Sonhos... vendidos!
O ministro do Ambiente chumbou o projecto de construção de uma ilha artificial ao largo de Vale do Lobo, alegando que esta iria agravar o processo de erosão costeira no Algarve...
Enfim, concretiza-se aquilo que se sabia inevitável, chumbando por antecipação um investimento privado que não passou de uma bem pensada estratégia de marketing e que permitiu meter (mais) alguns milhões no bolso!
1 comentário:
A ilha do dia antes
por Pedro S. Guerreiro, in Jornal de Negócios, 2007.02.15
Quando o Ministério do Ambiente vem chumbar a Ilha em frente a Vale de Lobo, não está a comprometer um projecto, está a repor os índices de vergonha num negócio opaco entre a Caixa Geral de Depósitos, que pagou mais de 50 milhões de euros, e o empresário Sander van Gelder, que os recebeu.
Se quisermos ser benignos, podemos entender que a ilha de Vale de Lobo foi uma fantasia das arábias, um deslumbramento onírico imaginado por uma inspiração esdrúxula.
Mas na pior das hipóteses, a ilha foi uma golpada publicitária de um empresário que queria vender um projecto de uma vida (foi van Gelder que fez Vale de Lobo tal como a conhecemos) por uma mão cheia de dinheiro.
Porque não houve um estudo para a ilha, nada sobre impactos ambientais, alterações de marés, o que quer que fosse. Nem podia haver estudo - porque não havia sequer projecto. Qual a profundidade da ilha? Não se sabia. O que lá podia ser construído? Desconhecia-se. Como se pode fazer um plano de pormenor, um PDM de uma miragem aquática?
Não pode nem podia, porque a ilha nunca existiu nem nunca existirá. O nome desta erupção fantasma é aliás sintomático: a ilha chamava-se Nautilus e Júlio Verne não deliraria melhor.
Mas a ilha não é um "fait divers". É um negócio mal contado, que foi mediatizado desde o princípio (quando o "Expresso" revelou os fantásticos planos de van Gelder para a Vale de Lobo que ele queria vender - e para o qual teve várias propostas) até ao fim (quando o negócio foi fechado, formalizando a diversificação da Caixa Geral de Depósitos para o turismo). Não se soube quanto custou, quem comprava e nem sequer o que se comprava. Com Ilha? Sem ela?
Segundo o Jornal de Negócios hoje revela, é a Caixa Geral de Depósitos que entra com quase todo o dinheiro, cerca de 200 milhões, comprando um quarto do projecto e financiando parte do resto, detido por cinco empresários. Mais: o valor da aquisição não inclui a Ilha (embora inclua um segundo preço, a pagar caso a ilha fosse aprovada) - livrámo-nos dessa, de ver o banco estatal enfiar o barrete de Sander van Gelder.
A estratégia de diversificação de negócios da Caixa Geral de Depósitos tem tido várias inspirações. Na Portugal Telecom, está "para ganhar dinheiro" mas faz o que o Governo mandar, como o administrador Armando Vara reconheceu ao "Sol" há um par de meses. Na Sumolis, comprou para vender e arrisca-se até a fazer uma boa mais-valia em troca de uma dor de cabeça. Em Vale de Lobo, o negócio não será turístico, será lotear para vender e financiar com crédito à habitação as aquisições das casas de férias. A Ilha? Por um canudo.
Em "A Ilha do Dia Antes", Umberto Eco escreve a história de um náufrago nos mares do Pacífico, sozinho num barco encalhado em frente a uma ilha. Mas o náufrago não sabe nadar e a ilha abundante que lhe está à frente dos olhos é-lhe cruelmente inacessível. Até ao momento em que o náufrago arrisca, engendra uma forma potencialmente suicida de chegar à ilha e se atira ao mar.
Na costa de Vale de Lobo, a história é menos dramática mas a ilha também não está acessível: a Nautilus é uma ficção, não existe. O que existe é esta forma torta de fazer negócios, sem transparência e com manobras de propaganda, com um empresário a atear fogo de artifício para valorizar a sua venda e um banco do Estado a entoar o coro.
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