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domingo, novembro 13, 2005
A governação da Internet
Nos próximos dias, a capital da Tunísia recebe a segunda fase da Cimeira Mundial da Sociedade de Informação (SMSI), uma iniciativa da ONU onde os Estados deviam colocar-se de acordo sobre o futuro da Internet, tanto nos domínios técnicos como jurídicos.
De 16 a 18 de Novembro, com os grandes princípios básicos já discutidos em Genéve, vão ser acertadas as posições dos membros da ONU sobre a regulação da Rede a nivel mundial.
No primeiro encontro, em Dezembro de 2003, foi assumido um compromisso comum de construir a Sociedade de Información centrada nas pessoas, integradora e orientada para o desenvolvimento, onde todos possam criar, consultar, utilizar e partilhar a informação e o conhecimento, para que as pessoas, as comunidades e os povos possam empregar plenamente as suas possibilidades na promoção do desenvolvimento sustentável e na melhoria da sua qualidade de vida.
Contudo, apesar das boas intenções do Secretário-Geral da ONU, os Repórteres Sem Fronteiras não se cansam de divulgar casos que deixam algumas dúvidas sobre o respeito pelos Direitos Humanos e pela generalização de princípios basilares como a Liberdade de Informação em muitas nações. A ver vamos...
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A ONU e a Internet
por Kofi A. Annan
O principal objectivo da Cimeira Mundial sobre a Sociedade da Informação, que se celebrará este mês em Tunes, é garantir que os países pobres possam aproveitar ao máximo os benefícios que as novas tecnologias da informação e comunicação, nomeadamente a Internet, podem trazer ao desenvolvimento económico e social. No entanto, à medida que a Cimeira se aproxima, as ideias erradas acerca dela multiplicam-se.
Uma ideia errada, que ultimamente se ouve com uma frequência alarmante, é que a ONU quer "apropriar-se" da Internet, quer vigiá-la ou controlá-la de algum modo. Nada podia estar mais longe da verdade. A ONU não está a urdir um plano de conquista da Internet; pretende apenas que tenha um alcance mundial. É esse objectivo que está no centro da Cimeira deste mês.
Cabe esperar que a protecção da Internet suscite reacções veementes. Durante a sua curta existência, a Internet tornou-se um factor de mudanças espectaculares, mesmo revolucionárias, em domínios que vão da saúde à política, passando pela educação e o jornalismo. Nas actividades das Nações Unidas em prol do desenvolvimento, pudemos apenas entrever alguns dos benefícios que oferece: às vítimas de catástrofes, um socorro mais rápido e coordenado; aos pobres que vivem em regiões remotas, informação médica que lhes pode salvar a vida; e às pessoas subjugadas por governos repressivos, acesso a informação sem censura e uma via para fazerem ouvir as suas queixas e pedirem ajuda.
A utilização da Internet para incitar ao terrorismo ou ajudar os terroristas, difundir pornografia, facilitar actividades ilegais ou glorificar o nazismo ou outras ideias abomináveis inspira também legítima preocupação. Mas censurar o ciberespaço, minar os seus fundamentos técnicos ou submetê-lo a um controlo governamental rigoroso significaria voltar as costas a um dos principais instrumentos de progresso dos nossos dias. Defender a Internet é defender a própria liberdade.
Até à data, certas funções da Internet, como o spam e a cibercriminalidade, foram governadas de uma maneira descoordenada e fragmentária, enquanto a infra-estrutura da Internet foi gerida de uma maneira oficiosa mas eficaz por diversas instituições, sob o impulso do sector privado, da sociedade civil, dos meios académicos e da comunidade técnica. Mas os países em desenvolvimento têm dificuldade em seguir todos estes processos e sentem-se excluídos da estrutura de governação da Internet.
Os Estados Unidos merecem a nossa gratidão por terem desenvolvido a Internet e a terem posto à disposição do planeta. Por razões que se prendem com a história da rede mundial, detêm a autoridade suprema sobre alguns dos recursos fundamentais da Internet e muitos entendem que essa autoridade deveria ser partilhada com a comunidade internacional. Os Estados Unidos, que têm exercido as suas responsibilidades de controlo de uma maneira equitativa e íntegra, reconhecem que as preocupações dos outros governos em matéria de política pública e de soberania são legítimas e que é preciso prosseguir os esforços no sentido de encontrar meios de internacionalizar mais os mecanismos de governação. Se a mudança é necessária, não é porque o passado ou o presente o exijam, mas sim em função do futuro, um futuro em que o crescimento da Internet nos países em desenvolvimento será verdadeiramente espectacular.
Assistimos hoje a um diálogo entre duas culturas diferentes: a da comunidade não governamental da Internet, na qual as decisões são tomadas na base e de modo informal e participativo, e a do mundo mais rígido e estruturado dos governos e das organizações intergovernamentais. A Internet reveste-se hoje de uma tal importância para a economia e a administração de quase todos os países que seria ingénuo esperar que os governos não manifestassem interesse por ela, sobretudo porque a sua utilização para fins de serviço público se generalizará em domínios como a educação e a saúde. Os governos devem procurar definir políticas bem concebidas sobre a Internet e ser capazes de coordenar as iniciativas entre eles e a comunidade da Internet.
Mas não podem fixar as regras sozinhos; devem aprender a colaborar com outras partes interessadas não-estatais, que têm desempenhado um papel fundamental na evolução e coordenação da Internet e que continuarão a ser o motor da sua expansão e da sua inovação.
Na Cimeira anterior, que teve lugar há dois anos, em Genebra, o debate sobre a governação da Internet chegou a um impasse. Para o relançar e a pedido dos Estados-membros da ONU, constituí um Grupo de Trabalho sobre Governação da Internet. Este apresentou as suas conclusões num relatório que reflecte as opiniões dos seus membros e não as das Nações Unidas. Propôs a criação de um novo espaço de diálogo, uma instância sem poder de decisão mas onde os parceiros pudessem trocar informações e recomendações sobre as melhores soluções e analisar em conjunto questões delicadas.
No que se refere aos futuros mecanismos de controlo, o Grupo de Trabalho propôs várias fórmulas que prevêem diversos graus de participação dos governos e diferentes formas de relação com as Nações Unidas, mas nenhuma diz que a Organização substitua os órgãos técnicos que asseguram actualmente o funcionamento da Internet nem propõe que se crie um novo organismo dentro das Nações Unidas. Algumas recomendam mesmo que as Nações Unidas se mantenham à margem. Todas partem do princípio de que a gestão quotidiana da rede mundial deveria caber às instuituições técnicas especializadas, sobretudo para a proteger da pressão da política. Estas e outras propostas estão a ser analisadas actualmente pelos Estados-membros da ONU.
Todos reconhecem a necessidade de fomentar a participação internacional no debate sobre a governação da Internet, mas existem divergências sobre os meios de o conseguir. Deixemos, pois, de lado os receios sobre os "desígnios" da ONU em relação à Internet. Por muito que alguns gostassem de encontrar um novo cavalo de batalha para atacar a ONU, é bom que saibam que esse cavalo não os levará longe. A Organização pretende apenas promover o diálogo e o consenso entre todas as partes interessadas e, em última instância, conseguir que todos beneficiem das vantagens da Internet.
Nas reuniões preparatórias da Cimeira, reafirmou-se o direito humano de "procurar obter, receber e difundir, sem limitações de fronteiras, informações e opiniões através de todos os meios de expressão". Convido todas as partes interessadas a irem a Tunes com a intenção de reduzir a info-exclusão, de construir uma sociedade de informação aberta e inclusiva que torne todos os povos mais ricos e mais autónomos e de transmitir ao século XXI o valioso presente que o século passado nos legou.
* Secretário-geral das Nações Unidas
A última palavra na Internet
É do interesse dos países que prezam a liberdade de expressão e a inovação tecnológica chegar a um compromisso que evite a «última palavra» unilateral dos Estados Unidos e alargue, sem governamentalizar, a gestão da Internet.
A polémica acerca do controlo técnico da Internet vai dominar a Cimeira Internacional sobre a Sociedade da Informação, que decorre até sexta-feira no cenário improvável e autoritário de Tunes, e ofuscar o objectivo de promoção do desenvolvimento das tecnologias de informação nos países em desenvolvimento.
A ligação à Internet de metade da população mundial até 2015, o incremento de serviços como a telemedicina, a divulgação da banda larga a baixo custo, o combate à criminalidade informática, são tópicos de interesse mais premente, mas estão subordinados à questão política da alegada hegemonia norte-americana.
Em 1998 o crescimento da rede, desenvolvida inicialmente nos Estados Unidos, obrigou à normalização do sistema de gestão até então garantido exclusivamente por um particular: o investigador Jonathan Postel, da Universidade da Califórnia do Sul. A Internet Corporation for Assigned Names and Numbers (ICANN) foi, assim, constituída como uma organização privada não-lucrativa. Sedeada em Marina del Rey, na Califórnia, cabe-lhe a coordenação dos nomes e domínios, dos endereços únicos, dos 13 servidores principais da rede (dez nos Estados Unidos e os restantes em Amesterdão, Estocolmo e Tóquio), além dos parâmetros técnicos que asseguram a estabilidade operacional do sistema.
O Departamento do Comércio dos Estados Unidos reafirmou, em Junho, que Washington manterá por tempo indeterminado a supervisão da ICANN que é gerida por um directório internacional de especialistas dos sectores empresariais, académicos e não-comerciais presidido pelo australiano Paul Twomey. Áreas sensíveis como regulamentação de transacções financeiras, protecção de dados e privacidade, spam, criminalidade informática ou exploração de jogos e apostas estão fora da supervisão do organismo.
A questão da «última palavra» reivindicada solitariamente por Washington em matéria de controlo da infra-estrutura técnica e da atribuição de nomes, domínios e endereços únicos é contestada pelos restantes estados que defendem diversas propostas no sentido da criação para o efeito de um organismo intergovernamental, agregando entidades não-oficiais, com sugestões de graus diversos de eventual tutela por parte da Organização das Nações Unidas.
A governamentalização da gestão de áreas até agora descentralizadas e pluralistas traz consigo a ameaça de controlo de segmentos significativos da rede que conta com mais de mil milhões de utentes (um sexto da população mundial) por estados autoritários ou ditatoriais, conforme têm demonstrado as restrições impostas na China, no Irão ou em Cuba. Na pior das alternativas talvez venham a ser criados sistemas autónomos com servidores principais que possibilitem ou limitem o acesso livre à rede existente. O actual modelo unificado de interligação pulverizar-se-á e poderão surgir organismos alternativos à ICANN. Alguns estados ditatoriais poderão isolar-se das redes principais de fluxo de informação, mas a maioria poderá optar pela adopção de parâmetros técnicos diferentes, mas compatíveis com o sistema de nomes, domínios e endereços existentes, no caso de se agravar o diferendo com os Estados Unidos.
Tal como a administração Clinton optou por um compromisso, evitando a burocratização e politização da Internet de forma a garantir a segurança e estabilidade da rede, a Washington republicana admite, presentemente, a discussão de formas de governação da rede a nível multilateral. É a salvaguarda que permitirá tentar evitar a pulverização do sistema. É do interesse dos países que prezam a liberdade de expressão e a inovação tecnológica chegar a um compromisso que evite a «última palavra» unilateral dos Estados Unidos e alargue, sem governamentalizar, a gestão da Internet.
As competências do ICANN (Internet Corporation for Assigned Names and Numbers), a entidade norte-americana que gere os domínios globais na Internet (.com ou .org), no âmbito da discussão em torno do excessivo papel dos Estados Unidos na governação da Internet e pela ligação desta entidade ao Departamento de Comércio norte-americano, foi um dos temas em destaque na segunda fase da Cimeira Mundial sobre a Sociedade da Informação. A iniciativa foi organizada pela ONU e decorreu na semana passada em Tunes (Tunísia).
Recorde-se que a primeira fase da Cimeira realizou-se em Dezembro de 2003, em Genebra (Suíça), onde se abordou, sobretudo, a forma como a sociedade da informação pode contribuir para melhorar as condições de vida nos países em vias de desenvolvimento.
Para esta segunda fase, em Tunes, foram criados grupos de trabalho, como o Working Group on Internet Governance (WGIG), que se tem preocupado com a questão da governação da Internet e a resposta à pergunta "quem manda na Internet?".
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