segunda-feira, dezembro 15, 2003

Uma oportunidade perdida...


(Publicado na edição de 23 de Outubro de 2003 do jornal BARLAVENTO)


Que fique bem clara desde o primeiro minuto a minha impressão sobre a proposta de Orçamento de Estado de 2004 (OE’2004): traduz-se numa redução do investimento público, contribui para o aumento do desemprego, é fiscalmente injusto e potencia as desigualdades sociais!

Contudo, uma leitura atenta do PIDDAC, esse famoso relambório de obras e projectos que vai angariando uma fama duvidosa, mostra-nos uma outra faceta. A programação anual encobre um conjunto de prendas para os amigos da coligação governamental, garantindo-lhes a execução das grandes obras até ao final de 2005, ou seja, até às eleições para os órgãos das autarquias locais...

Por outro, parece que as pressões do Poder Local, geralmente lideradas pelos autarcas socialistas da Grande Lisboa e secundadas pelos seus dirigentes associativos, também fizeram com que Manuela Ferreira Leite percebesse que Portugal não poderia continuar a desperdiçar os fundos provenientes das comparticipações comunitárias para os projectos das autarquias e, vai daí, o OE’2004 prevê o alargamento do recurso ao crédito em condições específicas.

De facto, a meio do período de vigência do 3.º Quadro Comunitário de Apoio, o grau de execução da despesa pública prevista quedava-se pelos 31%, com a agravante do nosso País ter absorvido apenas 30,7% dos fundos comunitários disponibilizados pela União Europeia. Estas taxas são um motivo de preocupação pelas consequências que acarretam!

Infelizmente, os portugueses estão mais preocupados com outras coisas, talvez lançadas para a praça pública com esse objectivo concreto. Infelizmente, a classe política também não quer, ou não consegue, mudar o rumo e as atenções...

Por outro lado, quer nas Grandes Opções do Plano, que precederam o OE’2004, quer no PIDDAC, é difícil descortinar os objectivos e uma estratégia desenvolvimento regional e a quebra de investimento público nos sectores da educação, ciência e ensino superior, equipamento social, justiça, saúde, segurança social e trabalho acentua os atrasos estruturais de Portugal e dificulta a retoma da economia nacional.

O OE’2004 padece de outro vício relevante. Os objectivos de política económica e social são bem claros – aumento da competitividade nacional e do bem estar dos portugueses, num quadro de estabilidade das finanças públicas – mas não se encontram quaisquer objectivos intermédios que permitam uma avaliação concreta.

O Governo esqueceu-se de estabelecer aquilo que pretende alcançar em termos de criação de emprego, modernização da Administração Pública (excepto em relação ao número de funcionários que pretende reduzir!!!), combate à pobreza e á exclusão social, correcção das assimetrias regionais e outras variáveis que tornaria a proposta mais credível e sustentável.

No OE’2004, é claro que os números estão em primeiro lugar. As questões económicas prevalecem sobre as questões sociais, a qualificação dos portugueses e a justiça social e a garantia da igualdade de oportunidades são secundarizadas em relação à consolidação das contas públicas. Parece que os discípulos esqueceram-se das lições do Professor!

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