domingo, fevereiro 11, 2007

Está despenalizado?!


Esperemos que a abstenção não seja mais forte do que a razão, num debate que ficou marcado pela paixão de alguns participantes e pela desilusão de outros...

Face aos
resultados, é a vez dos senhores deputados fazerem aquilo para foram eleitos - LEGISLAR - mesmo que o tema seja polémico e esteja além das diferenças políticas e partidárias. Em Santarém, Sócrates assumiu um compromisso. Agora, é tempo de virar de página!

NOTA - O aborto é e continuará a ser crime, salvo as excepções previstas e a prever na Lei. A vida deve estar sempre em primeiro lugar. Espero que todos aqueles que agora estiveram do lado do "não", mantenham a disposição de empenhar-se nas actividades dos movimentos sociais que apoiam as mães e os menores em risco!

9 comentários:

Anónimo disse...

E agora?! O que acontece caso o "sim" vença mas o resultado não seja vinculativo?

Na eventualidade de a afluência às urnas não registar mais de cinquenta por cento do eleitorado, o referendo deixa de ser vinculativo. Neste caso, caberá à Assembleia da República interpretar os resultados a título indicativo. Isto significa que, quer vença o "sim" quer vença o "não", a decisão sobre o projecto de lei que propõe a despenalização da interrupção voluntária da gravidez até às 10 semanas terá de ser tomada exclusivamente no plano político, ou seja, pelos partidos com assento parlamentar.

Ora, no caso de uma vitória do "sim", o líder do PS e primeiro-ministro, José Sócrates, que detém a maioria absoluta na Assembleia da República e, por isso, os votos suficientes para aprovar a lei em votação final global, já assumiu que o fará.

Após a lei aprovada, compete ao Presidente da República decidir se aprova ou não a lei. O Presidente pode usar o seu direito de veto político, assim como solicitar um parecer prévio da Tribunal Constitucional antes de vetar ou promulgar a lei, como acontece com qualquer lei aprovada pela Assembleia da República.

Esperemos que os votos dos portugueses que hoje decidiram votar maioritariamente no SIM não se percam nas curvas do processo!!!

Anónimo disse...

E pronto, acabou-se de vez.
A todos os que participaram nesta vitória sobre a intolerância, o meu muito obrigado. O dia amanhã vai nascer mais livre neste país.

Anónimo disse...

Uma breve referência ao resultado do referendo, não podemos deixar que o SIM seja um fim.
Temos que continuar o nosso caminho, fazendo deste SIM mais um meio!

Anónimo disse...

PS/Algarve congratula-se com o resultado do Referendo

in Região Sul, 2007.02.12

Em comunicado emitido esta noite após serem conhecidos os resultados do Referendo sobre a Interrupção Voluntária da Gravidez, a Federação do PS/Algarve congratula-se com a expressiva vitória do "SIM" na região.

No Algarve os resultados foram inequívocos 73,64% dos eleitores votaram SIM, enquanto 26,36% votaram NÂO.

Para além da vitória do SIM, o PS/Algarve assinala uma diminuição do número de abstenções neste acto eleitoral quando comparado com o Referendo de 1998.

"O empenho de todas as estruturas partidárias na campanha contribuiu decisivamente para um maior esclarecimento da população, o que acabou por motivar um resultado que se traduziu na diminuição do nível da abstenção e na vitória do SIM", sublinha o PS/Algarve.

Através do mesmo comunicado, o PS/Algarve saúda ainda, "a manifestação da maturidade democrática dos portugueses em geral e dos algarvios, em particular, pela forma como decorreu o acto eleitoral".

Anónimo disse...

A libertação do referendo

por José Medeiros Ferreira (Professor universitário), in DN, 2007.02.13

O instituto do referendo libertou-se, este domingo, da sua utilização táctica para adiar a irreversível despenalização do aborto se feito nas primeiras semanas de gravidez. Com a vitória do "sim" tudo acaba como devia ter começado: com a Assembleia da República (AR) a legislar.

No meu último artigo tracei a história dessa estratégia da aranha. Há muita gente que se habituou a atrasar uma década o que o Estado português tem de fazer. Foi assim com a descolonização, repetiu-se com a despenalização do aborto. Como representam o atavismo de muitos, o que faz parecer modernos outros, continuarão a gozar de prestígio no País.

A vitória do "sim" no referendo de domingo 11 não é fundamentalmente uma vitória da esquerda, embora sejam de partidos à esquerda os projectos mais consequentes apresentados na AR, e possivelmente assim continuará a ser quando se iniciar o novo processo legislativo. Depois da campanha referendária, o que o resultado da votação revela é uma consolidação da laicidade do comportamento cidadão dos portugueses, sejam eles católicos ou não.

É verdade que a Igreja Católica foi bem mais diversa neste referendo do que fora no anterior, para já não recordar a mobilização ultramontana de 1983-1984 quando a Assembleia elaborou a Lei 6/84.

Desta vez não só a mais alta hierarquia da Igreja foi mais discreta, distinguindo-se aí o tom pastoral mas apaziguador do próprio cardeal D. José Policarpo, como os leigos católicos favoráveis ao "sim" testemunharam com mais assertividade nessa condição. Desde Maria de Belém a José Manuel Pureza foram muitos e importantes os leigos que se manifestaram antiortodoxamente num tema delicado, é certo, mas que não constitui dogma. Muitos votantes crentes libertaram-se assim de constrangimentos exteriores à sua condição de cidadãos e optaram pelo "sim" à despenalização. A sociedade portuguesa laicizou-se mais sem que isso represente necessariamente uma derrota para a Igreja. Tudo dependerá do comportamento dos sectores mais radicais desta, quer no processo legislativo que se avizinha, quer no proselitismo sobre a objecção de consciência dos médicos que obviamente deve ser contemplada e regulamentada.

Agora que o resultado do referendo está adquirido, quero chamar a atenção para a omissão que a figura do progenitor mereceu em todo o debate. Pelo menos nos casais que optaram pelo casamento como forma de constituir família, deve haver um ponto na lei em que a sua vontade se possa manifestar, que mais não seja na fase de aconselhamento. Não por não confiar no discernimento da mulher mas para que a vontade seja repartida e a responsabilidade mútua. Porém a vontade da mulher deve ser absoluta no caso de ela não querer proceder à IVG. Este ponto é mais importante para o futuro do que actualmente possa parecer.

Tenho por óbvio que a indicação dada no referendo sobre "a despenalização da IVG, se realizado, por opção da mulher, nas dez primeiras semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado" vai ser seguida pela maioria dos deputados na AR.

A salvaguarda que o reconstituinte introduziu sobre o carácter vinculativo do referendo abaixo ou acima dos 50% do universo do corpo eleitoral acaba por ser ultrapassada pela enorme força e vigor que uma votação popular directa implica. Na história política do referendo em Portugal, se é verdade que nos dois anteriores não houve essa maioria a participar, também é verdade que o Parlamento se inibiu de votar qualquer lei nas matérias em apreço, dada a vitória do "não" no aborto e na regionalização. Pois, agora que o "sim" ganhou com mais votos e maior percentagem, tem a AR luz verde para legislar no sentido do voto expresso.

Não creio que o instituto do referendo sofra mais com a abstenção do que outras figuras eleitorais. O referendo não sofre mais politicamente com as altas taxas de abstenção do que as outras votações pois, como vimos, a AR acaba por seguir a vontade dos eleitores como ela se expressou, e as condições de salvaguarda para ele ser vinculativo são formais e nenhum legislador se arriscaria a introduzir a mesma condição para as outras eleições, mesmo para o cargo de Presidente da República! Pior solução seria tornar o voto obrigatório.

O referendo acaba de sair da dura prova imposta pela sua utilização táctica há cerca de oito anos. Deixem-no agora descansar um pouco. Ele voltará mais cedo ou mais tarde para a questão europeia.

Anónimo disse...

Uma vitória, um desafio

por Carlos Lourenço (Universidade de Tilburg - Países Baixos), in DN, 2007.02.13

Com o resultado do referendo, visto de fora e cá dentro, venceram Portugal e todos os portugueses. Venceu o Portugal que quer ser (e é já hoje) mais moderno. E, por essa razão, Portugal acordou ontem de manhã mais livre e, por isso, mais feliz. Mas e agora? Neste momento, aceitemo-lo, "nasceu" um novo mercado que necessita de ser regulado. O mercado da IVG até às dez semanas. Aliás, este mercado já existia. Em Portugal, ilegalmente providenciado por privados, frequentemente sem condições para tal, explorando e discriminando "consumidoras" mulheres numa posição fragilizada e oferecendo um péssimo e perigoso serviço. E lá fora, para quem numa União Europeia de livre circulação de pessoas e bens quisesse e pudesse deslocar-se a outro Estado onde a IVG é legalmente permitida. Este último continuará. O outro, em Portugal, passa a oferecer legalidade em vez de clandestinidade, qualidade em vez de mediocridade. Caberá essencialmente ao Estado - ao SNS - a tarefa de oferecer às mulheres o serviço médico que lhes permitirá satisfazer a sua necessidade, produto da sua (sempre difícil) decisão. Não sem dificuldades, é certo.

Primeiro, o SNS tem enormes problemas financeiros, os quais obrigaram e obrigam ao encerramento de diversas unidades de saúde, em particular maternidades e em particular em zonas do País mais pobres, precisamente onde porventura a prática clandestina da IVG e as suas consequências terríveis mais se faziam sentir.

Segundo, como acontece com qualquer outro acto médico, as mulheres podem concluir que o SNS não satisfaz as suas necessidades. Questões de qualidade, celeridade, ou privacidade, p. ex., podem pesar na sua avaliação.

Por último, os profissionais de saúde têm o direito de invocar objecção de consciência, o que pode dificultar e, no limite, impedir a realização da IVG dentro do prazo agora legal. Estes são desafios difíceis (mas possíveis) de ultrapassar pelo sector público. Mas nada impedirá que o acto médico que é a IVG seja (continue) igualmente oferecido pelo sector privado, aumentando assim as possibilidades de escolha para as mulheres. Sem dúvida que incomodará (e incomoda) pensar que alguém possa lucrar com a IVG, no entanto, dependendo dos contornos da legislação, poderá ser possível definir obrigações para o sector privado que permitam, por exemplo, obter meios de financiamento adicionais para a realização de campanhas de esclarecimento, para a educação sexual ou para a difusão dos métodos contraceptivos. Seja como for, o importante é que o "vão de escada" não faça parte das opções de escolha. Porque, sem contra-sensos, essa (esta) é a vitória da vida humana.

PS - É urgente reduzir/eliminar a abstenção técnica estimada em cerca de 10% que ocorre em cada votação em Portugal (que tecnicamente torna este referendo vinculativo).

Anónimo disse...

Ainda o referendo

por Eduardo Dâmaso, in DN, 2007.02.13

O resultado do referendo que despenaliza a interrupção voluntária da gravidez até às dez semanas coloca vários desafios ao Estado e ao Governo que são já conhecidos e foram debatidos na campanha. Como vai o Serviço Nacional de Saúde organizar-se para receber esta prestação de cuidados médicos à mulher; como vão organizar-se os serviços para superar eventuais bloqueios que derivem da respeitável mas não insuperável invocação de objecção de consciência por parte dos médicos; em que moldes vai o Estado convencionar com as clínicas privadas a prestação destes cuidados e a fiscalização do que vier a ser acordado; quanto tempo vai demorar a alteração ao Código Penal, enfim, o rosário de trabalhos é grande e dá a dimensão da gigantesca tarefa que ainda está pela frente.

Uma coisa é certa: apesar da vontade colocada pelo Governo e pessoalmente pelo primeiro-ministro na rápida concretização da vontade manifestada pela maioria de portugueses que votou a favor do sim no referendo, é provável que o processo demore alguns longos meses e só em 2008 esteja integralmente concluído.

Neste contexto ganham alguma relevância as questões que têm sido colocadas sobre o que vai acontecer aos processos judiciais que possam estar em curso contra mulheres que abortaram, seja na fase de inquérito ou de julgamento, enquanto não entrar em vigor a nova lei. Sabendo-se que em Portugal vigora o princípio da legalidade, ou seja, todos os indícios criminais conhecidos ou participados têm de ser investigados, poderá ocorrer a suprema ironia (e injustiça!) de serem abertos inquéritos ou realizados julgamentos que ignorem a realidade política e jurídica criada com o resultado do referendo. É difícil mas, em teoria, é possível.

Há soluções jurídicas que podem ser aplicadas, desde expedientes dilatórios para evitar julgamentos ou o arquivamento dos processos ainda em fase de inquérito, mas no essencial tudo está dependente do equilíbrio e bom senso dos magistrados.

Se as delongas forem muitas na entrada em vigor desta nova clásula de exclusão da ilicitude em relação ao crime de aborto, sempre haverá, presume-se, a possibilidade de o Governo não indicar este crime nas prioridades de investigação criminal que em Abril vai apresentar na Assembleia da Re- pública. O ideal, porém, seria que tal não fosse necessário. E que, ao menos desta vez, fizéssemos tudo bem e rápido.

Anónimo disse...

Para a história da liberdade em Portugal

in Público, 13.02.2007, Vital Moreira

A Igreja Católica deixou de comandar a consciência moral dos portugueses e as opções políticas do Estado


Como escrevi num depoimento para o jornal El País no sábado passado, o que se decidia no referendo não era somente saber se o aborto voluntário deveria, ou não, deixar de ser crime em Portugal. Tratava-se também um "teste civilizacional", entre a pré-modernidade ou a modernidade, entre a confusão ou a separação entre a ordem moral e a ordem penal, entre o império religioso ou o Estado laico. Como explicou, por sua vez, Eduardo Lourenço, estava em causa mais um confronto entre o Portugal rural, católico e conservador e o Portugal urbano, laico e liberal.
A expressiva vitória da despenalização no referendo, ainda por cima com uma participação muito superior à do referendo de 1998, significa um claro triunfo da modernidade em Portugal, da liberdade individual e autonomia moral sobre os dogmas religiosos, da laicidade do Estado na definição dos valores tutelados pela lei penal, do alinhamento do país com o paradigma europeu da autonomia feminina, da liberdade pessoal e dos limites da repressão penal.
De facto, este referendo teve vencedores e vencidos.
Venceu a despenalização limitada e moderada da interrupção voluntária da gravidez; o direito das mulheres a uma maternidade consciente e responsável, não sendo obrigadas a optar entre o aborto clandestino ou uma gravidez indesejada e uma maternidade forçada; os movimentos cívicos pelo "sim", que agregaram um largo espectro social, desde os liberais de direita aos militantes do BE; o PS e demais forças políticas de esquerda, bem como a ala liberal do PSD; os médicos e os católicos "pela escolha".
Se quisermos seleccionar um vencedor individual, ele é indubitavelmente José Sócrates. Não apenas pelo seu empenhamento na vitória do "sim" e na mobilização do PS para a campanha (que diferença em relação a 1998!), mas também pelo triunfo da sua estratégia de apostar no referendo e de se comprometer em respeitar o seu resultado, rejeitando sempre a ideia de votar a lei sem consulta popular (como insistia o PCP) e correndo o risco de uma grande derrota partidária e pessoal.
Perderam o referendo a repressão penal do aborto e o aborto clandestino; o "direito à vida do feto"; a Igreja Católica, e as suas organizações; o fundamentalismo dos movimentos do "não"; o CDS-PP e a demais direita política; o PSD conservador (com Marques Mendes e Marcelo Rebelo de Sousa em destaque); a Ordem dos Médicos, sobretudo o seu bastonário.
Se quisermos singularizar o grande perdedor, o galardão não pode deixar de ser atribuído à Igreja Católica. Não somente pelo protagonismo de muitos bispos e padres na luta pela manutenção da criminalização do aborto, mas também pelo domínio de personalidades alinhadas com a Igreja Católica nos partidos e movimentos do "não" e, sobretudo, pela omnipresença das suas numerosas organizações subsidiárias na campanha (Associação dos Médicos Católicos, Acção Católica, Opus Dei, etc.).
Também nisso o resultado do referendo constitui um feito histórico: desde a implantação da República que a Igreja Católica não sofria uma derrota política tão profunda e desta vez directamente às mãos do voto popular. Decididamente, ela deixou de comandar a consciência moral dos portugueses e as opções políticas do Estado. A separação entre o Estado e a religião deu um decisivo passo em frente. O Código de Direito Canónico deixou de ser lei constitucional entre nós.
Apesar de a geografia do voto referendário ter mantido a tradicional divisão político-cultural do país em dois mundos assaz distintos, desta vez, porém, o domínio do "sim" estendeu-se claramente para norte e para o interior. Foi no Sul e na Grande Lisboa que a vitória do "sim" teve mais expressão, como era de esperar. Mas foi no Centro e no Norte e nas ilhas que o "sim" subiu mais em relação a 1998, em alguns casos com diferenças superiores a 15 pontos percentuais. O triunfo nacional da despenalização também passou por aí, incluindo nos terrenos onde o "não" ganhou. Portugal está a mudar também quanto a esse "dualismo civilizacional".
Agora, vencido o referendo, há que implementá-lo legislativamente sem demora, não fazendo sentido manter em vigor uma norma penal que perdeu toda a legitimidade política. Já havia um projecto de lei do Partido Socialista aprovado na generalidade na Assembleia da República. Só resta aprová-lo na especialidade, introduzindo o procedimento de consulta e de reflexão prévia com que o PS se comprometeu durante a campanha do referendo. Depois, há que regulamentar a realização da interrupção voluntária da gravidez (IVG) nos estabelecimentos do Serviço Nacional de Saúde e nos serviços de saúde do sector privado, garantido a igualdade de acesso a todas as mulheres, independentemente dos seus rendimentos (ou falta deles).
O referendo não implica somente a alteração do Código Penal, mas também do Código Deontológico e do estatuto disciplinar da Ordem dos Médicos. É insustentável que a OM possa censurar deontologicamente actos médicos que deixaram de ser penalmente ilícitos, o que, aliás, foi utilizado de forma obscena pelos médicos opositores à despenalização durante a campanha do referendo. Tal como sucedeu em França, a Ordem deve proceder obrigatoriamente a essa modificação. O Código Deontológico e Disciplinar da OM não pode replicar o da associação dos médicos católicos. Os médicos contrários à legalização da IVG podem seguramente invocar o direito à objecção de consciência; mas não devem poder fazê-lo com base numa disposição deontológica sectária imposta a toda a gente.
Como instituições públicas que são, as ordens profissionais não podem considerar profissionalmente ilícito aquilo que a lei explicitamente considera lícito. É tempo de desconfessionalizar e de "des-salazarar" a Ordem dos Médicos.

Anónimo disse...

Sujeitos passivos

por Fernando Sobral, in Jornal de Negócios, 2007.02.13

Pior do que alguém que não vê é alguém que, em democracia, se esqueceu de ver. Sócrates pode ter ganho nos votos, Marques Mendes pode ter sido vencido. Ambos perderam contra os mais de 50% de abstencionistas. No referendo a democracia chocou contra o elefante da abstenção. E acabou esmagada. Os políticos não conseguiram ser sereias capazes de encantar o povo.
Os políticos não conseguiram ser sereias capazes de encantar o povo. E este, na falta de praia, e com excesso de centros comerciais disponíveis, preferiu evitar deslocar-se a uma urna. Os políticos, na noite eleitoral, falaram da maturidade do povo português. Nada mais falso. Os portugueses são sujeitos passivos, como quase sempre foram. Gostam, sabe-se lá porquê, que alguém pastoreie a nação por eles. Os portugueses vivem em profunda indiferença. Ficam inertes face ao que os outros decidem. Essa falta de energia torna a democracia portuguesa algo que definha. Nos referendos, os portugueses são como na economia: evitam arriscar. Preferem o gesto mais fácil da crítica ao que os outros não fizeram. Quando votam em partidos transferem esse odioso para os políticos. Quando o seu voto os torna decisores directos fogem dos espinhos da decisão. Mas os dirigentes políticos não podem isentar-se da fuga dos cidadãos ao voto. Sem a acção destes é todo um sistema que definha. No domingo, Portugal pareceu um deserto. A democracia ficou seca. E parece que ninguém percebe que não há oásis à vista.