sexta-feira, janeiro 18, 2008

Autárquicas'2009 com novas regras...


Debaixo das críticas dos partidos da oposição que olham para a revisão da lei eleitoral autárquica acordada entre PS e PSD como mais uma tentativa de hegemonização política por parte do chamado “bloco central, a Assembleia da República aprovou, na generalidade, vários projectos de lei que alterarão profundamente as regras de eleição e das competências do poder local...

Segundo os promotores da principal proposta, esta revisão visa actualizar o sistema eleitoral autárquico, representando um passo significativo para a modernização da administração territorial autárquica e para a qualificação da democracia local. E representa, pela introdução de alterações ao regime que regula a eleição dos titulares dos órgãos autárquicos, maxime municipais, um esforço evolutivo do sistema de governo local.

O aperfeiçoamento dos mecanismos de reequilíbrio do sistema de governo e da qualidade da democracia local sai, aliás, também favorecido com a alteração introduzida pela sexta revisão constitucional ao artigo 118.º, reforçando o princípio da renovação com a previsão expressa no n.º 2, aditado a este preceito, respeitante à possibilidade de o legislador determinar limites à renovação sucessiva de mandatos dos titulares de cargos políticos executivos. Este princípio, já concretizado através da Lei n.º 46/2005, de 29 de Agosto, vem impor limites à renovação sucessiva de mandatos dos presidentes dos órgãos executivos das autarquias locais.

As alterações à lei eleitoral autárquica que agora se propõem respeitam, entre outras, ao método de eleição do presidente do órgão executivo, em particular do presidente da câmara municipal, no sentido de assimilar a personalização crescente deste órgão sem, no entanto, desvirtuar a natureza que desde 1976 estrutura o governo local. O órgão deliberativo vê, por sua vez, reforçados os seus poderes de fiscalização e controlo.

O modelo adoptado visa a criação de melhores e efectivas condições de governabilidade, eficiência e responsabilização dos governos locais. Em nome da eficácia e da responsabilização política, é conferido ao presidente eleito o direito de constituir um executivo eficiente e coeso, que assegure garantias de governabilidade e estabilidade para a prossecução do seu programa e prestação de contas ao eleitorado no final do mandato.

Ao mesmo tempo que se assegura a personalização na eleição do presidente, acautela-se a relativa homogeneidade, estabilidade e confiança na constituição do executivo municipal. Assim, o presidente tem o direito de escolha na designação do órgão executivo, sem prejuízo de, no caso municipal, ser assegurada uma representação mínima das listas não vencedoras como forma acrescida de reforço da capacidade efectiva de controlo e fiscalização política. No mesmo sentido é introduzida, quer ao nível municipal, quer ao nível de freguesia, a possibilidade de aprovação de moções de rejeição do executivo. O direito de escolha do executivo é, ainda, limitado pela necessidade de a designação dos membros ser feita de entre os membros da respectiva assembleia directamente eleitos, assim se respeitando a legitimidade democrática do órgão deliberativo.

De igual modo, torna-se vital que o exercício dos poderes de apreciação da constituição, bem como da remodelação do órgão executivo seja reservado aos membros da assembleia municipal eleitos directamente e em efectividade de funções.

Neste sentido, e no quadro da necessária referência constitucional, o projecto de lei aprovado introduz as seguintes alterações:
a) Eleição directa, secreta, universal, periódica e conjunta da assembleia municipal e do presidente da câmara municipal;
b) O presidente da câmara municipal é o cabeça da lista mais votada para a assembleia municipal, à semelhança do regime actualmente vigente nas freguesias;
c) Designação dos restantes membros do órgão executivo pelo respectivo presidente de entre os membros do órgão deliberativo eleitos directamente e em efectividade de funções;
d) A garantia de representação das forças políticas não vencedoras no executivo municipal;
e) O reforço dos poderes de fiscalização do órgão deliberativo, tendo como corolário a apreciação da constituição e remodelação do executivo, através da possibilidade de aprovação de moções de rejeição;
f) A deliberação de rejeição do executivo requer maioria de três quintos, gerando, em caso de segunda rejeição, a realização de eleições intercalares;
g) Tais direitos apenas são exercidos, ao nível municipal, pelos membros da respectiva assembleia directamente eleitos e em efectividade de funções.

Calcula-se, pelos interesses em causa, muito se falará deste diploma até à aprovação definitiva pela Assembleia da República. Já agora, qual é a sua opinião?!

3 comentários:

Anónimo disse...

Do bom governo municipal

Por Vital Moreira, in Público, 4 de Dezembro de 2007

Como era de esperar, a reforma do sistema de governo municipal (e das freguesias) está a gerar acesa polémica no seguimento do anunciado acordo PS-PSD, cujas linhas principais vieram a público. Todavia, nem as críticas são todas pertinentes, nem os problemas se resumem à questão da representatividade das câmaras municipais.
Tanto quanto se sabe, o futuro sistema de governo municipal - que assentará numa única eleição, para a assembleia municipal, deixando de haver eleição separada da câmara municipal e sendo presidente desta o primeiro nome da lista mais votada para a assembleia - consiste numa adaptação do regime já hoje vigente nas freguesias, embora com várias divergências, nomeadamente a garantia de maioria absoluta no executivo para o partido vencedor das eleições para a assembleia, mesmo que tenha ganho com maioria relativa (porém, sob condição de "passagem" do executivo municipal na assembleia, o que pode obrigar a coligações).

Não se trata, portanto, nem de um sistema de governo presidencialista - pois o presidente não é eleito separadamente nem a sua subsistência é independente de votações da assembleia (estando prevista a possibilidade de rejeição do seu "governo") - nem de um regime de assembleia, pois o executivo municipal não é eleito pela assembleia municipal. Estamos perante um regime híbrido, a que a presença obrigatória de membros da oposição no executivo municipal confere traços de uma verdadeira "salgalhada institucional".

Não sendo formalmente um regime presidencialista, seguro é, porém, que o novo sistema vai tornar as eleições para a assembleia municipal em eleição do presidente da câmara municipal - como já hoje sucede nas freguesias -, consumando o processo de presidencialização e de pessoalização do governo autárquico e reforçando a tendência para a sua bipolarização política (embora a manutenção de vereadores dos partidos minoritários possa atenuar essa tendência). Com a proeminência política da eleição do presidente vem necessariamente a secundarização da eleição da assembleia.

Não creio que haja alguma inconstitucionalidade - como já se argumentou - no facto de as câmaras municipais deixarem de reflectir a representação proporcional das várias forças políticas, assegurando sempre uma maioria ao partido vencedor, mesmo que tenha ganho as eleições municipais sem maioria absoluta. Dado que os executivos municipais deixam de ser directamente eleitos, não se impõe nenhuma representação (proporcional ou não) de todos os partidos. Já assim é hoje nas juntas de freguesia - compostas pelo presidente da junta, "directamente" eleito, e por vogais eleitos pela assembleia de freguesia, sob proposta daquele (que pertencerão ao mesmo partido, se ele tiver maioria absoluta na assembleia) -, sem que se tenha suscitado qualquer problema quanto a isso.

Pelo contrário, não sendo agora a câmara municipal um órgão representativo, a inclusão de representantes dos partidos da oposição é que não apresenta nenhuma justificação, nem lógica sistémica, abrindo lugar para equívocos sobre a filosofia do novo sistema de governo municipal. Essa solução vai conservar um dos principais defeitos do sistema vigente, que é a de "ter a oposição dentro do governo", com isso desvalorizando decididamente a assembleia municipal, como hoje sucede. Num sistema democrático - seja ele presidencialista ou parlamentar, ou inominado - a oposição deve estar na assembleia e não no executivo. Por isso, ao contrário da crítica dominante, a principal censura a fazer à solução acordada não está na falta de respeito pela proporcionalidade na câmara municipal, mas sim na continuidade da coabitação forçada entre maioria e oposição dentro da mesma.

Tendo-se optado pelo sistema de eleição dois-em-um (elegendo simultaneamente a assembleia e o presidente do executivo), então mais valeria universalizar o regime actualmente vigente para as freguesias. De duas, uma: ou o partido vencedor das eleições tem maioria absoluta na assembleia, e então o presidente consegue fazer eleger um executivo homogéneo; ou não tem, e então deve fazer os acordos necessários com um ou mais partidos minoritários. A solução agora adoptada, em que garante à partida uma maioria no executivo ao partido vencedor, mesmo que não tenha maioria na assembleia, assegurando simultaneamente a presença dos partidos minoritários no próprio executivo, é que não se recomenda em termos de racionalidade democrática, desde logo em termos de separação de poderes entre órgão representativo e órgão executivo e de separação entre o governo e a oposição.

Há outros problemas de natureza política (e em alguns casos, constitucional), cuja solução o desconhecimento do teor do acordo interpartidário não permite equacionar, como, por exemplo, as relações entre o executivo e a assembleia, a substituibilidade do presidente em caso de vagatura do cargo, o modo de selecção dos representantes dos partidos minoritários no executivo, etc.

O principal problema respeita à responsabilidade do executivo perante a assembleia, aliás constitucionalmente imposta. Deixando de haver legitimidade eleitoral própria da câmara municipal (salvo do presidente), como se dá a sua "investidura" perante a assembleia? Pela eventual votação do "programa de governo", como sucede com o Governo da República? E qual será a maioria de rejeição: maioria simples, maioria absoluta (como sucede com o governo da República) ou maioria qualificada, como constava numa inaceitável proposta do PS, há alguns anos? Por outro lado, haverá possibilidade de aprovação de moções de censura, como parece incontornável? E qual será a consequência da sua aprovação: remodelação e relegitimação da câmara ou a destituição desta e novas eleições?

Todas estas questões carecem de resposta. Além de constitucionalmente viável, uma reforma do governo autárquico deve ser politicamente convincente, já que não pode ser consensual.

Anónimo disse...

Ainda o sistema de governo autárquico

Por Vital Moreira, in Público, 29 de Janeiro de 2008

Sendo insuspeito de apoiar a reforma do sistema de governo autárquico acordado entre o PS e o PSD, que desde há muito critico, entendo, porém, que o que há de censurável no projecto em causa não é nenhuma violação do princípio da proporcionalidade na composição das câmaras municipais - que não tem cabimento em relação a órgãos executivos -, mas sim o desrespeito do princípio da maioria, segundo o qual deve ser o partido ou coligação vencedor/a das eleições a governar, desde que tenha a maioria na assembleia, ou pelo menos não tenha uma maioria de oposição contra.

Não existe nenhum princípio constitucional nem nenhum cânone democrático que imponha a composição proporcional de órgãos executivos (salvo se forem directamente eleitos). As câmaras municipais tinham composição proporcional por serem directamente eleitas, o que deixará de suceder (nada obstando a essa mudança). Mas o mesmo não ocorria com as juntas de freguesia, sem que alguém alguma vez tivesse sustentado a inconstitucionalidade ou a impropriedade democrática dessa solução. E o mesmo se diga das juntas regionais previstas na lei-quadro das regiões administrativas.
O que não faz sentido é, pelo contrário, a coabitação forçada, mesmo que não seja proporcional, entre governo e oposição no executivo municipal, que é insólita no direito comparado, e que aliás nunca valeu entre nós no caso das freguesias, sem nenhuma acusação de violação de algum princípio democrático. A lógica democrática reclama a separação entre governo e oposição. Fora o caso dos sistemas de governo presidencialistas - que supõem a eleição separada do chefe do governo e a independência entre o poder executivo e o poder deliberativo -, o governo deve caber ao partido ou coligação maioritário/a na assembleia.

De resto, a manutenção da presença obrigatória da oposição nas câmaras municipais, mesmo em minoria (como agora se propõe), é politicamente incongruente e contraproducente. Primeiro, cria uma diferença de regime entre os municípios e as freguesas -- visto que nas juntas de freguesia continua excluída a representação da oposição --, introduzindo no governo autárquico uma assimetria sistémica que nada justifica. Segundo, a presença da oposição nas câmaras municipais apenas serve para perpetuar a secundarização do papel político das assembleias municipais e o défice de responsabilidade política daquelas perante estas, na medida em que a dialéctica governo-oposição é transferida para dentro da câmara, em vez de estar sediada na assembleia representativa, como devia.

O lugar da oposição é nas assembleias, não nos executivos autárquicos, sendo oportunista e demagógico o argumento de que só é possível fazer oposição de dentro do governo. Se se quer valorizar o papel da oposição no sistema de governo autárquico, como se impõe, o que há a fazer é reduzir o presidencialismo autárquico e aumentar a responsabilidade do executivo perante a assembleia, bem como reforçar os direitos da oposição e os meios de escrutínio da assembleia autárquica, como sucede por esse mundo fora, incluindo, por exemplo, a criação de uma comissão permanente, composta por representantes de todas as forças políticas naquela representadas, dotada de poderes especiais de informação e controlo.

Descartada a despropositada questão da proporcionalidade na composição das câmaras municipais, o problema democrático e constitucional do projecto PS/PSD está antes no desprezo do princípio da maioria e do princípio da responsabilidade política na constituição e na sustentação das juntas e câmaras municipais, na medida em que permite governos minoritários contra maiorias de oposição na assembleia.

De facto, segundo o referido projecto, as juntas ou as câmaras propostas pelos respectivos presidentes (que são automaticamente o primeiro nome da lista mais votada para a assembleia) não precisam de ser votadas na assembleia (como hoje sucede com a junta de freguesia), só podendo ser rejeitadas por uma maioria de 3/5 na assembleia, o que lhes permite "passar" mesmo que tenham 59,9 por cento de votos contra. Além disso, o projecto não prevê a possibilidade de destituição dos executivos autárquicos por moções de censura, o que constitui uma notória violação dos mais elementares princípios da responsabilidade democrática dos órgãos executivos perante as assembleias representativas de que dependem. Ora, não sendo o executivo directamente eleito (salvo o presidente), a sua legitimidade política só pode derivar da assembleia autárquica. Mesmo que se entendesse que o presidente do órgão executivo não deve depender dos votos na assembleia, por ser "directamente" eleito, já o mesmo não se aplica aos demais membros desses órgãos colegiais.

A própria Constituição estabelece expressamente a responsabilidade dos órgãos executivos autárquicos perante os órgãos deliberativos, prevendo igualmente a possibilidade de "destituição" daqueles por estes. Deixando de haver eleição directa da câmara municipal, segue-se a aplicação dos padrões comuns da legitimidade e da responsabilidade política perante a assembleia, de acordo com o princípio da maioria. Não é admissível - como se prevê no projecto - a imposição de executivos monopartidários politicamente minoritários contra uma maioria da oposição na assembleia.

Mesmo que se não considere obrigatória a eleição dos demais membros das câmaras municipais e das juntas de freguesia pelas assembleias respectivas, sob proposta do presidente daquelas - como hoje sucede nas juntas de freguesia -, o mínimo que se tem de exigir é que as moções de rejeição e as moções de censura sejam eficazes se aprovadas por maioria absoluta, como sucede no sistema de governo nacional. O que não é aceitável é que os executivos autárquicos possam ser constituídos, ou manter-se, tendo contra si uma maioria absoluta de votos na assembleia de que dependem...

Anónimo disse...
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