quinta-feira, maio 11, 2006

Olhar o futuro sem perder o passado!


(Publicado na edição de 11 de Maio de 2006 no jornal BARLAVENTO)

O Primeiro-Ministro apresentou no Parlamento as linhas gerais da reforma da Segurança Social, enfrentando com coragem e determinação um problema estrutural da sociedade portuguesa.

Perante a situação da economia nacional, com preocupantes níveis de desemprego e de produtividade, e o envelhecimento da população, aliado à progressão da esperança média de vida, decorrente da melhoria sistemática dos cuidados de saúde, é altura de fazer aquilo que é necessário e as condições políticas actuais não podem ser desperdiçadas!

Consciente desta realidade, José Sócrates pretende avançar com uma nova fórmula de cálculo das pensões de reforma e impor tectos máximos para os seus montantes, pois o desequilíbrio financeiro da Segurança Social não é compatível com reformas de valor cada vez mais elevado.

Para tal, avançou já com cinco propostas – ligar as pensões de reforma à evolução da esperança média de vida (deixando três alternativas em cima da mesa – prolongar a actividade, reforçar as contribuições ao longo da vida ou adequar o valor da pensão ao factor de sustentabilidade), considerar toda a carreira contributiva na fórmula de cálculo adoptada em 2002, fundamentar de forma clara e transparente todos os aumentos contributivos para o sistema, discriminar positivamente as famílias com maior número de filhos e reforçar os regimes de protecção da invalidez, na deficiência, das crianças e jovens órfãos e das famílias monoparentais.

Estas propostas devem ser alvo de debate rigoroso e sério no interior do partido que suporta o Governo, com as demais forças políticas e com os parceiros sociais, de forma a partilhar responsabilidades e envolver todos na procura da melhor solução!

As tendências neoliberais que parecem querer ganhar terreno na União Europeia não podem condicionar as estratégias de governação de um partido de matriz social-democrata. Em Portugal, devemos colocar os olhos nas experiências reformistas que conseguiram gerir as mudanças necessárias com tempo e sem pôr em causa a coesão social.

A título de exemplo, não podemos esquecer o esforço financeiro na atribuição do Complemento Solidário para Idosos, que visa atribuir um complemento financeiro a quem mais precisa, nomeadamente aos pensionistas com reformas e rendimentos inferiores a 300 euros mensais.

Por fim, parece-nos que esta reforma da Segurança Social vai acabar com a manipulação política do aumento das pensões em véspera de actos eleitorais, que colocaram em risco a sustentabilidade do sistema público, proporcionando mais transparência e rigor na atribuição dos benefícios sociais.

2 comentários:

Anónimo disse...

GOVERNO QUER NEGOCIAÇÕES CONCLUÍDAS EM JULHO

in TSF.pt, 16:13 / 12.Maio.06

O ministro do Trabalho quer terminar num curto prazo a negociação das medidas para manter a sustentabilidade da Segurança Social. Depois de apresentar as propostas governamentais, Vieira da Silva reuniu com os parceiros sociais e anunciou que quer as negociações concluídas em Julho.

Após a reunião em sede de concertação social, o ministro disse acreditar que há condições para aprovar a reforma «antes do Verão», uma vez que os «parceiros tem já posições sobre a maior parte das propostas».

«Não serve aos portugueses que esta discussão se prolongue excessivamente», afirmou o ministro do Trabalho e da Solidariedade Social, José Vieira da Silva, no final da reunião que serviu para apresentar aos parceiros sociais o relatório final sobre a sustentabilidade da Segurança Social.

«Se existir um acordo é positivo, mas o Governo não deixará de concluir o debate e levar a proposta à Assembleia da República», acrescentou.

CGTP considera calendário apertado

No entanto, a maioria dos parceiros sociais considera o calendário muito apertado, tendo a voz mais crítica vindo do lado da CGTP, com Manuel Carvalho da Silva a afirmar que «o fecho da discussão até Agosto é um mau indicador».

«A insistência de um calendário apertado não é um bom prenúncio», salientou o secretário-geral da CGTP, acrescentando que a «sensibilidade das matérias aconselha a uma discussão envolvente» dos trabalhadores e da sociedade.

Na mesma linha, o secretário geral da UGT afirmou que o «calendário é apertado». «Vamos ver ou não se é realista», acrescentou.

João Proença ressalvou que o relatório sobre a sustentabilidade da Segurança Social baseia-se em cenários e não em realidades, sustentando que o sistema continua equilibrado, apesar de cinco anos de dificuldades económicas.

Anónimo disse...

A raiz do medo

por Medina Carreira, in Público, 2006-05-14

Nos últimos meses, tivemos direito apenas a "3+3 minutos" de relevante verdade, proporcionados pelos ministros das Finanças e da Saúde. Aquele afirmou que, se nada fosse feito, a Segurança Social estaria "falida" dentro de uma década e este denunciou a incapacidade do sistema de financiamento do SNS para mantê-lo tal como é. Se quisessem ter sido exaustivos, diriam apenas que o Estado Social português irá "falir", todo ele, antes de 2015, se não forem adoptadas já medidas apropriadas

1."O país precisa que lhe mostrem a realidade tal qual é, sem sentimentalismo e sem disfarce, para perceber que o enganaram e aceitar com frieza um remédio ardente" (Vasco Pulido Valente - PÚBLICO, 7/4/2006)


Vivemos há pouco a "Semana dos Relatórios". Quase simultaneamente, o Banco de Portugal, a OCDE e o FMI vieram dizer-nos o óbvio: que continuamos mal. Ao "povo" isto pareceu apenas um sismo de grau três: estremeceu mas logo voltou às preocupações rotineiras do "Mundial" da Alemanha, das taxas de juro, da gripe das aves e da época dos incêndios. Por seu lado, o primeiro-ministro só considera legítima a "futurologia" que produziu os "6,83 por cento" e lhe permitiu renegar a promessa eleitoral do não agravamento fiscal. Como bom português, parece achar que "não há-de ser tanto assim", como dizem os mensageiros, e que não deve ceder perante o "pessimismo" atávico dos descendentes do Velho do Restelo. Preferirá orientar-se pelo pensamento "positivo" dos que vão "qualificar" (?) um milhão de portugueses até 2010 e que afirmam ou negam a sustentabilidade da Segurança Social conforme a direcção do vento.

2. José Sócrates fez uma campanha eleitoral a contornar os obstáculos, mas a fingir que nem existiam. Com ligeireza "incomodou" 100.000 "privilegiados", sem perceber que, se não atingir um milhão, o desastre será inevitável. Em vez de aproveitar esta oportunidade, reavivada pelos "três relatórios", para definir um novo, decisivo e adequado rumo, confirma que desconhece uma meia dúzia de verdades essenciais, a saber:
a) Que o seu "tempo" politicamente útil terminará dentro de um ano e meio e que já consumiu - em vão, quanto ao indispensável - um ano da legislatura;
b) Que é muito provável, quase certo, o rastejamento da economia portuguesa durante mais alguns anos - ninguém sabe quantos - e que, quando recuperar, ficará sempre longe do crescimento mínimo necessário para que o Estado Social sobreviva, tal como ele é hoje;
c) Que a consolidação financeira baseada em níveis fiscais superiores a 40 por cento do PIB, depois de 2009 (40,2% do PIB, conforme PEC/2005-2009) - acima da Alemanha, do Reino Unido, da Espanha, da Irlanda e dos Países Baixos -, arruinará a nossa economia e não salvará o Estado;
d) Que a "arrumação financeira" do Estado terá de fazer-se pela via das despesas com o "pessoal" e com as "prestações sociais" (pesaram em 86 por cento no aumento das "despesas correntes primárias" entre 1999 e 2004 e corresponderam a 125% do acréscimo das receitas tributárias).
e) Que, com a economia muito "duvidosa" que continuaremos a ter e com os impostos "impossíveis" que estão projectados, por tempo indeterminado, as medidas de correcção das despesas terão de ser duras, generalizadas e com efeitos imediatos;
f) Que, em democracia, o que deve ser feito terá de assentar em toda a "verdade" e toda a "competência", porque só a confiança que nelas se baseia permite uma governação adequada e séria.

3. Nos últimos meses, tivemos direito apenas a "3+3 minutos" de relevante verdade, proporcionados pelos ministros das Finanças e da Saúde. Aquele afirmou que, se nada fosse feito, a Segurança Social estaria "falida" dentro de uma década e este denunciou a incapacidade do sistema de financiamento do SNS para mantê-lo tal como é. Se quisessem ter sido exaustivos, diriam apenas que o Estado Social português irá "falir", todo ele, antes de 2015, se não forem adoptadas já medidas apropriadas. No Quadro anexo, pressupondo que a "economia", os "impostos" e as "despesas" evoluiriam, até 2015, nos termos verificados entre 1995 e 2005, ficam esboçadas duas possíveis consequências, a saber:
a) Que mesmo com um nível de fiscalidade exorbitante, para Portugal, o acréscimo eventual das receitas fiscais (mais 4,3 pontos percentuais do PIB) não chegaria sequer para financiar o aumento das "despesas correntes primárias" (mais 10,2 pontos percentuais), nem o dos gastos com o "pessoal" e as "prestações sociais" (mais 8,2) (cf. Quadro, col.4);
b) Que o peso das "despesas sociais" seria, nessa hipótese, tão impensavelmente alto que nunca foi atingido por qualquer país europeu, mesmo mais rico que o nosso (39,5 por cento do PIB).

4. Estas perspectivas, de si muito preocupantes, podem revelar-se ainda mais graves se se tiver em consideração que o aumento do peso da dívida pública e o agravamento das taxas de juro irão sobrecarregar seriamente os encargos financeiros do Estado; que, financeiramente, a próxima década será menos favorável do que a anterior, porque não haverá alívio dos juros, teremos menos privatizações e os fundos europeus não voltarão aos altos níveis já atingidos nos anos 90; que os efeitos do "envelhecimento demográfico" e da maior maturação do sistema social irão gerar encargos públicos cada vez mais pesados; que é improvável que, entre 2005 e 2015, o crescimento anual e real do PIB atinja os 2,2 por cento registados entre 1995 e 2005 (5,7 por cento nominais); e que a simples convergência com a UE, se retomada, será insuficiente para criar condições de sustentação económica e financeira do Estado Social que existe em Portugal.

5. Perante estas dificuldades e incertezas, o quadro político vigente é caracterizado pelo imobilismo. Todos os partidos com assento parlamentar estão "cercados" pelos cinco a seis milhões de portugueses que, sustentados pelo Orçamento, reclamam respeito pelos direitos e pelas expectativas "adquiridas": políticos, funcionários, reformados, subsidiados e familiares - o nosso Portugal mais conservador e privilegiado - constituem uma permanente "ameaça", que só tem consentido a mentira ou a dissimulação. Eles são a raiz do medo. Os políticos activos fingem assim desconhecer que o Estado Social europeu do século XX é filho de um "negócio" entre os capitalistas e os trabalhadores, destinado a "redistribuir" por todos a abundante riqueza que se criava. E que agora, sem nada para redistribuir a contento de todos, o "negócio" terá de ser repensado ou acabará arruinado. Não há solução à vista, resta a demagogia e o País segue à deriva. O Estado Novo, perante o problema colonial, recusou também repensar e simulou desafiar os "ventos da história". A democracia de Abril, já mais vesga que aquele, tenta ignorar esses "ventos". É sina e será desgraça nossa.

6. Acontece que a conjuntura política é agora favorável à adopção de reformas mais sérias: um Presidente recém-eleito e que conhece bem estes assuntos, um Governo que se apoia numa maioria absoluta. Todavia, com o parlamentarismo mitigado que temos, este quadro só pode ser útil se José Sócrates compreender, já, que não se repetirão tão cedo circunstâncias políticas idênticas e que o não aproveitamento destas ser-nos-á fatal; que a sociedade portuguesa não mudará com as "massagens" do Governo e que só a "cirurgia" evitará um rasto de frustração; que só se confia em quem nunca nos engana, nem nos considera uma multidão de inimputáveis, carecidos de tutor. Antigo ministro das Finanças

PS - Depois de redigido este texto, o primeiro-ministro anunciou a próxima reforma do regime das pensões da Segurança Social, destinada a garantir a sua sustentabilidade financeira até 2050. Desconheço ainda os fundamentos quantitativos do que se pretende. De qualquer modo, a iniciativa impõe explicações cabais do Governo sobre: a) como salvará o Governo o Estado Social com uma medida que, na melhor das hipóteses, faria sobreviver apenas 25 por cento do mesmo, que é o peso das despesas com pensões da Segurança Social (estão daqui excluídas as despesas com a Educação, a Saúde, a ADSE, a Caixa Geral de Aposentações e as restantes despesas da Segurança Social, além das pensões); b) como, quando e com que efeitos se inverterá o ritmo de crescimento dos gastos com pensões, que registou uma taxa anual média de 8,7 por cento (para 5,7 do PIB), entre 1995 e 2005; c) como garantirá fontes de financiamento tributário global para a Saúde, transferências para a Segurança Social e para a Caixa Geral de Aposentações, que absorviam 36 por cento das receitas fiscais do Estado em 1995 e 60 por cento em 2005; d) quais os efeitos esperados do projectado regime sobre as "despesas correntes primárias", que correspondiam a 100 por cento das receitas tributárias em 1995, a 112 em 2005 e que corresponderão, eventualmente, a 125 em 2015.