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quinta-feira, fevereiro 22, 2007
Dois anos
(Publicado na edição de 22 de Fevereiro de 2007 do jornal POSTAL do ALGARVE)
Completaram-se dois anos sobre as eleições para a Assembleia da República e a conquista da primeira maioria absoluta do Partido Socialista (PS). Apesar da política de consolidação orçamental ter provocado muita contestação social, o PS permanece em alta nas sondagens e José Sócrates dispõe de elevados níveis de simpatia da opinião pública.
Depois de uma campanha eleitoral isenta de erros e com algumas promessas básicas – desenvolvimento do Plano Tecnológico, criação do complemento solidário para idosos (CSI) e recuperação de cento e cinquenta mil postos de trabalho até 2009 -, Sócrates elaborou a composição do Governo em absoluto segredo e acabou com as polémicas em torno do valor do défice, confiando essa tarefa ao Banco de Portugal.
Apesar das dificuldades da economia portuguesa no contexto global e dos compromissos assumidos com Bruxelas para reduzir o défice, hoje vinte mil idosos já recebem o CSI, que este ano foi alargado a quem tem mais de 70 anos, e a promessa da recuperação de empregos será concretizada se os níveis de crescimento se mantiverem.
Aqui é que residem algumas dúvidas pois, embora o Primeiro-Ministro diga que Portugal cresceu mais em 2006 do que nos três anos anteriores - entre 1,2 e 1,4 por cento -, a previsão do Governo de 1,8 por cento para 2007 é considerada optimista por entidades como a OCDE, o Fundo Monetário Internacional ou a Comissão Europeia.
Este é um Governo que procura ser dinâmico e estender esse dinamismo à sociedade civil, às empresas e aos cidadãos. Estes dois anos foram marcados pela apresentação de inúmeros planos de acção e intervenção, clarificando os papéis dos diversos actores, consolidando expectativas e fixando metas e objectivos a médio e longo prazo.
Da reforma do Estado (PRACE ou Simplex) à aplicação dos fundos comunitários (QREN 2007-2013), passando pelo ambiente (ENDS), turismo (PENT) ou domínios sociais (PNACE e PNAI, por exemplo), um conjunto diversificado de áreas temáticas têm vindo a ser enquadradas por documentos estratégicos, envolvendo os centros de saber e as associações sectoriais, com períodos alargados de consulta pública e difusão através do recurso às tecnologias de informação…
Para combater o défice, para além das reformas na Administração Pública e das limitações orçamentais, a via do crescimento económico parece ser o melhor caminho, mostrando-se urgente a modernização do aparelho produtivo, o aumento das exportações e a captação de mais investimento estrangeiro, que parecem ter justificado a soma da Índia e da China ao “sonho” brasileiro de António Guterres.
Politicamente, nestes dois anos, o PS sofreu duas derrotas eleitorais, nas autárquicas de 2005, perdendo nas grandes cidades mas recuperando Faro ao PSD, e nas presidenciais de 2006, em que o candidato oficial, Mário Soares, ficou em terceiro, atrás de Cavaco Silva e de Manuel Alegre. No Referendo sobre a Interrupção Voluntária da Gravidez, a vitória sorriu a José Sócrates e aos adeptos da despenalização, mas a participação ficou aquém do desejável, responsabilizando agora a Assembleia da República!
Hoje, com o ímpeto reformador que é conhecido, o Governo precisa cada vez mais do PS. Nem que seja para explicar no terreno as mudanças que ainda estão por fazer, o Governo precisa de estruturas activas e de deputados empenhados, que não se esqueçam das promessas e dos populações que os elegeram…
É importante que o Governo comece a dar outros sinais, que contrarie a imagem centralista que tem marcado a sua intervenção, que aposte na regionalização e no reforço das competências das autarquias. Portugal não pode andar a duas velocidades nem ao sabor dos interesses de circunstância!
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Balanços governamentais
por Constança Cunha e Sá, in Público, 2007.02.22
O PS é uma sombra, sem existência própria, que se limita a reflectir os interesses do Governo
Terça-feira, dois anos depois das legislativas que deram a maioria absoluta ao PS, seria de esperar que o Governo do eng. Sócrates fosse submetido aos balanços políticos próprios deste tipo de efemérides. Desta vez, no entanto, o saldo, invariavelmente negativo, entre as promessas anunciadas e os resultados obtidos foi subtilmente abafado pelo eventual estado de graça do actual primeiro-ministro. O exame à governação foi assim substituído pela análise dos resultados das sondagens, onde o que conta é a forma, a habilidade, o estilo e os efeitos da propaganda. Não admira, portanto, que, ao fim destes dois anos de Governo, o Governo pura e simplesmente não apareça, reduzido à figura do primeiro-ministro e às cintilantes particularidades da sua invulgar personalidade.
O que interessa, neste tipo de análise, como mostra o texto assinado por Ricardo Dias Felner, no PÚBLICO de terça-feira, não é tanto a realidade do país mas o que eventualmente se passa na cabeça do eng. Sócrates que alguns intérpretes têm o privilégio de conseguir sondar. A partir daqui, a actuação do Governo é substituída pela personalidade do primeiro-ministro e os resultados das suas medidas confundem-se com os traços da sua imagem. O texto, aliás, vale sobretudo pela forma como deixa transparecer a construção dessa imagem que a propaganda socialista não se cansa de difundir. O "consenso alargado" que existe sobre as "características" do eng. Sócrates mostra que ele possui, antes de mais, as "características" de um líder: pragmático, obstinado, competente, autoritário, corajoso e determinado, o primeiro-ministro tem as vantagens dos seus defeitos, num país que preza a ordem e a autoridade e suspeita da diversidade da democracia.
Não é por acaso que se difundiu a ideia de que este novo PS, feito à imagem e semelhança do eng. Sócrates, tomou o lugar do PSD, apropriando-se, não tanto das suas ideias, mas principalmente de um estilo que até agora parecia ser um exclusivo do cavaquismo. Como se tem visto, o "lugar do PSD", esse lugar mítico donde supostamente o dr. Marques Mendes se afastou, define-se apenas pela forma: pelo autoritarismo do prof. Cavaco Silva a que se tenta emprestar uns laivos de reformismo. Tire-se-lhe a forma, o estilo e a imagem e fica apenas o que sempre existiu: dois partidos politicamente indiferenciados que partilham entre si o poder, os negócios e os lugares que existem no aparelho do Estado.
O "novo" PS, convertido às exigências da economia e à impopularidade de algumas medidas, não difere muito do "velho" PS que, mal se viu no Governo, foi obrigado a "meter o socialismo na gaveta". Convém, aliás, reconhecer que este "novo" PS é uma ficção que não resiste ao mais leve contacto com a realidade. O Partido Socialista, nos dias que correm, é uma sombra, sem existência própria, que se limita a reflectir os interesses do Governo. Qualquer pessoa que tenha estado no seu último Congresso, em Santarém, não pode ter deixado de registar a pobreza do debate, a ausência de ideias, a resignação calculada e a falsa unanimidade que caracteriza o tal "novo" PS que o eng. Sócrates supostamente engendrou. A forma como o ministro da Saúde foi obrigado a falar, perante uma sala vazia, no domingo de manhã, revela bem o incómodo de um partido que ainda não se conformou totalmente com a sua própria insignificância. À semelhança do Governo que suporta, o "novo PS" vive também das características pessoais do líder, cuja "obstinação" e "teimosia" parece que se substituíram a qualquer doutrina política.
Como é óbvio, todos estes exercícios teóricos, assentes na popularidade das sondagens, passam ao lado do essencial. Enredados na propaganda socialista e nas "características" pessoais do eng. Sócrates, mostram-nos um país que se revê apenas na "autoridade" e na "determinação" do primeiro-ministro, sem levar em linha de conta os resultados obtidos pelo Governo nestes seus dois primeiros anos de mandato. Não por acaso, a maioria dos "balanços" feitos, esta semana, não são mais do que um emaranhado de "evidências" psicológicas sobre a personalidade do eng. Sócrates que se sobrepõem à situação do país e aos resultados obtidos pelo Governo. Dá ideia que ao lado da "determinação" e da "autoridade" evidenciadas pelo eng. Sócrates, a subida do desemprego e o aumento da carga fiscal são apenas dois pormenores irrelevantes de que não vale a pena falar.
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