quinta-feira, fevereiro 02, 2006

O senhor Microsoft passou por aqui...


Apesar de alguns velhos do Restelo quererem minimizar e questionar a presença de Bill Gates em Portugal, os jornais de hoje estão repletos de notícias e artigos de opinião sobre dois dias que vão fazer diferença... no futuro!

Por isso, recomendo-vos uma leitura dos textos do
Diário de Notícias ou a opinião de Luísa Bessa no Jornal de Negócios, pode ser que se aprenda alguma coisa...

Muitos daqueles que escrevem por aqui nem sabem que esta visita começou a ser preparada há mais de cinco anos, ainda no consulado de António Guterres. Portugal procurava aproveitar o entusiasmo das gerações mais novas e recuperar terreno em relação aos países mais evoluídos tecnologicamente. Com o 11 de Setembro e com as questões da tanga, todos os esforços ficaram pelo caminho!!!

2 comentários:

Anónimo disse...

A reforma da Administração Pública

Glória Rebelo in Jornal de Negócios, 2006-02-06

É preciso ter a consciência de que a reforma da Administração Pública, é extremamente urgente porque uma sociedade complexa e dinâmica como a actual necessita de uma Administração Pública inteligente, rápida e flexível.

Ainda a propósito da vinda de Bill Gates a Portugal para o Microsoft Government Leaders Forum 2006 e da iniciativa-debate promovida pelo governo, há uma semana, sobre o papel das tecnologias de comunicação no sector público inseridas numa «estratégia global de e-government», gostaria de deixar aqui algumas notas sobre a reforma que se encontra em curso.

À semelhança do que tem acontecido noutros países europeus, a reforma da Administração Pública tem constituído, ao longo dos últimos anos, um tema central no debate político português. Vários foram os estudos anteriormente feitos que, por uma razão ou por outra, ou não chegaram sequer a ser implementados, ou não mostraram resultados. Mas está na altura de mudar. É preciso ter a consciência de que a reforma da Administração Pública, sendo fundamental para a sustentabilidade do modelo social e para a competitividade da economia portuguesa, é extremamente urgente porque uma sociedade complexa e dinâmica como a actual necessita de uma Administração Pública inteligente, rápida e flexível. Aliás, e na linha de algumas medidas recentemente adoptadas, é preciso prosseguir no sentido da informatização e de uma maior simplificação/desburocratização e descentralização administrativa.

Num fórum onde se falou de competitividade através da inovação, enfatizou-se a necessidade de reforçar as funções do Estado que dizem sobretudo respeito à Sociedade de Informação. E, no que se refere à sociedade de informação, importa não esquecer o estimulante debate sobre a sociedade em rede. Actualmente, são as redes – ou seja os conjuntos de ligações instantâneas – que permitem o estabelecimento de fluxos de informação e conhecimento que marcam as grandes mutações socio-económicas.

Ora, quando se associa a temática do emprego à da sociedade da informação, a questão fundamental respeita a saber como gerir de forma flexível e dinâmica o trabalho no sector público. Também neste sector não será possível ignorar o papel preponderante das tecnologias da informação e comunicação, dos serviços electrónicos, da investigação e da inovação, do trabalho digital, da formação e do desenvolvimento de competências dos recursos humanos.
No que respeita aos recursos humanos, em particular, parece-me fundamental que as partes envolvidas nesta reforma compreendam as vantagens de um modelo de GRH assente nas premissas da Gestão pela Competência. Através deste modelo valoriza-se o «lado humano da organização» e promove-se o necessário (e, na maioria dos casos, difícil) envolvimento dos trabalhadores no processo de mudança. Esta proposta de gestão repousa num conjunto de práticas conformes às medidas de flexibilidade qualitativa, as únicas que verdadeiramente promovem o exercício da competência e da responsabilidade nas organizações. Acresce que, através deste modelo de gestão – e com o intuito de procurar um bom funcionamento dos serviços – é também possível flexibilizar as estruturas, envolver os funcionários nos objectivos estratégicos da organização, valorizar o desenvolvimento das suas competências e responsabilizá-los pelos resultados. Ao nível das estruturas será desejável – contrariando o movimento dos que procuram manter o actual imobilismo – afectar funcionários a áreas onde haja maior necessidade (sabendo-se que há domínios onde há mais necessidade do que outros) ou, diagnosticadas situações de excedente de funcionários, reduzir o número dos que estão ao serviço (por exemplo, através do recurso a um quadro de supranumerários).

A Lei nº 10/2004, de 22 de Março, que cria o sistema integrado de avaliação do desempenho na Administração Pública (SIADAP), a Resolução do Conselho de Ministros nº 53/2004, de 21 de Abril, que estabelece a melhoria da qualidade dos serviços prestados com base na gestão por objectivos, e o Decreto Regulamentar nº 19-A/ 2004, de 14 de Maio, que institui um modelo de avaliação para a função pública, promoveram a revisão da avaliação dos recursos humanos na gestão pública, baseada em regras de motivação e de formação profissional permanente e orientada, sobretudo, por uma lógica de Gestão por Objectivos. Mas, em meu entendimento, e porque uma reforma eficaz da Administração Pública deve pautar-se, acima de tudo, pela valorização e pela mobilização das competências dos seus funcionários (com a consequente construção estratégica de organizações qualificantes), o actual modelo de avaliação da Administração Pública, assente numa lógica de Gestão por Objectivos, deverá ser revisto e complementado por uma lógica de Gestão pela Competência, mediante a qual é necessário avaliar as necessidades orgânicas em termos de competências, para assim planear de forma eficaz a aquisição e a evolução das competências dos recursos humanos.
A adopção deste tipo de proposta, porque repousa num conjunto de práticas de flexibilidade qualitativa, parece-nos fundamental para uma reforma bem sucedida na Administração Pública, pois restringir a actual reforma à mera redução de efectivos terá não só custos humanos mas também custos financeiros significativos: as revogações dos actuais contratos podem retirar milhares de milhões de euros aos cofres do Estado, sem apresentar a necessária contrapartida em eficácia.

Anónimo disse...

Relocalizações

por Teodora Cardoso, in Jornal de Negócios, 2006.02.07

Enquanto tanta opinião em Portugal ridicularizar o «provincianismo» da recepção a Bill Gates, ao mesmo tempo que incensa os heróis do futebol, não admira que permaneçamos na América Latina.
Portugal entrou numa fase de reformas profundas que são indispensáveis para o tornar num país europeu e moderno, capaz de alcançar um grau de solidariedade social que foi, até agora, mais retórica que real, mas também de competir a nível mundial e de fazer crescer a sua economia. Essas reformas são tanto mais essenciais quanto Portugal é o único país europeu que se caracteriza por valores latino-americanos. Estes revelam-se claramente, na nossa experiência diária, pelo contraste entre a enorme desigualdade social efectivamente tolerada e a retórica em favor da igualdade e da eliminação dos privilégios. A nível mais científico, ressaltam também do World Values Survey (http://www.worldvaluessurvey.org/), um inquérito internacional que vem sendo realizado desde os anos 80 e cujos resultados, sintetizados pelo seu coordenador, Ronald Ingelhart, num mapa mundial dos valores, colocam Portugal na América Latina, sendo o único país europeu em tal posição.

São muitos os factores que explicam esta situação, começando pela desigualdade à partida dos níveis de rendimento e de educação e terminando na falta de confiança nos «políticos». Esta é, aliás, entendida de uma forma profundamente assimétrica, que tudo consente aos políticos próximos e tudo espera dos demagogos, mas que é profundamente céptica relativamente a medidas racionais que, para distribuir benefícios, são igualmente obrigadas a avaliar resultados e a atribuir responsabilidades. É essa atitude que permite a manutenção – quando não o aprofundamento – da iniquidade social e que gera o temor das reformas, rapidamente alimentado por aqueles a quem a avaliação correcta de resultados mais ameaça.

O que de facto distingue um governo e uma administração «modernos» de um governo e de uma administração «tradicionais» é a flexibilidade e a capacidade de inovação, de avaliação de resultados e de definição de um quadro de responsabilidades assente nesses princípios. Este é um modelo mais instável e, pelo menos inicialmente, de mais difícil apreensão por quem está habituado à rigidez e à incapacidade de adaptação do modelo tradicional. Quando, além disso, a complexidade e a exigência de flexibilidade são acentuadas por condicionantes externas, torna-se fácil explorar a desconfiança nos políticos e a exigência de resultados imediatos para criar um clima popular de resistência às reformas que apenas redunda em prejuízo dos mais desfavorecidos. É por isso que a América Latina, com os seus enormes recursos humanos e naturais, continua tão longe de explorar o seu potencial económico e tão marcada por desigualdades sociais que inevitavelmente levam à instabilidade política e às vagas de populismo, como aquela que agora de novo se desenha.

Portugal precisa urgentemente de se relocalizar mais a «norte» no mapa de Ingelhart. O conjunto de reformas que o governo tem vindo a lançar apontam nessa direcção. A orientação geral consiste em passar de uma gestão com base em regras e processos para uma gestão de tipo contratual, o que tem como complemento inevitável substituir a responsabilização assente nos procedimentos formais pela avaliação assente nos resultados. Isto começa a ser claro, por exemplo, no sector da saúde, mas estende-se a muitos outros.

É claro que se trata de uma orientação que supõe um maior grau de descentralização, mas simultaneamente uma superior capacidade de controlo, tanto dos meios atribuídos a cada finalidade, como dos resultados de facto obtidos. Por isso, os seus grandes beneficiários são os utilizadores dos serviços, que não poderiam contar com o aumento indefinido dos recursos, pela simples razão de que o país não seria capaz de os gerar, nem de obter ajudas para os sustentar. Daí o absurdo das críticas ao «economicismo» das medidas que propõem aumentar a eficiência, tando dos serviços públicos como das actividades privadas. Os que se queixam de «economicismo» não se abstêm de exigir que a economia seja suficientemente eficiente para proporcionar os meios que permitam, a alguns sectores, prescindir de qualquer preocupação de eficácia.

A mudança em curso corresponde, no entanto, a uma alteração muito profunda das regras do jogo social e político, que vai afectar não só interesses organizados, como maneiras de pensar profundamente arreigadas, muitas vezes bem intencionadas, mas que descolaram de uma realidade que, quer queiramos, quer não, evolui à nossa volta. Nessa evolução tem um lugar primordial o desenvolvimento científico e tecnológico, cujas ramificações se estendem actualmente a todos os ramos e níveis de actividade. Portugal atrasou-se nessa área e tem que recuperar esse atraso, não propriamente a nível de minorias que sempre conseguem evoluir, mas como um ambicioso projecto nacional de requalificação aberto a toda a população. O cinismo de muitos comunicadores a propósito do Plano Tecnológico é, por isso, lamentável. Enquanto tanta opinião em Portugal ridicularizar o «provincianismo» da recepção a Bill Gates, ao mesmo tempo que incensa os heróis do futebol, não admira que permaneçamos na América Latina.