sexta-feira, abril 21, 2006

O 25 de Abril e o futuro da democracia


As comemorações do 32.º aniversário do 25 de Abril vão ser marcadas por uma reflexão, não apenas sobre um episódio que não devia ter sucedido, mas também sobre o rumo geral da nossa Democracia…

Na semana passada, a falta de quórum na Assembleia da República e o adiamento de um conjunto de votações motivaram um coro populista de protestos, questionaram a responsabilidade e a utilidade dos deputados e a gestão dos grupos parlamentares e dos partidos políticos.

Passada a onda das reacções mais epidérmicas, outras vozes mais avisadas procuraram ir ao fundo da questão, analisando as funções dos eleitos da Nação, o seu relacionamento com o eleitorado e a evolução da actividade político-partidária, dando continuidade a um debate que vem desenvolvendo-se na comunidade académica e em alguns fóruns internacionais. Esperam-se mais contributos na sessão comemorativa do 25 de Abril, quer dos grupos parlamentares, quer do próprio Presidente da República!

Noutros locais, depois de silenciados os partidos políticos, acabaram-se de vez as sessões evocativas de carácter mais interventivo, aproveitando-se o feriado e a festa para apresentar serviço e animar o povo. Infelizmente, perde-se uma oportunidade de aprofundar o debate sobre o estado das democracias locais, as motivações dos seus agentes e o relacionamento entre todos os actores da vida política local e regional.

Este ano, por exemplo, seria uma boa oportunidade para debater a utilidade do movimento associativo municipalista e a sua participação no processo de regionalização em curso da Administração Central do Estado, através do aprofundamento dos mecanismos de desconcentração administrativa e de harmonização das circunscrições administrativas.

Porque não aproveitar este momento para analisar o modo de funcionamento das estruturas político-partidárias, que atravessam um processo de definhamento e de descredibilização, parecendo incapazes de resistir à evolução da sociedade do lazer e de corresponder às exigências e expectativas dos cidadãos.

Apesar de se registarem algumas tentativas corajosas de inovação nos métodos de trabalho e nos processos de participação, certas atitudes e comportamentos menos próprios continuam a predominar para manter posições e pequenos poderes, não percebendo quem actua desta forma que caminha alegremente para o abismo…

A esperança proporcionada pelos partidos abertos é proporcionar um novo republicanismo cívico, que possa reconstruir ligações entre representantes e representados, evitando os erros das lideranças carismáticas e individualistas, ligadas aos grandes grupos económicos e assentes no culto da celebridade.

É tempo de festejar a Democracia e a Liberdade, mas também é tempo de dar um novo alento aos princípios e valores que fizeram Abril florir, colocando as instituições ao serviço dos cidadãos e da renovação do nosso Estado de Direito!

3 comentários:

Anónimo disse...

Dia da Terra: "É preciso que todos colaborem"
Feliz Dia da Terra! Das Palavras às Acções...

Carla disse...

Passei para te ler e para desejar um bom fim de semana.
Bjx

Anónimo disse...

O antipartidarismo alienado

in DN, 2006.04.22

por Marina Costa Lobo (Politóloga)

A democracia portuguesa está prestes a cumprir 32 anos. O recente episódio das faltas dos deputados no Parlamento vem enquadrar mais um momento de grande crítica às nossas instituições políticas, e em particular aos nossos políticos.

Esta crítica pode ser vista em conjunto com o comportamento eleitoral dos portugueses nas recentes eleições presidenciais. Nesta eleição, os candidatos que se posicionaram acima dos partidos, e mesmo de certa forma contra os partidos, foram os grandes vencedores da noite, nomeadamente Cavaco Silva e Manuel Alegre.

Mas existe realmente uma crise dos partidos? Num dos últimos "choques ideológicos" entre António Costa Pinto e Rui Ramos (RTPN, segunda-feira, 22.00), essa questão dividiu os dois comentadores. António Costa Pinto afirma que os votos em Manuel Alegre e a má prestação do candidato do PS são mais um sinal do distanciamento dos portugueses em relação ao sistema partidário. Rui Ramos contrapõe que o nosso sistema partidário está de saúde e recomenda-se: pois não são sempre os mesmos partidos os mais votados? E inclusivamente de forma clara, produzindo até maiorias absolutas de esquerda ou de direita?

É um facto. Entre 1976 e 2006, os principais partidos da nossa democracia, o CDS, o PSD, o PS e o PCP, têm, no seu conjunto, obtido sempre cerca de 90% dos votos válidos. A excepção foi 1985. Nesse ano, o PRD, partido patrocinado pelo então presidente Ramalho Eanes, obteve 18% do voto.

São raros os sistemas partidários na Europa em que exista o mesmo grau de monopólio do voto para o mesmo período de tempo.

Mas os partidos não existem só nas instituições. O reverso da medalha deste evidente monopólio dos quatro principais partidos em toda a história da democracia portuguesa é, em primeiro lugar, a abstenção.

Senão, vejamos. Portugal tem tido um dos piores aumentos da abstenção nestes 30 anos de democracia. Em 1980, 16% do eleitorado absteve-se. Em 2005, esse valor tinha mais que duplicado, atingindo 36% do eleitorado. Mas há mais: na identificação partidária os dados que existem mostram a mesma quebra acentuada nas pessoas que dizem identificar-se com qualquer partido da primeira para a terceira década da democracia.

Poderíamos falar ainda de satisfação com a democracia - os portugueses mostram-se tão insatisfeitos como os italianos - desconfiança nos políticos, níveis de filiação partidária. Estes são os sinais preocupantes quando se fala de partidos políticos e de democracia em Portugal.

É por isso uma crise da relação entre sociedade e partidos, apesar do monopólio das instituições políticas que os quatro principais partidos têm mantido ao longo de todo o período.

As dificuldades dos partidos em cativar o eleitorado do século XXI são um tema estafado.

As bibliotecas de ciência política estão cheias de livros que documentam e tentam explicar o fenómeno.

A idiosincrasia portuguesa não está aí (embora a doença tenha pegado aqui de forma particularmente forte). A idiosincrasia portuguesa está na falta de resposta da nossa sociedade civil a este estado de coisas.

Desde meados dos anos 80, por todo o mundo ocidental, o aumento da insatisfação com os partidos existentes levou a novidades no plano político, como seja o surgimento de partidos novos, à esquerda e à direita; de partidos a defender clivagens novas ou que tinham estado adormecidas, nomeadamente partidos regionalistas, partidos verdes, partidos eurocépticos. Levou a novas formas de intervir politicamente; levou a novas formas de distribuição de poder, como seja a regionalização.

Todos estes fenómenos aconteceram porque grupos de cidadãos se juntaram e conseguiram cativar outros.

Por cá, 30 anos depois do 25 de Abril, somos uma sociedade desmobilizada. E não é por causa dos partidos que temos. Com o nosso sistema eleitoral proporcional não é difícil obter representação.

O único partido que parece estar a consegui-lo de forma consolidada é o BE (e mesmo assim, com expressão reduzida). Os partidos só respondem a incentivos concretos.

A abstenção, a desmobilização e o desinteresse não têm um efeito reformador, porque não afectam a distribuição de mandatos no Parlamento.

Assim, e parafraseando Kennedy, não pergunte o que os partidos podem fazer por si, mas o que você pode fazer pelos partidos.