quarta-feira, abril 26, 2006

Dias inesquecíveis


Há vinte anos atrás, acompanhei intensamente os dias subsequentes ao desastre de Chernobyl. Intensamente e com preocupação...

Consciente das limitações existentes à liberdade de imprensa na ex-União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, passei durante três ou quatro meses fotocópias das notícias para o lado de lá da Cortina de Ferro a um ex-colega da escola secundária de Tavira e das equipas de andebol do Clube de Vela de Tavira que estudava em Kiev, na Ucrânia, a escassos 130 quilómetros da central nuclear...

De facto, do lado de lá e apesar de Mikhail Gorbachev já estar no poder há um ano, as notícias da catástrofe não corriam e as
inevitáveis consequências do acidente eram minimizadas. Como estávamos longe dos tempos das telecópias e da internet!!!

Hoje, vinte anos depois, quando se fala na instalação de uma central
nuclear em Portugal, sabemos que morreremos todos e que as terríveis consequência do acidente de Chernobyl permanecerão depois dos nossos filhos...

1 comentário:

Anónimo disse...

O momento de viragem de Tchernobil

por Mikhail Gorbatchov

in Público, 2006.04.25

O desastre nuclear de Tchernobil, que amanhã faz 20 anos, foi, ainda mais do que o lançamento da minha perestroika, a verdadeira causa do colapso da União Soviética cinco anos depois. De facto, a catástrofe de Tchernobil foi um momento de viragem histórico: houve uma era antes do desastre e há uma nova era depois dele.

Na manhã da explosão na central nuclear de Tchernobil, em 26 de Abril de 1986, o Politburo reuniu-se para discutir a situação e organizou uma comissão governamental para tratar das consequências. A comissão deveria controlar a situação e assegurar-se de que estavam a ser tomadas medidas correctas, particularmente no que dizia respeito à saúde das pessoas na zona do desastre. Mais, a Academia das Ciências criou um grupo de cientistas de topo que imediatamente foi enviado para a região de Tchernobil.

O Politburo não conseguiu logo informações correctas e completas após a explosão. Ainda assim, foi entendimento geral no Politburo que devíamos tornar essa informação pública mal a recebêssemos. Isto seria feito no espírito de glasnost que já tinha sido estabelecido na União Soviética.

Por esta razão, os que dizem que o Politburo se envolveu em manobras para esconder a informação estão longe da verdade. Uma das razões por que acredito que a informação não foi escondida é o facto de, quando a comissão governamental visitou o local do desastre e pernoitou em Polesie, perto de Tchernobil, todos terem jantado e bebido água normal, deslocando-se de um lado para o outro sem quaisquer equipamentos de protecção, como todas as pessoas que trabalhavam no local. Se a administração local ou os cientistas conhecessem o verdadeiro impacte do desastre não se tinham arriscado tanto.

De facto, ninguém sabia a verdade e é por isso que todas as nossas tentativas para receber informação completa sobre a extensão da catástrofe foram em vão. No início, acreditámos que o principal impacte da explosão seria na Ucrânia, mas a Bielorrússia, a noroeste, foi ainda mais atingida, e depois seguiram-se a Polónia e a Suécia.
É claro que o mundo soube do desastre através de cientistas suecos, criando a impressão de que estávamos a esconder alguma coisa. Mas, na verdade, não tínhamos nada a esconder e, simplesmente, não tivemos qualquer informação durante um dia e meio. Só alguns dias depois soubemos que o que aconteceu não foi um simples acidente mas uma verdadeira catástrofe nuclear - uma explosão no reactor 4 de Tchernobil.

Ainda que o primeiro relato sobre Tchernobil tenha aparecido no Pravda de 28 de Abril, a situação estava longe de ser clara. Por exemplo, quando o reactor rebentou, o fogo foi imediatamente atacado com água, o que só piorou a situação, uma vez que as partículas radioactivas se começaram a espalhar pela atmosfera. Ainda assim, conseguimos tomar medidas para ajudar as pessoas na zona do desastre, que foram evacuadas e testadas para saber os seus níveis de contaminação por mais de 200 equipas médicas.

Havia um enorme perigo de que o conteúdo do reactor nuclear se infiltrasse no solo e chegasse ao rio Dnepr, pondo em perigo a população de Kiev e outras cidades ao longo das margens. Por isso, iniciámos o trabalho de proteger as margens do rio, começando a desactivação total da central de Tchernobil. Os recursos de um enorme país foram mobilizados para controlar a devastação, incluindo a construção de um sarcófago para encerrar o quarto reactor.

O desastre de Tchernobil, mais do que alguma outra coisa, abriu a possibilidade de uma maior liberdade de expressão, até ao ponto de percebermos que um sistema como o que conhecíamos não podia continuar. Tornou absolutamente claro quão importante era continuar a política de glasnost, e devo dizer que comecei a pensar em termos de pré-Tchernobil e pós-Tchernobil.

O preço da catástrofe de Tchernobil foi extraordinário, não apenas em termos humanos, mas também económicos. Ainda hoje, o legado de Tchernobil afecta as economias da Rússia, Ucrânia e Bielorrússia. Há quem sugira que o preço para a União Soviética foi tão alto que parou a corrida aos armamentos, porque não podíamos construir armas enquanto estávamos a pagar a limpeza de Tchernobil.
Essa dedução não está certa. A minha declaração de 15 de Janeiro de 1986 é bem conhecida no mundo inteiro. Falei da necessidade de reduzir os arsenais, incluindo os nucleares e propus que, no ano 2000, nenhum país tivesse armas nucleares. Senti uma responsabilidade moral de acabar com a corrida ao armamento. Mas Tchernobil abriu-me os olhos como nenhum outro acontecimento: mostrou-me as horríveis consequências do poder nuclear, mesmo quando não é usado para fins militares. Agora todos podemos perceber melhor o que aconteceria se uma bomba atómica explodisse. Há cientistas que dizem que apenas um SS-18 pode conter 100 Tchernobils.

Infelizmente, o problema das armas nucleares ainda é muito sério actualmente. Os países que as têm - o chamado "clube nuclear" - não têm pressa de se ver livres delas. Pelo contrário, continuam a refinar os seus arsenais, enquanto países sem armas nucleares as querem, porque acreditam que o monopólio do clube nuclear é uma ameaça à paz mundial.

O 20.º aniversário da catástrofe de Tchernobil recorda-nos que não devemos esquecer a terrível lição ensinada ao mundo em 1986. Devemos fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para tornar as instalações nucleares seguras. E devemos também começar seriamente a trabalhar na produção de formas de energia alternativas.

O facto de os líderes mundiais falarem cada vez mais neste imperativo sugere que a lição de Tchernobil está finalmente a ser compreendida. Ex-Presidente da União Soviética