(Publicado na edição de 28 de Outubro de 2004 do jornal BARLAVENTO)
Lamentavelmente, o XVI Governo vive obcecado com a imagem que passa da sua actuação nos órgãos de comunicação social. São muitas as evidências desse facto, por demais conhecidas dos cidadãos para quem os seus membros deveriam governar!
Enredados nas palavras de uns e descontentes com os actos de outros, os ministros e secretários de Estado atropelam-se em declarações infelizes, num crescendo impensável de violência verbal e de propostas inenarráveis. Em pouco mais de cem dias, os membros deste Governo já têm histórias que preencheriam muito mais do que mil e uma noites…
Tendo em seu favor o processo de reequilíbrio financeiro e a suspensão da tabloidização da RTP, Morais Sarmento confundiu Estado com Governo e cometeu um erro imperdoável ao referir-se a limites à independência da televisão pública. Na Assembleia da República devia tê-lo assumido em vez de apenas reafirmar princípios de liberdade que são indiscutíveis!
Descontente com a imagem que passa de si na comunicação social, este Governo dispensa os jornalistas e faz declarações de Estado em tempos de antena à hora dos Telejornais, criou uma Central de Comunicação e prepara-se para deitar a mão aos dinheiros públicos para condicionar, influenciar e manipular os media. Os tristes exemplos da Figueira da Foz, da Madeira e de muitas outras cidades onde é difícil desempenhar a profissão de jornalista tendem a espalhar-se como mancha de óleo pelo País!
Na Europa, a televisão pública foi desenvolvendo-se em torno de “um modelo com ambições paternalistas para uma suposta cultura nacional e sobretudo para uma manipulação governamental”, conforme sustenta Enrique Bustamante. Em Portugal não foi diferente, sentindo-se a pressão do poder sobre um intermediário muito apetecível e que até há pouco tempo detinha o monopólio do sector. Hoje, este debate ultrapassa fronteiras, independentemente da ideologia política de quem governa, mas parece-nos que a opinião pública já tomou partido…
Cada vez mais, parece ser fundamental a criação de uma entidade reguladora independente, com capacidade de controlo e sanção, que favoreça uma cultura de auto-regulação. Cada vez mais, a televisão e a rádio públicas devem assumir um papel de referência na produção de conteúdos de qualidade, criando sinergias com os grupos privados e permitindo a consolidação de uma indústria nacional neste domínio, reforçando a cooperação com os membros da CPLP. Cada vez mais, a RTP e a RDP devem apostar no reforço dos seus serviços regionais, transmitindo para o todo nacional a realidade e o dinamismo do Portugal profundo…
Não parece ser esta a vontade do Governo, concentrando em Morais Sarmento as tutelas da RTP, da RDP, do Instituto Nacional de Estatística e da “mal nascida” Central de Comunicação. Tudo isto é errado e, felizmente, já há quem não queira alinhar neste filme!
Como sustentou Jorge Sampaio na recente homenagem a José Afonso, "sobre a liberdade nada está definitivamente conquistado, tal como a liberdade de expressão que deve ser uma luta quotidiana". A independência da comunicação social e a liberdade de expressão são valores pelos quais vale a pena continuar a lutar!
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