quinta-feira, junho 22, 2006

F&V - Avaliar é preciso!


(Publicado na edição de 22 de Junho de 2006 na rubrica FRENTE & VERSO do jornal BARLAVENTO)

Como qualquer outra organização, a Administração Pública deve estar sujeita a processos de avaliação permanentes que contribuam para a sua melhoria contínua e para o cumprimento cabal da sua missão.

No caso em apreço, é necessário sublinhar que a primeira função do professor é ensinar e preparar os seus alunos para enfrentar as dificuldades da sua vida profissional, independentemente do nível de ensino, incutindo-lhes o gosto pelo estudo e o sentido de responsabilidade.

Tal como os alunos, que esta semana começaram a ser submetidos aos exames finais do Ensino Secundário e que vão condicionar o seu acesso ao Superior, também as escolas e os docentes devem ser submetidos periodicamente a processos rigorosos e independentes de avaliação.

No caso dos estabelecimentos de ensino, deveria ser avaliada a actuação dos conselhos executivos, a sua interacção com a comunidade, a capacidade de resposta às necessidades do mercado de trabalho e a boa gestão dos recursos disponíveis, entre outros factores a serem considerados.

Em relação aos professores, não se pode aceitar que se aceda livremente ao topo das carreiras apenas pela natural evolução do calendário, independentemente da sua preparação científico-pedagógica e do seu empenhamento nas tarefas lectivas, sendo imprescindível que se institua a meritocracia como critério primeiro dessa progressão.

Englobados numa reforma sem precedentes do nosso sistema educativo, estes processos de avaliação deverão ser contemplados como a forma de separar o trigo do joio, de estabelecer uma competição saudável entre as escolas e como um contributo essencial para dignificar a classe docente e restituir-lhe o respeito que os professores sempre mereceram!

Perguntam-nos agora se os pais devem participar nesse processo de avaliação?!

É difícil descobrir como com a actual organização da sociedade, com pais ocupados nas suas actividades e com pouca ou nenhuma preparação pedagógica na generalidade dos casos, mas é inevitável que as escolas e os professores se empenhem no reforço dos laços com as famílias, as empresas e as instituições locais…

O processo de avaliação das escolas também deve passar por aí, pela sua capacidade de fazer participar a comunidade na educação das crianças e jovens, nomeadamente através da ocupação dos respectivos tempos livres, na oferta de programas de enriquecimento curricular, na fixação dos seus objectivos funcionais e na avaliação do seu cumprimento.

As reformas em curso são indispensáveis para combater níveis insatisfatórios de insucesso escolar e permitir a concretização de um modelo de desenvolvimento baseado no conhecimento e na tecnologia. É tempo de incentivar o empenhamento dos gestores escolares, dos docentes e dos alunos na prossecução das suas missões, principalmente quando estamos a lidar com os escassos recursos financeiros do Estado e com o futuro de Portugal!

10 comentários:

Eduardo Graça disse...

Vi só agora o comentário deixado no absorto. Obrigado. Vou linkar.

Anónimo disse...

Concordo com a existência de avaliações, mas tem quer ser competentes e sérias, feitas por entidades externas.
O actual sistema de avaliação na função pública não é mais do que promover na maioria das vezes os incompetentes e graxistas dos chefes, tendo ainda um efeito adverso, é que aqueles que são competentes e querem trabalhar chegam à conclusão que mais vale desistir com este tipo de monstro que está instalado na nossa administração.
Ser trabalhor e competente não é suficiente para vencer, é também necessário ser uma espécie de malabarista nas suas mais variadas vertentes.
Que haja coragem para alterar este tipo de marasmo!!!

Ai meu Deus disse...

Este é um texto como muitos outros que se escrevem por aí e como tudo o que a ministra da educação diz quando se não limita a dizer mal dos professores: enuncia princípios com que genericamente todos concordam, mas que não adiantam nada até que se traduzam em medidas concretas que, aí sim, são muitas vezes (e têm sido frequentemente) um desastre. Um desastre.

Além disso, há neste texto algumas, como agora se lhe chamam, inverdades. Os professores são (têm sido) avaliados segundo regras muito mais justas e racionais do que as que agora se propõem (só não limitam a progressão como estas, "economicisticamente", o fazem). Deixem-se de histórias: a progressão na carreira dos docentes não é automática; ao contrário, o que agora se propõe é que a não progressão seja a regra (de mais de 2/3 dos profes).

Vou dar só um exemplo para mostrar que isto é verdade: avaliados pelas novas regras, os professores podem ser excelentes, mas só progridem se o "numerus clausus" lhes abrirem lugar (e abrem, insisto, a apenas menos de 1/3 deles). Que raio de avaliação é esta?

Anónimo disse...

Estou plenamente de acordo com o princípio da avaliação, não só de professores, como dos funcionários públicos em geral.
A questão está em saber com que seriedade/rigor/transparência vai ser implementado o processo.(Quando se fala em quotas de 1/3, para o topo de carreira, qualquer pessoa percebe que a prioridade não é propriamente promover a qualidade de ensino ou dignificar a classe docente, mas sim poupar umas coroas para uma qualquer vaidade mastodôntica que dê votos...)
A ministra que diga a verdade: "esta proposta é, na sua essência, inconstitucional; tem pertinência discutível e dignidade duvidosa; mas, apesar de tudo, vai ser aprovada por maioria simples, o que vai contra as mais elementares regras do regime democrático"; enfim, sinais dos tempos...
Com estas e com outras, quando dermos por nós quereremos ser tudo menos portugueses...

Anónimo disse...

Não deveis invocar o santos nome de Deus em vão ou, pior ainda, em causa própria...
Os senhores professores estão com receio de ficarem de fora nos processos de avaliação devido aos "numerus clausus"?! E os demias funcionários públicos, desde o servente ao técnico superior mais qualificado, não estão eles próprios submetidos aos mesmos condicionalismos?! E quem os defende na praça pública?!
Seria possível continuar a ter valores entre os 92 e 95 por cento de "Muito Bons" e 4 ou 6 por cento de "Bons" na Administração Pública Central, Regional e Local e continuarmos a passar por todos por calões, incompetentes e desonestes por causa de meia dúzia de "laranjas podres" que conspurcam o "cesto"?!
Que se dotem as chefias dos meios e recursos necessários para fazer avaliações correctas e justas que favoreçam o mérito e o profissionalismo, o empenhamento no serviço e na sua qualificação pessoal! Que se responsabilizem os dirigentes incompetentes e incapazes de promover os processos de avaliação e de bem gerir os seus recursos humanos! Que se demitam aqueles que não cumprem os planos de acção e não promovam a elaboração dos relatórios sociais...

Anónimo disse...

Já agora, como vou ter que voltar à escola, pois parece que a mama do sindicato vai acabar, será que podiam colocar-me numa Comissão de Avaliação?!

Anónimo disse...

A propósito das avaliações e do processo continuado de desacreditação dos Professores que a Ministra quer impor à opinião pública, gostaria que os Professores pensassem no seguinte:

Em vez de fazerem greves inócuas, que ainda por cima cheiram a férias desapropriadas entre feriados, os professores deviam pensar seriamente em cumprir *integralmente* nas suas escolas o seu horário de trabalho. Passo a explicar:

Pela manhã, *TODOS* os professores se apresentavam nas suas escolas para iniciarem o seu dia de trabalho. Agora vai ser necessário um pouco de aritmética, mas da mais básica. Se um professor tem 3 horas de aulas num dia, cumpre mais quatro horas de permanência na escola. Nessas quatro horas é suposto corrigir testes, preparar aulas, elaborar enunciados das provas, etc., etc. Tudo o que se relacione com a sua profissão e que normalmente está habituado (mal) a fazer em casa. É também suposto utilizar as secretárias, as cadeiras, os computadores e as impressoras da escola para o seu trabalho. É que também é suposto que, antes de exigir resultados, a escola lhe forneça condições de trabalho.

No final das sete horas de trabalho diário (7 x 5 = 35) saíam da escola para casa, deixando na escola o trabalho que ficou por fazer.

Facilmente os Conselhos Executivos chegarão à conclusão que a escola não oferece condições aos professores para que estes trabalhem, e terão que o comunicar ao Ministério, ou não há seriedade. Ou tentarão os Conselhos Executivos agir de forma a convencerem os professores de que como estes se acotovelam na escola o melhor será irem para casa?

Mas poderão os professores ser penalizados por quererem exercer o seu trabalho no local de trabalho que lhes está por natureza determinado?

Deixem de ser um bando e passem a actuar como um grupo. TODOS para as escolas desde manhã a cumprir o horário de trabalho na escola, o local de trabalho natural.

Atasquem completamente as escolas com a vossa presença e deixem que a ausência de condições de trabalho faça o resto.

Deixem-se de greves inócuas e atrapalhem verdadeiramente o sistema de forma legal.

Provem de uma vez por todas que querem trabalhar e que este patrão não vos dá condições de trabalho apesar de vos exigir resultados, e ainda por cima enxovalhando-vos continuamente.

Substituam os sindicalistas que vos representam tão mal e que já não sabem o eue é dar uma aula há mais de 20 anos por Professores que saibam discutir os assuntos de forma séria.

Sejam de uma vez por todos PROFESSORES UNIDOS.

Se assim não for, rendam-se às evidências e façam o trabalho dos auxiliares educativos, que ajudam o ministério a poupar uns cobres.
E NÃO SE QUEIXEM.

Para quem não sabe, não sou professor. Sou um reles engenheiro que às vezesvpensa nestas coisas, muitas delas quando às quatro ou cinco da manhã grito para a minha mulher que está no escritório a corrigir testes e pergunto se não se vem deitar.

Agora façam a vossa parte. Façam forward deste mail para todos os vossos Amigos, especialmente os professores. Comecem a divulgar esta ideia e pode ser que tenham um futuro melhor.

Anónimo disse...

Artur,

1. não há greves inócuas. E o poder (também) sabe disso.

2. Quanto aos tais dirigentes sindicais que o são há muito tempo (eu nunca fui diirigente, embora seja associado de um sindicato há muitos anos): é curioso que quem insiste nessa ideia sejam precisamente os não sindicalizados, governantes e comentadores incluídos; que interesse tem M. Sousa Tavares, por ex., em reivindicar isso? Não é curioso que assim seja?

Anónimo disse...

A indisciplina escolar

por Vasco Graça Moura, in DN, 2006.06.28

Sobre a questão da indisciplina nas escolas publicou Fátima Bonifácio um veemente e indignado artigo no Público de sexta-feira passada. Escolas transformadas naquilo a que ela chama "depósitos de delinquentes", professores (e sobretudo professoras) insultados e agredidos, alunos normais aterrorizados, tudo isto, mais a ausência de elementares medidas de vigilância, polícia e sanção, está a criar uma situação explosiva no ensino.

É claro que essa saída existiria sem dificuldades no domínio do politicamente incorrecto. Se o professor, ou alguém por ele na escola, pudesse dar duas boas chapadas ao jovem agressor, insurrecto e malcriado, o problema resolvia-se em quinze dias. E, se as coisas continuarem assim, virá o tempo em que não haverá outra solução que não seja a restauração das palmatoadas e dos castigos corporais, quer se goste quer não se goste. Nunca fizeram mal a ninguém e, se sempre foram uma estupidez no que respeita ao mau aproveitamento, também sempre mostraram bastante eficácia no que toca às agressividades.

Num livro que já não é recente, A Pedagogia da Avestruz /Testemunho de Um Professor (2.ª ed., Gradiva, 2004), Gabriel Mithá Ribeiro analisa com argúcia, entre outras matérias de relevância para a vida escolar, o problema da indisciplina e reconhece que esteve à beira dessa atitude: "Cheguei a ter de jogar alunos e respectivo material pela porta fora, porque se recusavam a obedecer à ordem de expulsão da aula; cheguei a agarrar pelos colarinhos alunos que me invadiam a sala; cheguei a pôr o dedo em riste em algumas situações. Arrisquei a minha pele? Sim, mas ganhei o respeito dos outros e assim pude trabalhar (…)."

É muito pertinente a maneira como aborda a concepção da escola e rejeita a "incompreensível confusão entre os espaços simbólicos da família e da escola", afirmando a necessidade de um poder coercivo legítimo, com a possibilidade de sanções, "sempre legítimas e indispensáveis, no limite, da exclusão de quem não se compatibiliza com as normas".

É radical a sua crítica do pensamento e da prática dominantes na busca dos consensos que pretendem tornar os alunos "parceiros a tempo inteiro das decisões, no âmbito da vida escolar", o que é "uma falácia justificadora da fraqueza dos adultos". Por outro lado, as vicissitudes de natureza burocrática tendentes a efectivar a responsabilidade dos alunos são, como ele lhes chama, "meandros kafkianos".

É extraordinária a descrição que faz das hesitações dos professores e das delongas de preparação, instrução e apreciação dos processos: "Participei no mês de Junho em discussões sobre maus comportamentos que se arrastavam desde Outubro, para optarmos por penas simbólicas." E, enfim, a cereja no cimo do bolo: "Na maior parte das reuniões desta natureza em que participei, emerge de seguida o lado humano, cujos produtos finais, em bom rigor, dever-se-iam chamar impunidade, permissividade e irresponsabilidade."

Para Mithá Ribeiro, como para qualquer pessoa sensata, a "pieguice pedagógica" não tem pés nem cabeça, o bom selvagem de Rousseau não existe e a "questão dos aberrantes e politicamente correctos castigos pedagógicos é toda ela pensada partindo de uma visão demasiado optimista da condição humana e da vida social, como toda a actual filosofia do ensino".

A cultura profissional dos docentes é também uma das principais causas da indisciplina: "Quando tudo se centra no aluno, aos professores resta o sentimento de culpa, de auto-flagelação por todos os males que afectam o ensino." E "os próprios professores, a começar pelos conselhos executivos, têm discursos e práticas contra toda e qualquer forma de exercício de autoridade".

No sentido de inverter o rumo que as coisas levam, Mithá Ribeiro propõe a criação de comissões disciplinares nas escolas. A elas caberia a definição da estratégia disciplinar do estabelecimento, o recebimento das participações, a abertura e instrução dos processos, o poder de suspensão imediata dos alunos nos casos mais graves, o contacto com os pais, a presidência dos conselhos de turma de natureza disciplinar, a resolução de diferendos entre docentes e encarregados de educação, o calendário e a fiscalização do cumprimento das penas e uma vigilância constante ao longo do ano em matéria disciplinar.

Não sei se a ideia resulta. É possível. Mas, entretanto, talvez fosse preferível ir mandando regularmente a polícia para as escolas mais problemáticas.

Anónimo disse...

O lugar dos filhos

por José Manuel Fernandes, in Público, 2006-06-27

No passado sábado, o caderno de fim-de-semana do Financial Times publicava um interessante texto sobre a forma como tem evoluído o lugar das crianças na sociedade. Ou, se preferirmos, dos filhos nas famílias.
O ponto de partida era o habitual: as taxas de natalidade têm caído de forma consistente no mundo desenvolvido. O ângulo de abordagem é que era completamente diferente. Em lugar de falar do habitual - os novos hábitos de vida, o novo lugar da mulher na sociedade e no mercado de trabalho, o casamento ou o divórcio, os dilemas entre ter um filho ou seguir uma carreira profissional -, o texto recordava que, no passado, ter filhos era importante para assegurar a própria sobrevivência, enquanto hoje ter filhos surge com frequência como um "peso" que só pode ser compensado por uma forte recompensa emocional.
Vale a penas explicar um pouco melhor o raciocínio, pois ele permite perceber melhor por que razão as taxas de natalidade começaram a cair ainda antes da generalização da pílula e como é difícil associá-las directamente à religião praticada ou ao seu peso na sociedade. Durante séculos, mesmo milénios, ter filhos era garantir que se teria braços para ajudar nos campos (depois nas fábricas) e que conservar os filhos por perto podia funcionar como uma espécie de "seguro na velhice", quando lá se chegava. Há romances do início do século passado que contam histórias de famílias que pediam crianças a orfanatos para as ajudarem nos trabalhos agrícolas e ainda hoje há registos de generalizado trabalho infantil em muitas partes do mundo (incluindo certas regiões de Portugal).
A mudança começou primeiro com a universalização do ensino e, mais recentemente, com a condenação do trabalho infantil. Mas prosseguiu depressa para o pólo oposto. O Financial Times relatava a recente inauguração em Londres de uma sofisticada loja da Dior exclusivamente dedicada a produtos para crianças (Baby Dior) e via nela um sinal de como se passou rapidamente do tempo em que se dizia que não se devia estragar uma criança com mimos à era em que a criança é o centro absoluto da vida familiar, determinando-a em todos os pormenores. Judith Harris, autora de uma obra recente sobre a formação do carácter das crianças e ela mesma uma avó, lamentava mesmo a tendência para "o lar deixar de ser comandado pelos pais, antes depender da vontade das crianças", algo que constatara ser prejudicial à vida familiar.
Esta hiperprojecção de expectativas nos filhos e a tendência para subordinar ao seu bem-estar - por vezes mais idealizado do que real - toda a vida familiar implica naturalmente que escolher ter um filho represente hoje um tal investimento emocional e financeiro que assusta muitos potenciais pais. E assusta mais ainda nos países onde a transição entre o mundo rural e o urbano ocorreu há menos tempo e de forma mais rápida, países onde as mutações culturais e sociais foram também mais abruptas, como se pode comprovar olhando para os números de natalidade da Europa do Sul, os mais baixos da União Europeia.
É por isso que é necessário muito mais do que um ou outro incentivo fiscal para inverter esta tendência inexorável. É necessário quer reequilibrar a relação entre investimento e expectativas, quer criar condições para que os outros óbices a ser-se pai, ou sobretudo ser-se mãe, antes dos 30 anos e, depois, ter mais do que um filho, desapareçam. Ora esses obstáculos estão muito longe de ser sobretudo económicos e, por isso, resolúveis, devolvendo aos pais uma parte dos seus impostos. E não podemos continuar a ignorá-los, até em nome dos poucos filhos que vamos tendo.