segunda-feira, maio 22, 2006

Habituem-se...


Sim, habituem-se à ideia que a Europa vai ter mais um país, o Estado Independente do Montenegro, colocado que está um ponto final na República Federal da Jugoslávia!

A decisão tangencial da maioria dos
montenegrinos encerra um dos últimos capítulos da tragédia que foi destruindo em lume brando a Jugoslávia desde 1991, contribui para acabar com um foco de instabilidade em plena Europa e reforça o papel da democracia nos países do antigo Bloco de Leste, apesar de Josip Bros Tito (também ele um natural do Montenegro) ter mantido grande distância de Estaline e dos seus sucessores...

Depois da história de sucesso da Eslovénia, os restantes estados que integravam a Jugoslávia também já manifestaram a intenção de integrar a União Europeia. A Croácia espera aderir até 2009, mas a Sérvia, o
Montenegro, a Bósnia-Herzegovina e a Macedónia poderão ter de esperar mais do que gostariam. Contudo, são passos essenciais para garantir a defesa dos direitos humanos e uma cultura de paz nos Balcãs!

2 comentários:

Anónimo disse...

UM PORTUGAL QUE ACABOU

E AINDA OUTRAS EVIDÊNCIAS


Para quem aqui vive todo o tempo, não há nada como sair de Lisboa, mesmo que isso implique ficar uns tempos longe das companhias do Snob (o ARF, o Jorge e outros que me desculpem). Uns raids por terras do estado espanhol (estava eu numa Galiza em plena febre do "estatuto" quando aquele infeliz do ministro Lino decidiu confessar-se e revelar aos galegos ser ele o que os galegos não querem ser...) e várias incursões pelo Portugal profundo, tudo nas últimas semanas, e volto a esta antiga capital do Atlântico com duas descobertas: em Espanha, está a nascer uma coisa nova ( "entramos na Jugoslávia", disse-me um funcionário de um parador do Bierzo...) e, em Portugal, há um país que acabou!

"La crise est, par definition, um moment transitoire entre deux moments de stabilité", explica Alain Mergier, um sociológo do Institut Wei ( L'institut WEI est spécialisée dans l'analyse des processus de formation des attitudes et des opinions.)... Neste nosso caso (quando prolongamos artificial, irresponsável e indecentemente o momento de estabilidade pré-crise...), a grande incógnita é saber o que será o momento de estabilidade pós-crise...

Há um país que acabou. Esta é a certeza, a evidência que se mete pelos olhos dentro. A grande dúvida: ressurgirá ou desaparece ?

Porque não estamos sós no universo, atente-se no contexto. No pós-queda do muro de Berlim todo o mundo começou a mexer. Primeiro, mais lentamente mas sempre ganhando aceleração até, mais recentemente, embalar vertiginosamente. Quer dizer, "escolhemos" assumir a nossa crise quando todo o contexto global está em mutação acelerada (ou seja, em crise, se quiserem...). Mais prudente e inteligente foi o socialista Felipe Gonzalez que na década de oitenta, com mão de mestre, procedeu ao despoletar da crise de modernização das estruturas socio-económicas de Espanha, enquanto Lisboa, adoptando políticas económicas dignas de conservador de museu a adiava... até agora!

Agora, como está então o contexto? O contexto imediato (o "estrangeiro próximo", como diriam Mário Lino e Pina Moura na linguagem soviética) está, como se referiu, a ver que coisa nova sai dos "estatutos" (catalão, andaluz, galego...) e das conversações com a Eta de Josu Ternera...

A "Europa" está à beira de adquirir um imprevisto 26º membro. O Montenegro. E há já quem diga que a inclusão de novos membros a este ritmo vai implodir a "Europa". Ou seja, o continente político desenhado mostra-se incapaz de integrar os conteúdos... Aquela "Europa" pré-queda do muro, garantida pela defesa americana (e caracterizada pela posição alemã de "manda quem tem o dinheiro", pela posição francesa de "manda quem tem a bomba" e pela voz inglesa, assumida no discurso de Brugges, de "mas não podem fazer nada contra quem tem una linha directa com Washington"...), essa "Europa" (que para Mário Soares, Cavaco Silva e António Guterres foi uma verdadeira Santa Casa da Misericórdia...) acabou.

Globalmente, surgem novos protagonistas - China, India, Brasil... - enquanto a Russia redesenha o seu papel (usando por exemplo a energia como arma)... E tudo isto nos diz que o velho xadrez se está a alterar e... muito!

Não sabemos bem, portanto, em que novo mundo o país que acabou poderá ressurgir ou desaparecer... E isto exige (ou exigiria...) políticos capazes de mais do que declarações infelizes, em momentos e locais muito inapropriados. Há-os...?

Anónimo disse...

O fim da Jugoslávia

por Nuno Severiano Teixeira (ex-ministro da Administração Interna e professor universitário), in DN, 2006.05.27

O Montenegro votou pela independência. No referendo de 21 de Maio os montenegrinos votaram de forma maciça e, politicamente, expressiva. A participação eleitoral ultrapassou os 86%. E destes votaram favoravelmente mais de 55%, o mínimo exigido pela UE para o reconhecimento internacional do novo Estado. O Montenegro será a partir de agora, simultânea e paradoxalmente, o mais antigo e o mais novo Estado dos Balcãs. Manteve a soberania durante séculos de ocupação otomana e só desapareceu como nação independente, no final da Primeira Guerra. Em 1918, a ruína dos impérios Austro-Húngaro e Otomano deu origem à Jugoslávia, que Tito manteve depois da Segunda Guerra. Dentro da Jugoslávia, o Montenegro perdeu a soberania política e viu diluída a identidade nacional, sob a influência dominante da Sérvia. Depois de Tito, a federação não resistiu às derivas nacionalistas pós-Guerra Fria. No início da década de 90, com mais ou menos sangue, todas as repúblicas foram acedendo à independência: a Eslovénia, a Croácia, a Bósnia-Herzegovina. Só a Macedónia conseguiu um processo pacífico. Faltava o Montenegro.

Desde 1997 que tinha quebrado os laços com o regime de Milosevic. Estabeleceu instituições políticas e administrativas próprias e começou a desenvolver uma posição pró-europeia e uma plataforma pró-independência. A queda de Milosevic parecia o momento certo para esse passo, mas a UE recuou. Teve medo que o resultado fosse negativo, ou, pelo contrário, que, sendo positivo, tivesse efeitos colaterais no Kosovo. De todo o modo, quis assegurar a cooperação de Belgrado e empurrou o Montenegro para esta solução que durava desde 2003: o Estado conjunto Sérvia-Montenegro. Foi o último avatar da Jugoslávia que agora chegou ao fim. Foram três anos de um casamento infeliz que terminou em divórcio. Mas os tempos agora são outros. Não haverá mais violência e dizem os especialistas que o divórcio será amigável. A juventude do Montenegro continuará a ir para a Universidade em Belgrado e a classe média sérvia continuará a ir a banhos para as águas cálidas da costa adriática do Montenegro. Mas o fim da Jugoslávia não se fará sem consequências. No plano regional e no plano europeu. A separação dos dois Estados permitirá que ambos se libertem dos diferendos entre eles e que, partir de agora, cada um se empenhe nas reformas internas e no difícil processo de aproximação à construção europeia.

Independente, o Montenegro não será mais prisioneiro de Belgrado e do seu isolamento internacional provocado pela inabilidade na gestão do problema dos criminosos de guerra. Poderá acelerar as reformas institucionais, o de-senvolvimento económico e a política pró-europeia. Também o Kosovo não ficará imune ao fim da Jugoslávia. Até ao fim do ano, a província sérvia de maioria albanesa, transitoriamente sob administração da ONU, deverá resolver a questão do seu estatuto final. É certo que a coisa é diferente. Mas depois da independência do Montenegro a margem de manobra para uma solução outra que não a independência parece substancialmente reduzida.

Sérvia, Montenegro e, quem sabe, Kosovo independentes poderiam criar as bases para Estados credíveis nos Balcãs. Com legitimidade nacional e reconhecimento internacional, o que mudaria por completo o papel da comunidade internacional e em particular da UE. Era tempo de fechar o ciclo do peace keeping e do state building e de abrir o do investimento económico e da integração institucional.

Até agora a UE foi a "âncora" de todo o processo. Factor de democratização política, reconstrução económica e estabilidade internacional. A política de alargamento foi um sucesso na Europa central e de leste. E, por maioria de razão, sê-lo-ia também nos Balcãs. 2005 foi um ano favorável: a Croácia abriu as negociações de adesão; a Macedónia foi aceite como candidato; e a Sérvia e o Montenegro abriram negociações para um acordo de estabilização e associação. Mas em 2006 tudo mudou. Os tempos estão difíceis e a UE sofre da "fadiga do alargamento". A braços com a Turquia e sem Tratado Constitucional, a Europa sabe que não pode alargar indefinidamente sem reformar as instituições.

Com excepção da Croácia, mais nenhum Estado balcânico entrará na UE antes de 2014. A pausa é precisa, mas pode ter efeitos perversos. Sem pressão externa nem objectivos calendarizados de reforma, os países balcânicos podem cair na tentação de outras derivas. É por isso que, apesar da "fadiga do alargamento", é preciso que a UE dê um sinal de esperança para os Balcãs.