quinta-feira, fevereiro 08, 2007

Todos somos poucos...


(Publicado na edição de 8 de Fevereiro de 2007 do jornal BARLAVENTO - Frente & Verso)

Não há verdades que possam ser ignoradas quando apetece nem relativizadas para sempre. Há situações que importa contrariar sem temores e mobilizar os recursos nacionais para a sua total erradicação…

Ignorando grande parte da intervenção do ministro da Economia, as reacções dos partidos da oposição e dos sindicatos ao convite aos mais importantes empresários da China para investirem no nosso país, apenas revela falta de sintonia com os objectivos do Governo e vontade de colocarem-se em bicos de pés. Gostava de ouvi-los sobre as novas metas nas energias renováveis e na redução das emissões de carbono. Gostava de ouvi-los falar nos programas de simplificação administrativa e burocrática para facilitar a vida aos cidadãos e às empresas.

Já agora, gostava de ouvi-los abordar sobre os novos princípios de Bom Governo no sector empresarial do Estado, pelos quais, cada empresa deve ter ou aderir a um código que promova um comportamento eticamente irrepreensível no que respeita a normas fiscais, de branqueamento de capitais, de concorrência, de protecção do consumidor, de ambiente e laborais, nomeadamente relativas à igualdade de género.
Ouviram alguma coisa? Eu não ouvi nada!

É verdade que Portugal é país da Europa que tem salários mais baixos, nomeadamente nos quadros técnicos especializados, e onde a tendência para crescerem parece cada vez mais longe. Numa Europa recheada de países competitivos nesse capítulo, certamente não é esse o trunfo mais adequado para conquistarmos novos investidores. Devemos antes apostar naquilo em que somos melhores, onde detemos vantagens competitivas inegáveis, ou no que fazemos diferente, sublinhando os factores de inovação!

Estou certo que o Governo vai continuar a apostar na qualificação do nosso capital humano e em salários mais elevados. É esse o caminho definido no Plano Tecnológico, assente no investimento e no desenvolvimento sustentado das nossas actividades económicas, na valorização dos nossos recursos e valores, nomeadamente do capital humano, através da criação de empregos de qualidade, melhor remunerados e mais duradouros.

São essas as expectativas criadas com a aprovação do Quadro de Referência Estratégica Nacional 2007/2013, que reserva uma fatia substancial dos milhões europeus que nos restam para a qualificação dos recursos humanos, perspectivando sempre a sua integração nas redes internacionais de permuta e transferência de conhecimento. As reformas na rede escolar e nos programas curriculares do ensino básico e secundário, assim como as alterações no ensino superior decorrentes do processo de Bolonha, também perspectivam esses objectivos!

O caminho para uma maior produtividade é o da qualificação e do melhor emprego. Caminho que é exigente para ambas as partes – empregadores e empregados. Aqui, os partidos da oposição, as associações empresariais e os sindicatos têm uma importantíssima palavra a dizer. Os processos de revisão da legislação laboral, da protecção social no desemprego e da segurança social demonstraram-nos que o diálogo é possível… e positivo!

O nosso futuro comum exige que consigamos definir e ultrapassar novas fronteiras. A nossa responsabilidade pessoal é enfrentar os desafios e aproveitar as oportunidades que a globalização nos reserva. Todos somos poucos para fazer um Portugal melhor!

Nota final – O ex-Vice-Presidente dos Estados Unidos da América, Al Gore, está hoje em Lisboa para falar sobre outra verdade inconveniente. As alterações climáticas vão mudar as nossas vidas e, mais cedo ou mais tarde, o Algarve também vai ser afectado. Pense nisso!

2 comentários:

Anónimo disse...

A gaffe

por VASCO PULIDO VALENTE, in Público, 2007.11.04

O jornalismo indígena exagerou a importância das gaffes do ministro Manuel Pinho. A comparação de uma avenida de Pequim com a Madison Avenue não passa, por exemplo, de um comentário saloio. Pior foi a do dr. Cavaco à Índia, que ninguém notou e sobre que ninguém escreveu. Falando sobre a beleza das cerimónias com que o receberam, o nosso querido Presidente da República resolveu acrescentar: "aprenderam com certeza com a Inglaterra" (não garanto a exactidão da frase, só o sentido geral). Ir gabar a colonização na terra do colonizado não parece coisa de grande tacto. Mas nenhum deles, nem Pinho, nem Cavaco, chegou à categoria da gaffe histórica. Um pequeno país como Portugal, por muito que tente, não está, por assim dizer, à altura disso.

A gaffe sobre os salários baixos foi inteiramente para consumo doméstico. Suspeito que nenhum chinês reparou naquela melancólica manifestação de miséria e, se por acaso reparou, não acredito que se importasse. A correcção de Sócrates, de resto, não veio ajudar: se a mão-de-obra barata a que Pinho se referia é, de facto, a mão-de-obra qualificada, o nosso desespero público já excedeu os limites da discrição e do pudor. De qualquer maneira, o caso não se agravou e os patriotas não se devem afligir com a "imagem de Portugal no mundo", se o mundo tem a mais vaga imagem de Portugal, o que nada indica. Apesar dos milhões que se gastam em propaganda turística e em viajatas várias, para a maior parte da humanidade Portugal, coitado, não existe.

Com ou sem as gaffes de Manuel Pinho, a excursão à China do eng. Sócrates tornou a provar essa realidade lúgubre. O Presidente Hu Jintao andava por África com meia dúzia de ministros. Tanto em Pequim como em Xangai, funcionários sorumbáticos deixaram os portugueses perorar e quase não abriram a boca. Sócrates, como de costume, lá andou a fazer jogging pelas ruas de Pequim, provavelmente porque nas ruas de Lisboa não pode. No intervalo declarou a "sintonia" entre governo dele e o governo da China em matéria económica e "questões mundiais", "sintonia" essa que certamente descansou muito aquela pobre região. Quanto a "negócios", consta que há a intenção de os "reforçar" e "apoiar" e que há planos para vender aos nativos software e vinho de Borba. Os chineses também gostaram muito da camisola de Ronaldo que Sócrates lhes deu. A maior gaffe da viagem foi a viagem.

Anónimo disse...

O choque e a realidade

por Manuel Carvalho, in Público, 2007.02.05

Sócrates deveria ter percebido que Manuel Pinho desferiu ao Plano Tecnológico o maior ataque desde que o primeiro-ministro o elegeu como
a sua principal "visão" para o futuro do país

Com o seu proverbial sentido de humor, os brasileiros referem-se por vezes ao seu país como a Belíndia, metade com níveis de desenvolvimento próximos da Bélgica, outra metade com indicadores de pobreza que fazem lembrar a Índia. A ironia de Manuel Pinho não adquire este grau de refinamento, mas se, em vez de produzir erros políticos em escala industrial, se dedicasse aos jogos de palavras, poderia ter anunciado aos investidores chineses que o ouviram esta semana vender as vantagens do país pelos custos da mão-de-obra o nascimento de um novo destino - talvez a Paquilândia, onde os salários são baixos, como no Paquistão, e onde vigora um Plano Tecnológico que nos há-de aproximar da Finlândia.

O que Manuel Pinho disse e José Sócrates reafirmou deve ser levado a sério. Porque impõe ao país uma espécie de regresso à Terra. Para que as preces sobre o investimento estrangeiro sejam ouvidas, fez saber Pinho e Sócrates, vale talvez mais apregoar as realidades competitivas dos salários baixos do que as vagas expectativas do país da era do Plano Tecnológico. Não é nada que se não soubesse nem notícia que qualquer potencial investidor não encontrasse nos relatórios da OCDE ou dos bancos especializados. O problema é que o ministro não mencionou os custos do trabalho na sequência de uma pergunta ou no contexto de uma conversa informal: esse alegado factor de competitividade foi intencional e voluntariamente alardeado como uma das cinco principais vantagens comparativas do país num discurso formal para uma plateia de investidores. Pinho poderia ter insistido nos laços culturais, na importância da língua, nas ilhas de excelência que vão existindo na economia e na sociedade da informação. Poderia ter feito o que se faz nestes momentos: vender uma imagem. Mas não: em vez de optar pelo discurso do choque tecnológico com que o Governo projecta o futuro, o ministro preferiu vender aos chineses a imagem dos salários baixos que nos ancoram ao passado.

Considerar essa declaração como uma gaffe é insuficiente. A intencionalidade do discurso empresta-lhe evidente fundamento político. Ou seja, o Governo acredita mesmo que é boa ideia vender no estrangeiro a imagem de um país de baixos salários. A convicção deixa em aberto, como reconhece Luís Campos e Cunha, na entrevista que hoje se publica, uma contradição, mas legitima uma dúvida persistente. Uma contradição porque não faz sentido conciliar o apelo modernizante do choque tecnológico com o uso do trabalho barato; uma dúvida porque o apelo de Manuel Pinho confirma os receios dos que, ao longo dos últimos anos, resumem o Plano Tecnológico a uma mera operação de marketing político para iludir os problemas reais do país.

Sócrates deveria ter dado conta do perigo e corrigido a tempo o seu ministro. Deveria ter percebido que Manuel Pinho desferiu ao Plano Tecnológico o maior ataque desde que o primeiro-ministro o elegeu como a sua principal "visão" para o futuro do país. Não o fez. Fez mal.