitas teses académicas!

Por tudo isto justifica-se plenamente, aqui e agora, a questão que intitula a crónica do mestre Saramago. Onde está a esquerda?

1 comentário:

Anónimo disse...

Afinal não é só Saramago que responsabiliza o "Governo" por tal desgraça...., eis mais uma opinião a ignorar pelos iluminados desta novo socialismo que desgraçadamente nos assola.

ONDE ESTÃO OS NEOLIBERAIS?


Mário Soares in DN de 7/10/2008

1 . Onde estão os neoliberais, que ninguém os ouve? Há meses reclamavam, sem cessar, "menos Estado", mais privatizações. Nada de constrangimentos, de regras éticas, nem de serviços públicos. O importante era "reduzir os impostos", "deixar o mercado funcionar", quanto menos intervenções públicas, melhor. A "auto-regulação do mercado", dirigida pela "mão invisível", era bastante, o ideal. Privatizar os serviços de saúde (uma invenção socialista), a segurança social, as águas, os cemitérios, os correios, os transportes; pôr gestores privados a gerir os parques nacionais, privatizar as pousadas, recorrer a "seguranças privados", mesmo em estado de guerra, como no Iraque; privatizar, privatizar...

Os políticos - e a política - que não alinhassem passaram a ser uma praga, uma arqueologia, vinda de outros tempos, o bom mesmo eram os negócios, quanto mais melhor, a especulação - os políticos nos negócios e os negócios na política - os paraísos fiscais, ganhar dinheiro, a qualquer custo o dinheiro como o supremo valor das sociedades ditas livres e o mercado, "teologizado", como o Deus ex maquina do progresso. As regras para o funcionamento do mercado eram velharias obsoletas. A própria "democracia dita liberal" escorregou, a pouco e pouco, para a plutocracia. E a pobreza? Os pobres? Os operários, os camponeses, os empregados, as próprias antigamente chamadas classes médias? Deixados entregues à sua sorte, sujeitos à regra da selecção natural, a chamada lei da selva, em que os mais fortes (os ricos) devoram naturalmente os mais fracos (os pobres)... Quanto muito, as almas sensíveis, que não compreendiam o "espírito do tempo", tinham a caridade, um recurso que não prejudicava o sistema e fazia bem às almas...

Assim, o capitalismo americano, na sua fase financeira-especulativa, guiado pela ideologia neoliberal, fortalecida com o colapso do comunismo, influenciou fortemente the way of life americano, a ponto de conduzir a América do Norte às portas do descalabro financeiro e da recessão económica (Bush dixit). Tendo, ao mesmo tempo, efeitos muito negativos na Europa, inclusivamente na esquerda, chamada "terceira via" de Blair e dos seus adeptos... E começa a contaminar todo o mundo.

Os maiores bancos e seguradoras - coisa nunca vista, desde 1929 - entraram em falência técnica, devido, em parte, à avidez dos subprime, e voltou-se contra os gestores milionários, ameaçando engolir no descalabro as economias dos que neles confiaram.

Resultado: o recurso ao Estado (que heresia para os neoliberais!), como no caso das catástrofes naturais, como o Katrina, por exemplo. Quem paga? O Estado, quando os privados fogem e assobiam para o lado... Assim surgiu o plano Paulson, feito e refeito, sob a égide de Bush - que aceitou tudo - para salvar o sistema. Mas será que o plano, mobilizando 700 mil milhões de dólares, vai resolver alguma coisa? Ou tenta apenas salvar o sistema, nesta situação única de aperto?

Ora o que está podre, a agonizar, é justamente o capitalismo, na sua fase financeira e especulativa. É isso que se impõe mudar, regularizando a globalização, acabando com os paraísos fiscais, fonte das maiores especulações, introduzindo regras éticas estritas, preocupações sociais e ambientais e, como disse o "extremista" Sarkozy, no seu discurso de Toulon, "metendo na cadeia os grandes responsáveis das falências fraudulentas".

Haverá coragem para o fazer e modificar profundamente o sistema? Eis o que não está ainda nada claro, quer na América quer na Europa. A Irlanda foi a primeira a nacionalizar os bancos, seguida pela França, Holanda e pela Alemanha. Mas não será, por enquanto, apenas, uma medida de emergência, para salvar os prevaricadores, contrabalançando isso com fundos destinados a valer aos compradores de casas que nisso empenharam todas as suas poupanças e estão agora em risco de as perder?

Veremos, nas próximas semanas, como as crises irão evoluir. Entretanto, a campanha eleitoral para as presidenciais continua, com uma margem, que parece acentuar-se, em favor de Obama. O debate entre os candidatos a vice- -presidente denunciou as fragilidades de Sarah Palin -- embora saísse melhor do que se previa - mas, incontestavelmente, Joe Biden venceu, aparecendo muito contido, com um modelo de experiência e de tacto diplomático...

2.E a Europa? Vai francamente mal, resvalando, a pouco e pouco, para uma recessão, que já está a atingir a França, a Irlanda, a Holanda, talvez a Espanha e outros países membros. Sarkozy, presidente em exercício, com a falta de senso que o caracteriza e a atracção pelo show-off, convocou para Paris uma Cimeira a Quatro. Os quatro maiores países da União. Nem sequer pensou que essa insólita conferência dos Quatro Grandes poderia ser vista como uma ressurreição da ideia de um "directório europeu", um espectro que preocupa todos os outros 23 Estados membros. A ideia era inventar um plano Paulson europeu. Foi obviamente rejeitada. Cada um por si, foi o que lhe responderam os seus três interlocutores, embora por razões diferentes.

Agora Sarkozy quer reunir o G8 não se sabe bem para quê. Com a América e a Rússia, pois claro. Sarkozy ainda não percebeu, como presidente em exercício da União, que os problemas europeus devem ser resolvidos consultando, em primeiro lugar, os europeus. E não houve ninguém que lho dissesse em voz alta... Assim vamos caminhando para o desastre. Sem rumo certo.