quarta-feira, fevereiro 15, 2006

Até este já percebeu...


No meio das declarações equívocas que se vão fazendo no nosso País, o Parlamento Europeu defendeu hoje a liberdade de imprensa e o respeito pelas crenças religiosas...

Um debate no qual Durão Barroso fez questão de participar, após ter
apoiado ontem a posição da Dinamarca na polémica das caricaturas do profeta Maomé, numa entrevista publicada no Jyllands Posten, onde afirmou que «a liberdade de expressão não pode ser comprometida»...

Até ele já percebeu aquilo que está em jogo...

PS - José Sócrates
quebrou hoje o silêncio. Significativo!

1 comentário:

Anónimo disse...

GRANADA não enfrentou os Reis Católicos por razões de fé ou de religião. Pelo contrário, na corte de Boabdil conviviam muçulmanos, cristãos e judeus, e dessa convivência se fez a que era então, talvez, a mais brilhante civilização do seu tempo, no domínio da arquitectura, da física, da medicina, da matemática, da astrologia. Mas Granada foi sitiada e conquistada por isso mesmo e também pelo território e pela beleza demasiadamente humana do Alhambra. Quando Granada caiu e a reconquista cristã se impôs então a toda a Península, os dois reinos católicos, Portugal e Espanha, partiram à conquista do mundo e tornaram-se Impérios marítimos, do Novo Mundo e África ao extremo da Ásia. Inversamente, quando os vencidos de Granada se retiraram para lá do Estreito, de onde tinham vindo séculos antes, nunca mais a civilização árabe e muçulmana recuperou sombra sequer do seu antigo esplendor e liderança. Por isso é que o ano de 1492 (também o da descoberta da América, por Colombo) é um marco da história universal e um símbolo de derrota e descalabro que nunca mais foi esquecido e ultrapassado pelos crentes muçulmanos.
Por mais inverosímil que nos possa parecer, mais de cinco séculos passados e quase quarenta anos depois do homem ter ido à lua, estamos perante uma nova guerra religiosa global, que é também uma guerra de civilizações. Quem disser que ela não existe, ou é ignorante ou diplomata - em qualquer dos casos, perigoso para os tempos que correm. Estamos perante uma espécie de Cruzadas ao contrário, que o Islão lançou contra os «não crentes» - sejam judeus, cristãos ou ateus. As Twin Towers, o metro de Londres, a estação de Atocha em Madrid ou a histeria lançada contra os cartonistas dinamarqueses e contra a Dinamarca, são formas modernas de cruzadas travadas em nome de Alá (o Misericordioso...) contra os valores em que nós, no Ocidente, acreditamos. Cinco séculos passados, o Islão tira a sua desforra de Granada, através das suas duas únicas e demolidoras armas: o petróleo e o terror.
Sim, eu sei: não é - julga-se - todo o Islão. Mas é o que conta, o que lidera os crentes, o que se escuta na rua e nos jornais, o que doutrina os terroristas, o que prepara a arma nuclear. Em todo o mundo muçulmano houve apenas um jornal, na Jordânia, que ousou escrever que pior que as caricaturas «blasfemas» para o Islão eram os terroristas blasfemos. Mas no dia seguinte o jornal pediu desculpas pelo que escrevera e o director foi despedido. É verdade também que a rua é incendiada a mando da Síria, do Irão ou da Al-Qaeda, e que há sempre uns palestinianos desocupados para dispararem rajadas de metralhadora para o ar com cara feroz e multidões em estado de histeria induzida, para queimar Embaixadas e bandeiras e ameaçar de morte todos os ocidentais à vista. É possível até que o grosso dos muçulmanos não pense assim, que não acredite numa leitura literal e medieval do Corão e que não se reveja na intolerância nem no terror em nome de Deus que o clero radical ensina nas escolas corânicas e prega nas mesquitas. Mas, se assim é, não os escutamos porque eles têm medo: o terror começa dentro dos seus próprios países e sociedades.
O medo é a outra face de uma moeda chamada liberdade. Onde não há liberdade, há medo; onde há medo, não há liberdade. É justamente isso que hoje nos distingue do Islão: nós temos a liberdade, eles têm o medo - como sistema endémico de vida e como arma de arremesso contra «os infiéis». Pelo medo, eles conservam as suas ditaduras, oligárquicas ou teocráticas, e os seus modelos de sociedade onde não existe igualdade de direitos, liberdade de pensamento e de criação, liberdade religiosa, protecção contra os abusos do poder. Hoje, ao contrário do que sucedia em 1492, não conhecemos, em todo o mundo árabe, o nome de um cientista, músico, arquitecto, cineasta, explorador, atleta, enfim, alguém que faça sonhar ou avançar a humanidade. O mais que conhecemos são nomes de xeques milionários e fúteis, ditadores, pregadores do ódio ou terroristas. Os herdeiros da outrora brilhante civilização de Granada nada mais parecem ter para oferecer hoje do que a propaganda do ódio, da intolerância e do terror. É de novo o mesmo sinistro grito da Espanha católica fundamentalista e franquista: «viva la muerte!».
E é pelo medo, também, que eles esperam ganhar esta batalha contra o Ocidente, destruindo o nosso amor à liberdade. Esperam que, aos poucos, sejamos obrigados a chegar ao ponto crucial em que a escolha terá de ser entre a vida ou o nosso modo de vida - a liberdade, a democracia, a tolerância. Sem que isso possa representar qualquer desculpa para os autores materiais, as escutas telefónicas indiscriminadas, as prisões preventivas sem advogado, os interrogatórios secretos em prisões clandestinas, as leis de excepção, a tortura e Guantánamo, tudo isso, tem a autoria moral dos radicais islâmicos e obedece a um plano concertado de implosão das democracias. É preciso ser muito forte, é preciso perceber, como em 1939, que a liberdade é o mais absoluto dos nossos bens e o maior valor da nossa cultura e modo de vida, para ser capaz de lhes resistir. Mas é essencial resistir, porque a alternativa é o regresso à Idade Média e à barbárie. É por isso que o gesto dos Comuns, rejeitando a legislação de segurança interna proposta por Tony Blair, porque ela violava direitos e princípios em que se funda a democracia inglesa, é, apesar das consequências daí resultantes, o sinal de uma grande nação que não se rende nem ajoelha.
Infelizmente, não foi o nosso caso. Pela mão do ministro Freitas do Amaral, e sem necessidade alguma, Portugal foi enxovalhado, coberto de vergonha e de cobardia, por um dos mais tristes textos políticos que já alguém escreveu. Devo dizer que não me espanta por aí além: a nossa «diplomacia» não tem feito mais nada nos últimos 25 anos que não rastejar perante os poderosos, em cada cena e em cada tempo: Angola, Indonésia (com a notável excepção de Guterres e Sampaio), Estados Unidos e, agora, perante os países islâmicos. Um país tão pequeno e tão indiferente quanto o nosso, só pode ter dois tipos de diplomacia: ou a do «cocktail» e pastel de bacalhau, sem nenhuma pretensão de ter posições próprias; ou então, ter um mínimo de posições decentes, em ocasiões especiais e se alguém estiver a escutar. Mas de há muito que escolhemos uma terceira via: a de, de vez em quando, termos umas posições indecentes, que, valha-nos isso, ninguém leva em conta e a ninguém já espanta. À atenção dos dinamarqueses, convém, todavia, esclarecer que seguramente o ministro Freitas do Amaral se representou apenas a si próprio.

Miguel Sousa Tavares, in EXPRESSO, 2005.02.11