segunda-feira, outubro 17, 2005

Aí está...


O Governo entregou a proposta de Orçamento de Estado para 2006 na Assembleia da República, aguardando-se agora o coro das críticas e o festival das lamúrias, o anúncio de greves e de manifestações...

Aposto que amanhã bem cedo, certos partidos responsáveis da oposição vão declarar que votam contra, outros que as propostas são inaceitáveis ou que são sempre os mesmo a pagar a crise. É o País que temos, são os políticos que elegemos... É A VIDA!

6 comentários:

Unknown disse...

E voltam outra vez com a ameaça das portagens nas SCUTS... 'tá aqui, 'tá o povo na rua, ou melhor, na EN 125!

ALGARVE - REGIÃO LIVRE DE PORTAGENS, SEMPRE!

Anónimo disse...

Os analistas exultaram ao descobrir no Orçamento do Estado traços reveladores de seriedade: o cenário macroeconómico é credível, não há, aparentemente, despesa varrida para debaixo do tapete, as projecções do crescimento económico e da evolução do petróleo são realistas.
São boas notícias. Mas encerram uma moral perversa: o facto de o Orçamento para 2006 ser um exercício sério, sem truques nem manifestações prodigiosas de criatividade, é em Portugal uma ‘anomalia’ que merece, ainda, ser sublinhada. O que não abona em favor do país e dos seus políticos. Não deixa de ser significativo que os cidadãos se surpreendam com o que é normal: a honestidade intelectual e a seriedade dos titulares de cargos políticos e a sua responsabilidade perante o país ao apresentar um Orçamento do Estado. A seriedade não pode nem deve ser uma medalha ou, no limite, um fim em que se esgota a missão dos políticos. É, sim, um pressuposto que os cidadãos têm o direito de exigir. O importante não é apenas ser sério mas saber o que se faz com a seriedade. E essa lição vale tanto para a elaboração dos orçamentos como para o exercício da política. Regressemos, assim, às boas notícias: o Orçamento do Estado para 2006 é sério; e sublinhemos o aviso: a seriedade não chega se não estiver acompanhada de visão e de vontade política.

Anónimo disse...

Por muitas dúvidas cartesianas que o Orçamento do Estado permita a cabeças tecnicamente formatadas, há no texto uma virtude inquestionável: é politicamente corajoso. No fundo porque chama as pessoas à realidade, contando, sem subterfúgios, a verdade.
É bom que se interiorize o desígnio que emerge do que se tem construído como uma tragédia nacional: Portugal tem de começar a viver com a riqueza que produz. O caminho faz-se prosseguindo e perseguindo o fim de privilégios corporativos enxertados em bolsas de egoísmo ao longo de 30 anos de democracia – o cidadão intuiu a sua segurança como um bem inexpugnável, apagando o contributo fundamental para a segurança do outro. É bom que haja contestação pela diminuição de contrapartidas nas reformas antecipadas, é normal e saudável que os autarcas e os líderes regionais estrebuchem por terem de contribuir para o país onde existem. Há exemplos que mostram a compreensão dos eleitores: Rui Rio e Fernando Seara ganharam eleições sem promessas. O primeiro Orçamento de José Sócrates oferece pouco e exige muito. É esse pormenor que o transforma num contributo para o verdadeiro choque que o país precisa: aprender a viver dentro das suas possibilidades. O que não significa perda de ambição. Pelo contrário.

Anónimo disse...

OOrçamento saiu o que se esperava e temia. Mas acabámos a desejar e a saudar aquilo que mais temíamos: um orçamento com cortes no investimento público e subida de impostos. Para aqui chegarmos, foi preciso que sucessivos anos e sucessivos governos de desleixo tivessem conduzido as coisas até um ponto tal que aquilo que resta de realismo e responsabilidade em termos de opinião pública percebeu que o país não poderia continuar eternamente a endividar-se para sustentar um Estado que é grande de mais para as necessidades, ineficiente demais para o que gasta e gastador de mais para a riqueza do país.
Praticamente, já só o PCP e os sindicatos conseguem ainda olhar para este Orçamento e dizer que ele não fomenta o crescimento económico, apostando numa taxa de crescimento do PIB para 2006 que não vai além de 1,1 por cento. Como se, nos tempos que correm, pudesse ser o Orçamento a determinar a taxa de crescimento e não o oposto. Desgraçadamente, nem a conjuntura internacional, nem os preços do petróleo, nem as disponibilidades financeiras do Estado permitem ressuscitar do seu eterno descanso a receita, outrora mágica para estados de depressão como este, de lorde Maynard Keynes. A última pessoa que ouvi manifestar essa fé nas políticas expansionistas baseadas nos gastos públicos, foi o professor Cavaco Silva, defendendo uma "política contraciclo" - estava Manuela Ferreira Leite a tentar começar a pôr ordem nas contas públicas e o Presidente Jorge Sampaio a sugerir-lhe que "havia mais vida para além do défice". Tais desabafos em contraciclo soaram como música aos ouvidos de Santana Lopes, que, por esta altura do ano passado, já insinuava que a crise estava no fim e que iria ser possível uma subida real de salários, sem aumento de impostos e do défice público. O preço estamos a pagá-lo agora e vamos pagá-lo ainda mais duro no ano que vem.
Pelo menos, uma coisa justa neste orçamento é que todos vão sofrer e não apenas alguns: os trabalhadores por conta de outrem, os funcionários públicos, os pensionistas, os aforradores, os militares, as autarquias e as regiões. Todos, menos os empresários: para eles continua a vigorar a baixa do IRC determinada pelo governo de Durão Barroso e, apenas marginalmente, pela subida de preço dos combustíveis e electricidade, irão sentir que o Estado está em dificuldades. Seria bom que os empresários se mentalizassem do enorme esforço que está a ser exigido aos trabalhadores, aos reformados, aos pagadores de impostos. E que deixassem a sua eterna invocação da condição de criadores de riqueza em teoria, para passar a sê-lo na prática, sem que isso implique o direito de reclamar sem cessar privilégios, apoios, favores do Governo. Se, por uma vez, alguém se propõe pôr o Estado a gastar apenas o que tem, invertendo o caminho para a ruína das finanças públicas - e fazendo-o sobretudo pela via das receitas acrescidas, que, se calhar, é a única possível por enquanto -, manda a mais elementar decência que ninguém reclame para si um privilégio enquanto houver outros a sustentar um sacrifício desmedido para sanear as contas públicas. Dito por outras palavras, espero que este orçamento e as privatizações que aí vêm e que em parte o vão financiar, não convivam com os habituais negócios de favor ou de tráfico de influências entre o Estado e os privados. Isso e o esbanjamento de dinheiros públicos, gota a gota, em inúmeros sectores e serviços públicos, são agora, mais do que nunca, uma afronta insustentável. Há dois cancros no nosso modo habitual de viver que, definitivamente, têm de acabar: a economia paralela e a economia batoteira.
Tomemos o exemplo das recentes suspeitas levantadas pela PJ sobre a actuação de alguns bancos nas off-shores, designadamente o da Madeira. E deixemos de lado, por enquanto, as suspeitas, fundadas ou não, sobre branqueamento de capitais, que é coisa mais séria e não pode ser tratada levianamente. Mas, quanto às suspeitas da utilização dos off-shores para evasão fiscal, a coisa roça a hipocrisia. Toda a gente sabe para que serve uma off-shore e não é de certeza para fazer filantropia. Mas nós quisemos ter a nossa off-shore, tão do agrado do dr. Jardim. Lá estão sediadas três vezes mais empresas do que o número total de funcionários que empregam, o que dá para imaginar a riqueza que acrescentam ao país. Quando Guterres era primeiro-ministro, perguntei-lhe uma vez que interesse económico, que justificação política, tinha a off-shore da Madeira. E ele deu-me a resposta de sempre: não vale a pena proibi-la porque os capitais que fogem para lá passariam a fugir para outro qualquer paraíso fiscal, por esse mundo fora. Pois é, mas, apesar de tudo, há uma diferença, quanto mais não seja ao nível da consciência social, entre ter o dinheiro a coberto do fisco em território nacional e legalmente, ou tê-lo escondido do fisco no estrangeiro. E, sobretudo do ponto de vista do Governo, há um problema ético fundamental em taxar até 42 por cento os rendimentos de quem trabalha e não quer ou não pode escapar, e, simultaneamente, permitir que as grandes fortunas se escondam do fisco a coberto da licença do Estado no off-shore da Madeira. Seja qual for o ponto de vista ético ou político que se defenda, da Opus Dei à social-democracia, é revoltante que os governos mundiais desistam de taxar o grande dinheiro e se compensem exigindo tudo o que podem aos pequenos. Tanto mais que hoje não há maneira de fingir ignorar que as off-shores são um instrumento essencial para esconder e lavar o dinheiro mais sujo do mundo: o do tráfico de armas e de droga, de financiamento do terrorismo e de salvaguarda dos capitais roubados a países miseráveis pelos seus governantes corruptos. Ficaria bem a um governo socialista ter o acto de decência de pôr fim ao paraíso fiscal da Madeira.
Portanto, sem outra solução credível e não podendo nós continuar a adiar a caminhada para o abismo, só nos resta aceitar os sacrifícios que este orçamento nos exige. Mas nada dispensa as contrapartidas: que o controlo da execução orçamental se faça não apenas a nível contabilístico, mas também a nível ético e de justiça social.
PS: Circula na Internet, espalhando-se como fogo na pradaria, um texto intitulado Um crime na Ota, cuja autoria me é atribuída e onde, entre outras coisas, se afirma que o dr. Mário Soares seria um dos proprietários dos terrenos da Ota - razão pela qual se teria decidido candidatar à Presidência da República, para melhor forçar a execução do projecto. Quem, realmente, isto escreveu não conhece o dr. Mário Soares nem me conhece a mim. Eu, de facto, sou contra o projecto da Ota, a menos que me convençam dos méritos do projecto, que ainda não alcancei. E, de facto, escrevi sobre isso, aqui no PÚBLICO um texto com aquele título. Mas quem me conhece minimamente sabe que a calúnia não faz parte dos meus métodos de argumentação. Alguém, que não tem coragem para dar a cara pelas opiniões próprias e pelas difamações que produz, pegou no meu título e no meu nome e usou-os num texto onde não existe uma única palavra da minha autoria. Não é a primeira vez que, a coberto do anonimato e da cobardia mais abjecta que isso representa, encontrei textos na Net dedicados à difamação e calúnia de outrem - eu próprio incluído. Mas não esperava que houvesse gente capaz de usar o nome de outros para embrulhar a porcaria mental em que vive.

Anónimo disse...

Excepto na extrema-esquerda, não há economista em Portugal que não ache o Orçamento do Estado uma perfeição. A ideia parece ser esta: o que é necessário é bom; o Orçamento é necessário; logo é bom. O que se pode aplicar a uma perna: se é necessário cortar uma perna, cortar uma perna é bom. Mas como certa gente se recusa a perceber a evidência, os doutores da economia, como os doutores da medicina, acrescentam pressurosamente que a felicidade da vítima nada sofrerá com o Orçamento ou sem a perna. Afinal, explicam eles, não se trata de viver pior. Quanto muito ficamos na mesma (ou, pelo menos quase na mesma) e, como já vivíamos bem, não devemos fazer um drama por não viver melhor. Basta de exageros. Até porque, segundo Silva Lopes, só os privilegiados vão sofrer (se alguém vai sofrer) e os privilégios não merecem contemplações. Por exemplo, a aristocracia francesa também perdeu os dela durante a revolução. Os funcionários públicos não passam da versão moderna do duque de Biron ou da princesa de Lamballe e o Governo, na sua benevolência, nem sequer pensa em os guilhotinar.
Ainda por cima, o sr. ministro das Finanças não quis, jura ele, que o Orçamento fosse o big bang (?). De maneira nenhuma, ele prefere não "ir à bruta". Prefere mondar a despesa pouco a pouco, com suavidade. Monda, claro, primeiro nos mais fracos: nas pensões, no subsídio de desemprego, nas "despesas com pessoal". Mas também em tudo o resto e com uma significativa racionalidade. Os grandes "gastadores", como a Saúde a Educação têm aumentos ridículos (0,9 por cento e 0,2 por cento), que de facto escondem uma perda efectiva. E, para disfarçar, a Cultura e a Ciência, Tecnologia e Ensino Superior sobem um bocadinho de um patamar baixíssimo. Por outras palavras, começou a erosão que vai levar ao fim do Estado-providência. Com cuidado, com a desculpa do imperativo económico e com a mentira de que o bom tempo voltará. Não voltará. E para a operação não causar distúrbios, convém anestesiar o doente.
A consequência política deste extraordinário exercício de hipocrisia ainda está para se ver. Até hoje os portugueses votaram contra. Contra Guterres, Santana e, ultimamente, Sócrates. Suponho que tencionam agora votar em Cavaco contra a realidade e contra o mundo. Para mal de Cavaco, o mundo e a realidade lá por isso não desaparecem.

Anónimo disse...

Finalmente, a avaliar pelas reacções, quase todos perceberam que temos que mudar de vida, que isso implica sofrimentos para a generalidade da população e que se trata de uma maratona e não de uma corrida de 100 metros. Percebeu-o o Governo, que elaborou o orçamento. Percebeu-o o PSD, que a ele reagiu de forma digníssima.
Perceberam os patrões, que também têm que se mostrar disponíveis para pagar uma parte da factura. Não perceberam, ou não querem perceber, os restantes partidos da oposição, para quem este Orçamento é tão mau como seria o seu contrário. E também se recusam a perceber as corporações que se sentem atingidas com o fim de alguns privilégios.

Se existisse, seria interessante saber o que teria a dizer o Sindicato dos Contribuintes Pagantes. É que este grupo também tem assistido a um ataque aos seus direitos adquiridos: há três anos tinha como garantido que a taxa máxima do IVA era de 17% e agora já está a pagar 21%.

Os protestos são naturais. Estamos habituados a eles. Fazem parte do normal estado das coisas.

Ao que o país não está acostumado é a comportamentos politicamente civilizados como os do PSD, que mostra que o principal partido da oposição também pode e deve pensar primeiro no país e só depois na conquista do poder.

A última vez que os partidos do Bloco Central fizeram uma trégua orçamental foi há nove anos. Governava o PS, sem maioria absoluta no Parlamento, e o PSD, então liderado por Marcelo Rebelo de Sousa, vestiu o fato do sentido de Estado para permitir que o Orçamento decisivo para a entrada do país na moeda única, o de 1997, fosse aprovado sem sobressaltos nem negociatas políticas à margem.

Agora não está em jogo o cumprimento de metas para aderir ao euro, mas o que está em causa para o futuro do país é igualmente decisivo.

É por isso que a reacção dos sociais-democratas é tão valiosa como o próprio orçamento.

Este suporte político dado ao rumo traçado do Governo permite que este aprofunde mudanças, que não tenha receio de meter a mão nos vespeiros que são os interesses corporativos.

É lógico que o PSD encontrou pontos de divergência para poder criticar. Faz parte do jogo. Mas até as críticas dos sociais-democratas vão no mesmo sentido da responsabilidade financeira e evitam o populismo fácil de acenar com os sacrifícios que estão a ser pedidos.

Questiona-se o novo aeroporto da Ota e o TGV e pergunta-se se há vontade de começar a colocar portagens nas SCUT. Isso pode ser positivo, se o Governo for inteligente. Teixeira dos Santos já abriu a porta a algumas portagens em estradas que hoje são gratuitas. Essa é uma boleia política que o Governo não deve, de forma alguma, deixar de aceitar. Basta fazer contas para perceber que o encargo financeiro com as SCUT, que vai chegar a 700 milhões de euros por ano, não é compatível com as dificuldades das contas públicas.

No final da discussão parlamentar, o que menos vai importar é se o PSD vota contra, a favor ou se se abstém. Se o debate seguir este caminho, a pedagogia que daí resulta é muito superior ao simbolismo do voto. É bom para o Governo, para o PSD e para o país, que agradece este súbito e inesperado ataque de bom-senso.