Depois de muitas ameaças, Alberto João demitiu-se... e afirmou que vai recandidatar-se ao cargo de Presidente do Governo Regional da Madeira...
Amuado com a Lei das Finanças Regionais, proposta pelo Governo, aprovada pela Parlamento, visada pelo Tribunal Constitucional e promulgada pelo Presidente da República, Alberto João bate com a porta a meio do mandato e pede um voto de confiança aos madeirenses. Trata-se de um golpe palaciano!
Alberto João sabe que vai ganhar, muitos na Madeira dependem dos cofres regionais e outros tantos aspiram a tal. Nas ruas ninguém critica abertamente os senhores do Poder. Quem o faz, rapidamente é silenciado ou proscrito. Quase 33 anos depois de Abril, é esta a Democracia que temos em Portugal!
Nota - Felizmente há liberdade para fazer e ver o Gato Fedorento!
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Quarta-Feira de Cinzas do PSD
por Vicente Jorge Silva (Jornalista), in DN, 2007.02.21
Decididamente, o PSD tornou-se uma metáfora carnavalesca. Os bailes de máscaras ainda prosseguem, mas, entretanto, é já Quarta-Feira de Cinzas. Aliás, não foi por acaso que Alberto João Jardim escolheu a época do Carnaval para encenar a sua demissão e provocar eleições antecipadas na Madeira. Se, para Jardim, a política é um Carnaval permanente, que outro momento poderia ter escolhido para tirar a máscara do bluff que cultivou nos últimos tempos, depois de perder totalmente as esperanças de ver Cavaco Silva e, depois, o Tribunal Constitucional chumbarem a Lei das Finanças Regionais?
Atrás da máscara do desafio a Sócrates, a jogada de Jardim esconde, porém, a provocação a Cavaco, cuja sombra tutelar continua a pairar sobre o PSD. É um problema adicional que Marques Mendes terá de gerir nas circunstâncias mais precárias, ou seja, quando já perdeu o controlo da situação na Câmara de Lisboa, esse baile trapalhão cujos protagonistas - ao contrário de Jardim - não têm manifestamente jeito nem trapos para dançar a preceito.
Tivemos assim dois bailes de máscaras, um encenado de propósito na Madeira e ajustado aos costumes locais, outro indesejado e talvez por isso mais patético em Lisboa, que se cruzaram em pleno Carnaval. Dois bailes antecedidos por essa tentativa malograda de dissimulação numa dupla personalidade com que o PSD procurou mascarar-se no referendo do aborto, ostentando uma suposta neutralidade e, simultaneamente, alinhando com o "não".
São danças a mais para um líder que tem abusado dos seus dons manifestamente insuficientes de dançarino político e que, agora, depois de tanto trocar passos e tropeçar nos pés, corre o risco de estatelar-se ao comprido no salão de festas. A Quarta-Feira de Cinzas anuncia-se, assim, verdadeiramente desolada para Marques Mendes: já não é apenas a permanência de Carmona Rodrigues à frente da Câmara de Lisboa que se mostra insustentável; é o seu próprio destino como líder do PSD que se encontra cada vez mais num beco sem saída.
Depois de deixar passar o timing adequado para cortar cerce o nó górdio do município lisboeta, Mendes vê a sua credibilidade irremediavelmente fragilizada. E não está em condições de moderar os imprevisíveis efeitos políticos no PSD nacional da última aventura jardinista nem o confronto institucional que se desenha entre o chefe madeirense e o Presidente Cavaco Silva.
Até agora, o líder social-democrata tinha ainda, a seu favor, o benefício da dúvida na batalha desigual que travava com o Governo de Sócrates e a maioria absoluta do PS. Com efeito, seria sempre possível argumentar que, face à actual conjuntura política, não havia soluções miraculosas para desenvolver uma oposição mais eficaz e produtiva: era necessário saber resistir, manter a unidade interna do PSD e esperar pelo inevitável desgaste que a governação de Sócrates acabaria por sofrer.
Ora, esse benefício da dúvida esfumou-se assim que as dificuldades do PSD passaram a vir sobretudo de dentro e não de fora do partido. Ou seja, quando Marques Mendes demonstrou não estar à altura de enfrentar, de forma coerente e consequente, nem o desafio do referendo do aborto nem o caos gerado pelas investigações judiciais à Câmara de Lisboa. Acossado pelos acontecimentos, limitou-se a tentar impedir, contra ventos e marés - e recorrendo a expedientes irrisórios, como a suspensão temporária do vice-presidente Fontão de Carvalho -, o naufrágio de um navio completamente à deriva e ao qual faltou sempre um verdadeiro comandante.
Marques Mendes assumiu a liderança do PSD num momento particularmente difícil - porventura dos mais difíceis da história do partido e quando não se vislumbravam alternativas consistentes (que, de resto, continuam sem aparecer). Como se tem visto, nem o diletantismo tecnocrático de Borges nem o populismo nortista do sempiterno Menezes - cuja interpretação delirante dos resultados do referendo entrou directamente para a antologia dos disparates políticos nacionais - prometem um rumo credível ao maior partido de oposição. Entre nomes velhos (como Ferreira Leite) e nomes novos (Paula Teixeira da Cruz, por exemplo), nenhum parece garantir, a breve trecho, uma autoridade sólida e o concerto das tendências, correntes e baronias em que se fragmenta a nebulosa laranja.
O referendo sobre o aborto reabriu feridas quase incuráveis entre um PSD moderno e liberal e um PSD arcaico e conservador que só têm podido coexistir sob a batuta de um líder forte e carismático (como foram Sá Carneiro e Cavaco Silva). Por isso, a Quarta-Feira de Cinzas de Marques Mendes é também a Quarta-Feira de Cinzas do PSD, convertido num navio à deriva como a Câmara de Lisboa e arrastado na corrente dos ímpetos revanchistas (mas já desesperados) de Alberto João Jardim.
A política da intimidação
por Rui Tavares, in Público, 2007.02.22
E eis que em pleno Carnaval - apropriadamente - Alberto João Jardim se demitiu de chefe do Governo Regional da Madeira para logo se voltar a candidatar ao mesmo cargo. Implicitamente, admitiu que a realidade política em que ele se movia mudou de forma radical. Explicitamente, a mensagem que quer fazer passar é a de que só admite jogar segundo as suas próprias regras. Vejamos cada um dos aspectos.
Alberto João Jardim não é um brutamontes agressivo que diz tudo o que lhe passa pela cabeça. Alberto João Jardim apenas parece um brutamontes agressivo que diz tudo o que lhe passa pela cabeça. Essa imagem é crucial para os seus intentos. Nos intervalos, Alberto João Jardim pode ser manobrista, sedutor, surpreendente, um encanto de pessoa. Esta versatilidade permitiu-lhe sempre navegar na política nacional, com algum risco é certo, mas dividendos incomparáveis. Entalou os políticos nacionais e comprou o consenso dos madeirenses. Governou uma região como quis, com os recursos que quis, durante o tempo que quis. Nenhum outro político português se pode gabar do mesmo.
Subitamente tudo mudou. Sócrates foi eleito não apenas com maioria absoluta, mas uma maioria absoluta que dispensa os votos madeirenses. Não só Sócrates não precisava de Alberto João, como nem precisa de se preocupar com a eventualidade de vir a precisar. Foi aí que a arte da intimidação, em que Alberto João Jardim se especializara, deixou de funcionar.
Em que consiste a arte da intimidação? Em deixar os outros permanentemente suspensos, receosos das nossas atitudes. Tudo em Alberto João Jardim, desde a linguagem corporal à retórica, denuncia alguém que se compraz em meter medo aos outros. Quando Alberto João se "porta mal", pode enxovalhar, insultar, ameaçar. Quando Alberto João se "porta bem", o que faz nos intervalos, sorri, brinca, lisonjeia. Mas mesmo aí os seus interlocutores continuam encolhidos, à espera da pancada. Alberto João Jardim manipula-os, prolongando o gozo, deixando-os na ignorância de quando virá o próximo acesso de agressividade criteriosamente gerido e encenado. Por isso os madeirenses que o rejeitam se calam em público e os que o apoiam o louvam o mais que podem. Por isso os líderes do PSD vão à Madeira a medo, receando que ele lhes prepare alguma surpresa. Por isso os jornalistas nunca o confrontam, com receio de desencadear uma fúria. Se ele estiver virado do avesso, salve-se quem puder. Se ele estiver um doce, pior ainda: não se pode relaxar.
Esta manha permite-lhe ocultar algumas coisas. Na verdade, já acabou o tempo em que o estilo de Alberto João Jardim beneficiava a Madeira; hoje em dia Alberto João é um peso morto que perdeu a batalha das finanças regionais, não tem amigos nem aliados, não consegue sair de cena por cima. Na verdade, Alberto João Jardim apresenta os continentais como ladrões e os seus rivais madeirenses como traidores precisamente para ocultar que ele, hoje, prejudica mais do que auxilia. Na verdade, a Madeira teria a ganhar em ver-se livre de Alberto João.
Na verdade, só há uma maneira de enfrentar a política da intimidação: não se deixar intimidar.
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