sexta-feira, abril 07, 2006

Os próximos passos


(Publicado na edição de 6 de Abril de 2006 no jornal POSTAL DO ALGARVE)

Aprovada em Conselho de Ministros e apresentada publicamente a primeira fase da reforma da administração central do Estado, aproveite-se a boleia para relançar a discussão sobre a regionalização…

Não podemos permitir que predomine eternamente uma visão centralista e centralizadora do Estado, que passa o tempo a olhar para o seu próprio umbigo, desvanecida com a conquista do Palácio de Belém e que condena o resto do País ao ostracismo e à desertificação.

Aprovados os objectivos, as linhas estratégicas de acção e o modelo de estruturas orgânicas dos ministérios, importa agora fazer a avaliação da reorganização dos serviços desconcentrados e, respeitando o princípio da subsidiariedade, consagrado no artigo 6.º da Constituição, identificar as competências que devem ser descentralizadas.

Quando já se fala da eleição dos órgãos das áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto, quando se procuram atenuar os efeitos da harmonização dos limites dos serviços desconcentrados, mantendo algumas estruturas distritais por esse país afora, é necessário demonstrar que há regiões naturais que não precisam de esperar nem mais um minuto!

Porque não aproveitar a homogeneidade e as especificidades do Algarve neste processo?! Porque não avançar com a criação de uma autarquia de âmbito regional, aproveitando a coincidência territorial da grande área metropolitana / associação de municípios com a generalidade dos serviços públicos agora oficializada?! Porque não proceder à eleição directa e universal dos seus órgãos de gestão em 2009 concretizando de facto essa denominação, dotando-a de poder próprio legitimado pelo voto popular?!

Até poderia ser a título experimental, para eliminar duplicações de funções e redundâncias, para esclarecer relacionamentos e descentralizar de facto. Consensualizado o modelo das cinco regiões e afastado o hipotético perigo de criação de regiões-lombriga, não se justifica hoje que se mantenha o princípio constitucional da criação simultânea das regiões, obrigando o Algarve a esperar a resolução de inúmeros conflitos e pequenas ambições locais decorrentes de século e meio de coabitação dos dezoito distritos.

Os próximos passos, pequenos e decisivos passos, podem ser dados no actual contexto jurídico-constitucional. Dependem do aprofundamento desta reflexão pelos actuais eleitos do povo na Assembleia da República, em necessária e construtiva cooperação com o Governo. Dependem da capacidade da sociedade civil da região, mostrando que sabe unir-se para alcançar os seus desígnios!

Será que alguém está recordado do movimento contra as portagens na Via do Infante, que superou fronteiras partidárias, envolvendo cidadãos, empresas e associações, dando o seu contributo para afastar do poder a aliança PSD / CDS?! Não é fácil, mas é possível, desde que não hajam aproveitamentos oportunistas nem tentativas individualistas de protagonismos doentios…

1 comentário:

Anónimo disse...

O fantasma das regiões

por Luís Costa, in Público, 2006.04.04

É espantoso, era inevitável e tornou-se previsível. Mal o Governo anunciou a intenção de finalmente concretizar uma das promessas inscritas no seu programa de acção, adequando a caótica, ineficiente e anacrónica divisão da administração central desconcentrada às fronteiras das cinco regiões-plano, logo despertou a demagogia que andava adormecida nas mais ferozes consciências centralistas deste pobre reino.

A acreditar nas notícias que circulam por aí, o caso mais paradigmático é de Manuela Ferreira Leite, essa grande ministra das Finanças que enterrou o défice das contas públicas sete palmos abaixo do chão (também já tinha sido uma grande ministra da Educação, convém não esquecer...).

Segundo ela, "a forma como o Governo está a conduzir este processo é politicamente inaceitável", porque alegadamente "querem tornar inútil o referendo e confrontar o país com um acto consumado".

É difícil de imaginar argumentação mais rasteira e básica, fazendo de conta que somos todos uns asnos, um rebanho de gente ignara e sem vontade própria, incapaz de destrinçar a mera desconcentração de serviços do Estado (que é o que está verdadeiramente em causa) da descentralização com autonomia política e legitimidade directa (que é a verdadeira essência de um qualquer processo de regionalização).

Justiça lhes seja feita, Marcelo Rebelo de Sousa e Medina Carreira tiveram reacções mais inteligentes, e por isso preferem defender a eventual aceleração de um novo referendo sobre a regionalização, para que os portugueses digam se concordam ou não com o modelo. Porque sabem que o referendo, quanto mais depressa se realizar, mais probabilidades confere de derrotar os intentos regionalistas...

É evidente, e até já tive a oportunidade de o escrever, que a racionalização da obtusa administração desconcentrada do Estado poderá contribuir para lançar os indispensáveis alicerces para uma futura e adequada regionalização do país, distante do mapa esotérico e condenado ao insucesso que nos foi proposto no referendo de 1998.

Todavia, esse efeito catalisador só acontecerá se essa reorganização for um sucesso, isto é, se os cidadãos interiorizarem que as novas fronteiras da administração do Estado melhoraram efectivamente o seu quotidiano, uma vez que ninguém gosta de decalcar modelos que não funcionam.

Para além de não ser plausível que tal suceda, pelo menos a curto prazo, como se pode compreender que haja alguém - mesmo o mais empedernido adversário da regionalização - que seja capaz de desejar o insucesso da reforma proposta pelo Governo só para travar os ímpetos descentralizadores? Que pugne, mesmo que não o assuma, pela manutenção de serviços que deveriam ter âmbito regional e funcionam num quadro distrital?

Que defenda a manutenção de estruturas cujo tipo de funções se adequam às cinco grandes regiões, mas que têm um âmbito aleatório? Que faça questão de insistir na manutenção de múltiplas orgânicas nos diferentes ministérios, assentes num vasto conjunto de serviços desconcentrados que obedecem a uma lógica administrativa e territorial própria, assim limitando a partilha de recursos e provocando ineficiência e despesismo?

E o que é isso de quererem "tornar inútil o referendo", como diz Manuela Ferreira Leite? Trata-se de uma afirmação que pressupõe que a utilidade do referendo é tanto maior quanto se garantir previamente a derrota da regionalização.

E é gente desta que tem lugar cativo no novo Conselho de Estado?