segunda-feira, dezembro 10, 2007

Atrasados, como (quase) sempre!


As cidades portuguesas vão contar com sistemas de videovigilância num futuro muito próximo, garante-nos o ministro da Administração Interna, minimizando a falta crescente de recursos humanos nas forças de segurança...

Apesar das boas intenções reveladas na entrevista ao Correio da Manhã, ninguém explica porque razão os processos apresentados pelas câmaras municipais demoram tanto tempo a ser apreciados e despachados ou, pior ainda, porque razão alguns teimam em permanecer encalhados algures. Assim, não há SIMPLEX que resista!

Sobre o tema em apreciação, volto a sustentar a minha opinião sobre a matéria, que aliás foi o objecto central do trabalho final da licenciatura em Gestão e Administração Pública, feito sob a orientação do Prof. Dr. João Bilhim, actual presidente do Conselho Directivo do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade Técnica de Lisboa e ex-coordenador do Programa de Reestruturação da Administração Central do Estado. Apesar de já ter uns anitos, continua actual e pode ser útil caso este Governo pretenda "construir a segurança das comunidades com a participação das autarquias, das instituições locais e das populações!"

Deixo-vos aqui as considerações finais daquele trabalho, disponibilizando-me a fornecê-lo na íntegra aos que estejam interessados em conhecer a evolução recente das questões da sdegurança pública no nosso País e alguns caminhos que poderão ser úteis para resolver muitos dos problemas que continuam a ser notícia... todos os dias!

"O fenómeno da segurança das comunidades urbanas é seguido por estudiosos das questões sociais há mais de dois séculos e, em especial, após a revolução das cidades decorrida na sequência da Revolução Industrial do Século XVIII.
Apesar disso, os fluxos migratórios dos Séculos XIII e XIV, entre os campos e as cidades, motivaram um conjunto de determinações régias, impondo às autoridades e às populações locais um conjunto de obrigações para garantir a segurança das urbes e a manutenção dos dispositivos defensivos, dando origem às finanças municipais.
Desde sempre, e com especial acuidade nos nossos tempos, os jovens, os deslocados e os residentes das zonas mais desfavorecidas são encarados com desconfiança pela generalidade da população, sendo apontados pelas suas comunidades como principais responsáveis pelo crescimento do clima de insegurança nas cidades.
Tal como no Século XVIII, o crescimento exponencial das cidades e das metrópoles e a degradação da qualidade de vida dos seus habitantes tem contribuído para o desenvolvimento do clima de insegurança, procurando os cientistas sociais promover estudos sobre as causas e consequências daqueles fenómenos e desenvolver modelos de análise que permitam sustentar intervenções do Estado, constitucionalmente responsável pela segurança e liberdade dos cidadãos.
Numa primeira fase, as entidades públicas procuraram colmatar os problemas detectados recorrendo ao desenvolvimento do edifício legislativo e do sistema institucional de segurança interna, bem como à profissionalização das forças e serviços de segurança, mantendo-as sob a alçada do Estado, e partilhando de forma limitada essas responsabilidades com as autoridades municipais.
Apesar deste esforço público, torna-se cada vez mais evidente o crescimento do sentimento de insegurança nas grandes cidades, alastrando-se progressivamente aos núcleos urbanos periféricos e à província. Em simultâneo, salientam-se as limitações das forças de segurança para susterem, com os meios tradicionais, o desenvolvimento dos valores estatísticos da criminalidade, obrigando-as a repensar a sua forma de intervenção e a procurarem partilhar esta missão com a comunidade.
Na segunda metade da da década de 90, confrontado com o crescimento da criminalidade urbana e com a visibilidade acrescida do fenómeno, o Estado aposta na reforma do sistema de segurança interna, que se traduz no aumento dos efectivos, na formação dos seus agentes e na modernização das forças e serviços de segurança, na melhoria dos meios disponibilizados para a sua intervenção e na criação de programas de policiamento de proximidade, destinados a grupos sociais muito específicos e considerados mais débeis – Escola Segura, Apoio 65 – Idosos em Segurança, Comércio Seguro, INOVAR, etc. -, suportados por elevados investimentos financeiros.
Paralelamente, um pouco por todo o mundo, os políticos e os urbanistas começaram a incluir as questões da segurança nas suas preocupações quotidianas, requerendo a colaboração dos cientistas sociais nas tarefas de planeamento urbanístico, na eliminação de fenómenos potenciadores de insegurança e na adopção de instrumentos de desenvolvimento sustentável, melhorando significativamente a qualidade de vida das populações.
Numa fase posterior, para além da crescente distinção e partilha em fóruns e instituições de âmbito internacional das experiências bem sucedidas e das boas práticas comunitárias, a densificação e institucionalização do relacionamento entre os serviços de polícia, as autoridades locais e a sociedade civil foram adoptadas numa perspectiva de intervenção proactiva, através da criação de órgãos de âmbito local – Conselhos Municipais de Segurança - e adopção de programas orientados para sectores específicos da sociedade – Programa Escolhas.
A grande revolução é concretizada com a 4ª revisão da Constituição da República Portuguesa, em 1997, permitindo a criação de serviços de polícia municipal, os quais cooperam com as forças de segurança na manutenção da tranquilidade pública e na protecção das comunidades locais, para além do normal desenvolvimento das funções de polícia administrativa, complementando e reforçando essa vertente da actividade das autarquias locais.
Nos anos seguintes, foi aprovado o respectivo regime jurídico e a regulamentação de enquadramento, bem como o programa de formação e o quadro de candidaturas e de participação financeira do Estado no esforço das autarquias locais para promoverem a criação em concreto dos serviços de polícia municipal.
Devido às limitações financeiras do Estado, este esforço inicial foi suspenso a partir do Orçamento de Estado Rectificativo de 2002, limitando o desenvolvimento dos 34 serviços de polícia municipal já criados, inibindo potenciais projectos de criação noutros municípios e desmotivando eventuais candidatos aos programas de formação.
As experiências mais recentes provam que é possível às polícias controlarem quase todos os tipos de crime em quase todos os ambientes.Nenhum lugar é impossível de policiar e nenhum crime está para além da vontade de impor a Lei. Os cidadãos sabem que há uma nova geração de estratégias assente na proactividade e que podem confiar nas suas polícias, seja nas grandes metrópoles urbanas ou nas comunidades mais pequenas

Agora, permita-se que a partir deste momento se exprimam os resultados de algumas reflexões pessoais em torno desta temática, esclarecidas umas e consolidadas outras pela elaboração deste trabalho.
No nosso entender, importa prosseguir este esforço reformista com determinação, renovando o empenhamento do Estado, clarificando o papel de cada força e serviço de segurança, alargando a aplicação dos princípios da subsidariedade, da gestão por objectivos e da participação pública, harmonizando procedimentos e rentabilizando os investimentos públicos.
Na nossa opinião, mostra-se necessário interagir de forma proactiva com a sociedade e criar uma cultura de segurança perene e sustentável, fazendo com que cada cidadão seja um agente da segurança da sua comunidade local, antecipando os problemas em conjunto com as autoridades locais, enquadrando socialmente as comunidades mais desfavorecidas e responsabilizando pais e professores pela utilização saudável dos tempos livres dos mais jovens.
Para além das verdadeiras parcerias para o desenvolvimento comunitário, protagonizadas através dos programas de policiamento de proximidade, as tendências mais modernas apontam para uma intervenção crescente das forças de segurança nos domínios da qualidade de vida, com a crescente regulamentação das questões relacionadas com a qualidade do ar, tratamento de resíduos e emissões de ruído, da preservação da natureza e do meio ambiente – a criação do SEPNA / GNR é um bom exemplo.
Por outro lado, existe também uma apetência generalizada para rentabilizar a utilização dos meios tecnológicos disponíveis, quer para assegurar uma base de suporte das suas actividades logísticas, quer no exercício das suas funções de polícia de segurança.
Neste contexto, embora carecendo de legislação de enquadramento, é frequente o recurso à utilização de sistemas de vigilância com câmaras de vídeo em locais públicos de utilização comum, com particular acuidade na gestão do tráfego rodoviário, controle de circulação de pessoas e preservação de monumentos públicos e centros históricos, prevenindo-se a ocorrência da prática de crimes em locais onde exista razoável risco da sua ocorrência.
Acreditamos que o caminho desejável para estabelecer uma sociedade mais tranquila seria a discussão e criação de uma estratégia nacional de segurança pública que não dependesse de visões conjunturais ou dos oportunismos ideológicos de cada governo, que não dependesse da componente meramente policial mas não a descurasse, que não fosse abstractamente social e descesse ao terreno dos problemas concretos. Em matéria de segurança das comunidades urbanas, como noutros sectores fundamentais da nossa sociedade, são necessários compromissos de Estado!
É facto assente que a aposta no factor humano é decisiva para o sucesso das instituições modernas. Consequentemente, defendemos a adopção urgente de uma lei de bases para a formação das forças e serviços de segurança, cujo conteúdo seja extensível à PJ e às polícias municipais na fase inicial da formação.
Hoje, a formação dos quadros superiores das forças e serviços de segurança continua dispersa, quando seria aconselhável a criação de uma única entidade de investigação e de formação, que garantisse a uniformização dos processos de formação, a harmonização dos respectivos currículos académicos e a atribuição de competências para efeitos de promoções, e o reforço da cooperação com o meio universitário, mediante o estabelecimento de parcerias que permitisse a atribuição de graus académicos (mestrados e doutoramentos) em matéria de segurança.
Simultaneamente, é indispensável continuar a desenvolver um esforço sério em colaboração com as universidades e os centros de saber, nacionais e internacionais, para conhecer melhor a evolução da sociedade, prevenindo tendências e comportamentos anti-sociais geradores de insegurança, controlando a criminalidade transnacional e cooperando com as forças de segurança e instituições de âmbito internacional.
Para além da necessária requalificação da formação inicial dos agentes das forças de segurança, fornecendo-lhes as competências sociais e cívicas necessárias para assumirem um papel interventivo na sociedade, é essencial rentabilizar as qualificações superiores conquistadas pelos agentes das forças e serviços de segurança que desempenhem funções de carácter genérico e reafectá-los aos serviços mais consentâneos com as novas habilitações académicas e profissionais, nomeadamente através da respectiva formação e afectação como conselheiros públicos de segurança, técnicos superiores de segurança pública ou de polícia municipal, por exemplo.
A formação contínua e permanente dos agentes das forças e serviços de segurança deve ser considerada uma prioridade, reforçando a sua presença junto dos cidadãos e das comunidades, reservando-lhes o papel de conselheiros locais de segurança, e promovendo programas de mobilidade profissional na Função Pública de forma a colmatar as necessidades de pessoal administrativo e de apoio logístico.
Sendo manifestamente necessária uma reforma do desenho institucional das forças e serviços de segurança existentes em Portugal e das formas de articulação, cooperação e de partilha de informações entre elas, parece-nos prioritário rentabilizar os meios e recursos existentes, até pela dimensão financeira que tal reforma implicaria. Contudo, creio que deverá ser promovida uma reflexão profunda sobre este tema que permita, no espaço de uma legislatura, redefinir as áreas de intervenção e as competências de cada organização, procurando eliminar estruturas e serviços com funções redundantes e limitar ao máximo os efeitos negativos das disfunções que hoje são evidentes.
Assim, o desenvolvimento da cooperação entre as forças de segurança e as polícias municipais parece ser essencial para garantir uma relação de confiança com as populações, acelerando-se progressivamente a participação destas nos programas de policiamento de proximidade e nas acções de divulgação de boas práticas de segurança das comunidades.
Em primeiro lugar, parece-nos fundamental institucionalizar esse relacionamento e harmonizar procedimentos, criando formas de participação dos responsáveis das polícias municipais nos gabinetes coordenadores de segurança ao nível distrital, que respeitem as suas competências e a autonomia constitucionalmente previstas das autarquias locais.
Complementarmente, apesar da sua criação não ser obrigatória por Lei, defendemos que o Estado estude e garanta as condições necessárias para a sua implantação faseada na totalidade dos municípios com características acentuadamente urbanas, numa primeira fase, e na totalidade dos municípios, numa fase secundária, com a uniformização da estrutura orgânica dos municípios, o reforço do seu papel de polícia administrativa e eliminando-se, de forma gradual, a figura do fiscal municipal.
Aliás, a extinção da carreira de fiscal municipal tem sido um dos principais impedimentos ao desenvolvimento das polícias municipais, pelos atritos causados na fase de criação do serviço. Assim, deverá reflectir-se sobre os mecanismos de reconversão profissional e de integração dos actuais fiscais na carreira de polícia municipal, através da valorização desta carreira.
Os vários anos de experiência neste domínio recomendam uma clarificação urgente das funções e áreas de intervenção das polícias municipais e a definição de regras mais consentâneas com a dignificação da carreira e do respectivo estatuto remuneratório, tendo em consideração o grau de responsabilidade e complexidade daquelas funções, bem como o elevado risco a que sistematicamente estão sujeitos.
Acreditamos que uma carreira nos serviços de polícia municipal pode constituir uma opção aliciante para qualquer jovem no início da sua vida profissional, ao serviço da segurança da sua comunidade local.
Em relação à proposta de estatuto disciplinar próprio, também suportamos a sua consagração em documento autónomo, mas não podemos deixar de sublinhar que o mesmo deverá respeitar os princípios civilistas adoptados na revisão dos estatutos disciplinares da GNR e da PSP, abandonando quaisquer tentações de criar regulamentos de carácter militarista.
Desta forma, seria possível libertar os agentes das forças de segurança para actividades de características tecnicamente mais específicas, nomeadamente nos domínios da prevenção e da investigação criminal, no combate às redes de crime financeiro e económico, no prevenção do tráfico de droga, nos novos tipos de criminalidade tecnológica e na cooperação com as suas congéneres internacionais
Para colmatar as deficiências detectadas e anteriormente referidas, mostra-se urgente reformar o sistema de ingresso nas polícias municipais, com a adopção um programa nacional de selecção, admissão e formação de candidatos, que os dote com as habilitações específicas necessárias para preencherem as vagas criadas pelos serviços municipais, de acordo com as respectivas classificações e preferências de colocação, nos termos já testados com sucesso nas forças de segurança.
Em relação aos agentes que já se encontram em funções, importa adoptar um programa de formação contínua, de forma a garantir o cabal cumprimento da Lei, dos Regulamentos e Posturas Municipais, nomeadamente nos domínios de administração eleitoral, polícia urbanística e turística, gestão de feiras e mercados, controle de animais perigosos e tráfico de espécies em perigo de extinção, protecção de pessoas e equipamentos públicos, prevenção de violência doméstica, intervenção com menores, trânsito e acidentes de tráfego, preservação do meio ambiente e da qualidade de vida urbana.
Em alguns destes domínios, a intervenção das polícias municipais proporcionaria receitas importantes para as finanças do município, nomeadamente na fiscalização eficaz e eficiente do cumprimento das deliberações dos seus órgãos executivos e deliberativos e dos respectivos regulamentos e posturas.
Por outro lado, não podemos deixar de sublinhar o acréscimo de competências traduzido pela aplicação do Decreto-Lei n.º 264/2002 , que procedeu à transferência para as câmaras municipais de um conjunto de competências dos governos civis em matérias consultivas, informativas e de licenciamento e de fiscalização, com reflexos nalgumas matérias de segurança pública – guarda-nocturno e arrumador de automóveis, por exemplo.
Constituindo uma das facetas da aplicação do princípio da subsidariedade, permite que o nível da decisão se aproxime do cidadão, mas não deixa de aumentar o nível de exigência e de colocar alguma pressão adicional sobre os responsáveis políticos e sobre os serviços municipais, tornando indispensável a intervenção das polícias municipais.
A educação para a cidadania é outro capítulo onde deve ser reforçada a capacidade de intervenção das polícias municipais junto das comunidades locais, em colaboração com os demais serviços municipais e com outros serviços públicos, introduzindo as crianças e jovens para as boas normas de conduta em sociedade. Tal permitiria, por exemplo, difundir comportamentos a adoptar em caso de catástrofes e desastres naturais, promover a manutenção dos equipamentos colectivos, do mobiliário urbano e dos espaços públicos, divulgar medidas de prevenção rodoviária e de auto-protecção e facilitar a colaboração dos seus docentes na preparação de aulas práticas em qualquer um destes domínios.
Não sendo agentes de protecção civil, é nosso entender que as polícias municipais também podem ter um papel fundamental neste capitulo, colmatando as lacunas dos municípios neste domínio e ajudando-os a cumprirem cabalmente as competências que lhes estão acometidas pela respectiva Lei de Bases. Assim, os serviços de polícia municipal poderiam colaborar no levantamento permanente dos riscos existentes no território do concelho, contribuindo assim para a análise de vulnerabilidades e respectiva minimização.
Em termos de produção legislativa, importa igualmente concluir o processo de elaboração do regime especial ao qual devem ser submetidas as polícias municipais de Lisboa e Porto, desencadeado pela Lei n.º 140/99 e que, passados mais de cinco anos, permanece inconclusivo, afectando milhares de agentes da PSP que desempenham funções naquelas entidades.
Finalmente, na nossa humilde opinião, carecem de clarificação em absoluto as matérias relacionadas com o exercício da tutela partilhada que diversos ministérios devem exercer sobre as polícias municipais, incorporando na legislação em vigor quem a exerce e quando e como a mesma deve ser exercida, nomeadamente nas respectivas leis orgânicas.
Por exemplo, no seio do MAI, poder-se-ia estabelecer que a Inspecção-Geral de Administração Interna (IGAI) é o organismo de exercício da tutela do Governo sobre as autarquias locais em matéria de polícias municipais.
Porém, o artigo 20.º do novo regime das polícias municipais (Lei n.º 19/2004, de 20 de Maio), dispunha que o Governo deveria proceder à sua regulamentação no prazo de 90 dias. Pelas razões que são conhecidas, tal não aconteceu!
Acreditamos ainda estar a tempo de contemplar algumas destas preocupações na nova regulamentação e de compatibilizá-la com as novas exigências da sociedade.

Em termos mais genéricos, como sublinha Ralf Dahrendorf, “o mais inquietante aspecto da insegurança de hoje poderá muito bem ser a diversidade das suas fontes e que não haja explicações claras e soluções simples”.
Por isso, a intervenção das forças de segurança e das polícias municipais assumirá cada vez mais um carácter complementar e multidisciplinar, subordinado à Lei, cooperando para potencializar a inesgotável energia positiva da sociedade, encontrar as soluções mais adequadas em cada caso concreto, e prevenir todos os riscos que ameaçam o quotidiano das comunidades locais, mas sempre numa perspectiva global!
Contudo, recorrendo à educação social e à defesa intransigente dos valores da democracia e da liberdade, não devemos permitir que cada comunidade urbana entre numa deriva securitária e permita alguns ganhos limitados de segurança à custa de grandes perdas de direitos, liberdades e garantias.
Para tal, parafraseando Dahrendorf, talvez seja preciso instaurar um novo iluminismo para alargar a confiança de que necessitamos para viver com insegurança em liberdade!"


PS - Quando se fala em remodelações governamentais, dever-se-ia pensar para além do óbvio, mas quando uma equipa rema em sentidos distintos, não se deve perder muito tempo!

2 comentários:

Anónimo disse...

"Crime não está a aumentar, mas tráfico de pessoas está a substituir o da droga"

Entrevista com Rui Pereira, ministro da Administração Interna, in Diário de Notícias, 2007.12.09, por João Marcelino e José Fragoso

No seguimento de dias marcados por crimes no Porto e em Lisboa, o ministro da Administração Interna Rui Pereira encontrou um espaço na sua preenchida agenda, marcada até por compromissos resultantes da presidência portuguesa da UE, para abordar os sempre delicados temas relacionados com a segurança dos cidadãos. Nela admite que o paradigma da alta criminalidade no País está a mudar em sintonia com a globalização, ou seja, que o tráfico de pessoas está a ocupar o espaço de delinquência que antes era exclusivo de tráfico de droga. Como sempre, a lei corre atrás do crime e a luta cabe a todos, a começar pelas forças de segurança que estão, diz o ministro, a ser reorganizadas e equipadas.

Depois de vários crimes violentos no Porto, sobretudo relacionados com empresários da noite, também Lisboa foi palco de um crime com recurso a um engenho explosivo. A que se deve o aparecimento deste tipo de criminalidade que era relativamente desconhecida num país como o nosso?

Não é o primeiro atentado que se comete, já houve atentados à bomba no contexto da actividade das FP25. Mesmo fora dele, recordo-me de ter havido atentados à bomba por razões passionais. Claro que é raro haver um crime com estes contornos, com estas características. Ainda bem que é raro e é desejável que, tendo acontecido este homicídio, haja uma investigação criminal célere e muito eficiente. Tenho confiança na Polícia Judiciária, que é uma polícia com provas dadas e que certamente vai deslindar este crime. Respondendo à sua pergunta diria o seguinte: até ao fim de Setembro houve menos crimes e menos crimes graves e violentos em Portugal do que no período homólogo do ano passado. Mesmo no âmbito dos homicídios. Mas quero tornar claro que não estou despreocupado com a situação, estou atento. Como ministro da Administração estou preocupado e estou a desenvolver todos os esforços para que as forças de segurança respondam de forma competente.

Que tipo de esforços?

Depois dos crimes na chamada noite do Porto e de Lisboa, reuni várias vezes com o gabinete coordenador de segurança e transmiti instruções para uma resposta integrada e global, que se desenvolve a vários níveis, um deles o do próprio patrulhamento. É preciso que haja visibilidade das forças de segurança onde é mais provável a prática de crimes. É também necessária uma actividade inspectiva, que inclua as forças de segurança, a PSP e a GNR, no âmbito das suas competências territoriais, mas também outras entidades competentes para fiscalizar a actividade administrativa de certos locais de diversão. Por exemplo, o SEF, um órgão de competência específica em matéria de imigração clandestina, em matéria de tráfico de pessoas, e a ASAE, que tem competência em determinadas matérias que se relacionam com locais de diversão. Além disso, é bom não esquecer que as próprias autarquias têm competências para aplicar coimas em certas situações. Por fim, há o plano da investigação criminal. O programa do Governo baseia-se muito na ideia de segurança comunitária, policiamento de proximidade e protecção de vítimas especialmente carentes. Programas como o Escola Segura, Idosos em Segurança baseiam-se nessa ideia. Mas, no caso dos homicídios, a própria investigação criminal e a punição dos responsáveis são elementos decisivos para a prevenção. Em suma, diria que a criminalidade em geral não está a aumentar, mas há sinais que nos devem levar a reflectir e a agir e esses sinais relacionam-se, se me permitem uma resposta um pouco mais integrada, com o surgimento de um novo fenómeno a que tem de se dar uma resposta internacional.

Qual?

O tráfico de pessoas. Nos últimos 30 anos, em Portugal, enfrentámos uma criminalidade que se desenvolveu muito à custa do fenómeno do tráfico da droga, que era ainda incipiente na década de 70 e desenvolveu-se, levando a que surgisse uma criminalidade organizada, relacionada com os traficantes, mas também uma pequena criminalidade de massa relacionada com um número elevado de pessoas com problemas aditivos que foram obrigadas, entre aspas, a praticar crimes contra o património com ou sem violência para alimentar esses hábitos aditivos. De tal maneira que há alguns anos, num relatório do senhor provedor de Justiça se dizia que metade da população prisional portuguesa estava encarcerada por crimes relacionados com consumo ou tráfico de droga. Portanto, este era o paradigma. Hoje, está-se a desenvolver um fenómeno relativamente novo que é o tráfico de pessoas. Porquê? Em primeiro lugar porque há mercados de recrutamento muito vastos, depois da queda do Muro de Berlim. Por exemplo, a possibilidade de recrutar seres humanos para efeitos de exploração sexual ou laboral a leste, e não apenas em África, não apenas no Oriente, aumentou exponencialmente.

E de que forma faz a polícia o seguimento desse fenómeno?

Eu falei em cooperação internacional justamente por causa do carácter transnacional do fenómeno. Há mercados de recrutamento, há mercados de destino, porque temos na Europa, nos vários Estados, classes com capacidade suficiente para alimentar esse mercado e portanto é necessário fazer-lhe frente. Agora, o que é necessário para fazer frente? É necessário que haja cooperação.

No "Diário de Notícias" de ontem, sábado, um dirigente sindical disse que a polícia portuguesa precisa de mais meios técnicos, de mais equipamento. É uma preocupação válida?

Sem dúvida. É sempre necessário que haja mais meios, nunca devemos estar satisfeitos. Mas eu devo dizer, acompanhando a actividade da polícia de forma muito próxima desde há 12 anos, que têm sido feitos grandes progressos e é injusto não reconhecer isso. Progressos na preparação humana e profissional e também em relação aos meios. Quando nós convivemos diariamente com uma realidade tendemos a não apreender imediatamente a mudança, mas, a polícia de hoje, do início do séc. XXI, é em Portugal uma polícia muito mais preparada do que era há 20 ou 30 anos.

Mas a questão é a da comparação com os meios de outros países. E até dos meios deste próprio tipo de criminalidade. Não em relação ao nosso passado...

Recentemente estive com o vice-presidente [da Comissão Europeia] Frattini e com o Presidente da UEFA, o senhor Platini, numa reunião sobre violência desportiva em que a polícia portuguesa foi muitíssimo elogiada, pela sua preparação, pelos seus meios, pela sua capacidade de resposta e de cooperação com os congéneres estrangeiros. Em matéria de estrangeiros e fronteiras, que envolve estes fenómenos de tráfico de pessoas, houve recentemente no Porto o primeiro exercício das equipas de intervenção rápida da agência europeia Frontex, onde o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras foi altamente elogiado pelo presidente dessa organização, um finlandês.

Mas porque é que as polícias se queixam sistematicamente que os criminosos andam em carros mais velozes, têm armas melhores, e que a própria organização deles é muitas vezes difícil de acompanhar pelo volume de efectivos que existe? Se ainda por cima assistimos a uma subida do padrão de criminalidade, este discurso dos policias não faz sentido?

O discurso dos polícias enquanto profissionais preocupados com a paz pública, com a prevenção e repressão da criminalidade faz todo o sentido, faz todo o sentido que eles peçam meios melhores. Afinal, estão a pedir os instrumentos necessários para desenvolver com a máxima competência a sua ambição.

E vão ter esses meios?

Vão ter esses meios. Recordo que foi aprovada uma lei de programação das forças de segurança, um instrumento da maior importância porque pela primeira vez permite uma visão articulada das necessidades da PSP e da GNR, abrangendo um universo de cerca de 50 mil agentes e militares. Essa lei implica um reforço de investimento muito significativo, que no ano que vem já implicará uma subida de 70% em relação às necessidades das forças de segurança. Investimento nas instalações, porque há instalações que são obsoletas, nas viaturas, porque há efectivamente automóveis que carecem de renovação, nos meios informáticos, que têm de ser generalizados, e na rede de comunicações, porque também uma rede de comunicações de segurança interna que possibilite o fácil contacto entre todos os agentes envolvidos no sistema de segurança é essencial. Portanto, nós estamos atentos a essa realidade e queremos realmente, compartilhando essas preocupações, modernizar as forças de segurança portuguesas.

Na relação entre as várias entidades: a PSP, a GNR, também a Polícia Judiciária, há mais coordenação na área da investigação criminal? Ou continua a existir rivalidade entre estes grupos de investigação?

Quando existem várias forças e vários serviços de segurança e quando existem vários órgãos de polícia criminal há duas formas de rivalizar: há uma forma positiva, isto é, quando cada agente vê os bons exemplos de outro e os tenta imitar, e há a forma negativa pelo qual, por exemplo, um agente pretende que as coisas corram mal a outro para este não ser melhor. O que nós queremos é incentivar a rivalidade positiva, a que se chama em linguagem vulgar emulação. Queremos, realmente, que as forças de segurança sejam bem coordenadas, cooperem lealmente, imitem as boas práticas umas das outras, comunguem e partilhem a informação necessária.

Quer dizer que nem sempre tem sido assim...

A regra é esta. Claro que toda a regra comporta excepções. Devo dizer o seguinte: desde que, há pouco mais de seis meses, cheguei de novo ao Ministério da Administração Interna tenho acompanhado a actividade de agentes envolvidos neste esforço da segurança em dois planos. No plano da protecção civil, dos comandos distritais de operações de socorro, e no plano do gabinete coordenador de segurança, quer o central quer os distritais a cujas reuniões também tenho assistido com alguma frequência. E aquilo que tenho verificado, para ser inteiramente franco, é que o clima cooperativo é hoje francamente maior do que era há alguns anos. No essencial, as forças de segurança, os órgãos de polícia criminal, os agentes de protecção civil compreendem que servem o Estado e a comunidade e que devem cooperar realmente entre si, essa é a regra. Mas além da atitude boa vontade é necessário criarmos condições para isso, o que significa, como tem sido amplamente noticiado, rever a lei de segurança interna e a lei de organização da investigação criminal, revê-las justamente para assegurar melhor coordenação, melhor cooperação, partilha de informação útil e necessária, de acordo com um princípio de competência, e reforçar a eficácia da acção de polícia.

O combate ao terrorismo é uma das prioridades dos governos europeus, em termos de segurança interna. Durante a presidência europeia esta questão não foi excepção. Do que é que tratamos hoje quando se fala de terrorismo?

Sem desviar a questão e [sem querer fazer] um auto-encómio, gostaria de elogiar a Presidência Portuguesa da União Europeia em matéria de assuntos internos também. Nós tínhamos três grandes objectivos nucleares: o alargamento do espaço Schengen, a prevenção do terrorismo e a abordagem global do fenómeno das migrações. O alargamento do espaço Schengen foi um sucesso que deixa a Portugal um grande crédito nos novos Estados membros da União Europeia. Foi graças a um trabalho da Presidência Portuguesa e de Portugal, começado ainda antes da presidência - que envolveu tecnologia de empresas portuguesas - , que se conseguiu alargar o espaço Schengen. A réplica do sistema de informações Schengen português permitiu aos vários Estados membros que entraram partilhar esse espaço de liberdade, segurança e justiça. A 21 de Dezembro as fronteiras vão ser levantadas numa cerimónia em que estará presente José Sócrates, o Presidente da Comissão, Durão Barroso, e vários outros convidados, também o comissário Frattini, eu próprio, enfim, muitos outros convidados. É um grande sucesso que dá um significado muito concreto ao Tratado porque, para além deste, que é uma ideia um pouco mais abstracta para os cidadãos da Europa, temos uma Europa sem fronteiras. Sobre terrorismo conseguimos durante a nossa presidência algo que não foi tão notório mas foi igualmente importante. Há muitos meses que estávamos sem coordenador da luta antiterrorista na União Europeia e conseguimos um consenso entre ministros da Administração Interna sobre o perfil e mesmo sobre o nome do novo coordenador da luta antiterrorista que é, como sabem, o senhor Gilles de Kerchove.

Quando se fala em combate ao terrorismo hoje falamos de quê? As forças perseguem grupos organizados, sabem de quem andam atrás?

Vou-lhe recordar um facto muito relevante. Há pouco mais de um mês foram detectados grandes atentados terroristas, provavelmente desencadeados pela Al-Qaeda na Alemanha, na Áustria, que graças à cooperação internacional foram desmantelados. Portanto, a história do terrorismo global não acabou.

Portugal aparece como alvo em algumas notícias?

Portugal pertence a um espaço que é alvo. O que tem de novo o chamado terrorismo global é uma grande indefinição de objectivos. Quando tínhamos o terrorismo de inspiração ideológica ou nacionalista, sabíamos que os atentados se confinavam a espaços e objectivos mais ou menos delimitados. O terrorismo global tanto pode atacar na Indonésia como no Reino Unido, nos Estados Unidos como em Espanha e, portanto, nós temos de estar atentos e prevenir, porque aqui remediar é pouco.

E o estar atentos tem a ver também com escutas telefónicas feitas pelos serviços secretos?

Em Portugal como é sabido os serviços de informações não podem fazer escutas.

Isso é a resposta legal...

Legal e constitucional porque a Constituição, a propósito das escutas, tem duas normas que dão a chave do problema. O artigo 34 número 4 da Constituição diz, sem tirar nem pôr, que só pode haver escutas no âmbito do processo penal, e o artigo 32 número 4 diz que os actos praticados no processo penal que se refiram directamente a direitos têm de ser autorizados por juiz. Ora bem, a conjugação destas duas normas leva a que em Portugal só possa haver escutas no processo penal e não no âmbito dos serviços de informações e a que as escutas tenham sempre de ser autorizadas por juiz e controladas por juiz. É este o regime. A Constituição pode mudar para permitir escutas preventivas levadas a cabo por serviços de informações, para prevenir o terrorismo? Claro que pode mudar...

E deve mudar?

O meu pensamento é mais do que conhecido. Creio que repetir agora a discussão não faz muito sentido porque só em sede de revisão constitucional é que o problema pode ser realmente tratado. O que sempre defendi no passado, é que entendo que no nosso país não deve haver escutas administrativas. Defendo que, no caso do terrorismo, pela gravidade do fenómeno e pela necessidade de prevenir, deve haver escutas preventivas. Ora, a chave está na conciliação destas duas afirmações, escutas não administrativas, escutas preventivas. Como é que se consegue? Eu escrevi isso há cerca de 10 anos. Concilia-se, na minha opinião, se houver uma comissão de juízes que no plano de prevenção, em relação aos serviços de informações, autorize essas escutas. Mas, repito, para tanto será necessário que haja uma revisão constitucional, que haja um grande consenso político na sociedade portuguesa.

Mas é favorável portanto às escutas dos serviços secretos?

Tenho a minha posição de sempre sobre isso.

Vamos entrar numa fase importante na organização da polícia e da GNR. Há meses, o Presidente da República vetou a lei orgânica da GNR. Porque é que, na altura, o PS e o Governo insistiam na necessidade de o comandante-geral ser um general de quatro estrelas?

Não quero alijar responsabilidades mas, quando cheguei ao Governo, o Governo já tinha aprovado a proposta de lei. E a proposta de lei encontrava-se na Assembleia da República. Pela parte que me respeitava, apesar disso, fiz tudo o que me pareceu possível para criar consensos. Infelizmente não foi possível criar um consenso na Assembleia da República antes da aprovação da lei da GNR e depois houve um veto. O veto tem de ser encarado com naturalidade. Isto já foi sublinhado pelo senhor Presidente da República: por norma, em relação aos diplomas que lhe chegam, os vetos têm sido excepções excepcionalíssimas. E no caso da lei orgânica da GNR ainda é justo destacar que o veto se referiu a três aspectos apenas de uma lei complexa e vasta. Realmente... à graduação do senhor general comandante-geral. Por outro lado, às condições de acesso ao generalato na Guarda e, finalmente, à cooperação da Guarda e da Marinha em missões costeiras, ou, melhor dizendo, à forma do diploma, que deveria ser decreto regulamentar.

Mas em relação à questão do general: ter de ser um general de quatro estrelas...

Repare, o que lhe estou a dizer é que houve um entendimento do senhor Presidente da República, expresso no veto, de que a graduação do senhor general comandante-geral prejudicaria o equilíbrio entre Forças Armadas e Guarda Nacional Republicana. No exercício das suas competências, o senhor Presidente da República vetou, e o Governo extraiu daí as necessárias ilações, criando condições para haver um muito maior consenso em torno da lei orgânica da GNR. Recordo que depois a lei foi aprovada com votos a favor do PS e do PSD, com a abstenção do CDS/PP...

E faz sentido que a GNR tenha de manter esta vertente militar nos dias de hoje?

Faz. Faz todo o sentido, francamente.

Porquê?

Por várias razões muito fáceis de explicar. Em primeiro lugar porque a PSP passou de força militarizada a civil; em segundo lugar porque a PSP comporta hoje sindicatos; em terceiro lugar porque desapareceu o serviço militar obrigatório; e em quarto lugar porque, de entre as missões no estrangeiro, há algumas que exigem a participação de uma força de segurança de natureza militar. Por exemplo, nós só pudemos participar na Gendarmerie europeia porque dispomos de uma GNR, caso contrário não poderíamos participar. Portanto, há boas razões para haver equilíbrio entre uma força civil e uma força militar, que se complementam na sua acção e que prestam o melhor serviço em termos sistémicos aos portugueses.

Vamos entrar numa fase de reorganização da PSP e GNR e nesse sentido vão ser extintas as Brigadas de Trânsito (BT) e a Brigada Fiscal da GNR. O que vai acontecer aos actuais elementos dessas unidades?

Em primeiro lugar nós temos em curso um processo de reestruturação, que não está atrasado, porque já se eliminaram as situações de partilha de freguesias na maioria dos casos. Recentemente terminou o curso de formação dos novos agentes da PSP, o que vai permitir agora o reforço do dispositivo. Recordaria aqui, o que não é de somenos importância, que esse reforço vai ser sobretudo em Lisboa, 430 agentes; no Porto, 298 e, em Setúbal, 136, através de um sistema de transferências.

E que diferenças fará isso para o cidadão? Como é que o cidadão vai receber essa reestruturação?

Neste reforço do dispositivo, a percepção é óbvia. O cidadão verá...

Mais polícias nas ruas?

Provavelmente mais agentes e militares nas ruas. Agora, respondendo à sua questão: quanto à GNR - e a reestruturação só agora pode ser concluída também porque só a 6 de Dezembro entrou em vigor a lei orgânica - não se trata só de extinguir. Nós vamos criar uma unidade especial de trânsito para tomar conta desse grande e rico património da Brigada de Trânsito. Essa unidade será responsável por acções de formação, por uniformização de procedimentos e mesmo por acções territoriais de maior vulto. O que nós pretendemos é evitar que haja duplicação entre acções da BT e das brigadas territoriais. E foi esse o sentido da revisão da lei orgânica. Mas deve continuar a existir uma unidade de trânsito, assim como continuarão a existir unidades fiscais. Porque em relação ao domínio fiscal há uma coisa óbvia: os crimes fiscais não são localizados territorialmente. São crimes que se espalham no território e que ultrapassam até fronteiras.

Quem vai fazer a Operação Natal e Ano Novo, por exemplo?

Quem vai fazer a Operação Natal e Ano Novo é um elevadíssimo conjunto de meios que envolve a PSP, a GNR...

Já não será a BT?

A BT não desaparece por efeito de uma vara de condão de um dia para o outro. Depois da entrada em vigor da lei orgânica temos um caminho a percorrer que é o da reafectação de pessoas que estavam na BT. Algumas certamente permanecerão na unidade de trânsito e outras serão afectadas ao dispositivo territorial.

Quem centralizará essa operação nacional. A PSP?

A força que tem uma competência mais acentuada na operação é sem dúvida a GNR, que tem o domínio da vias principais.

Os sindicatos têm manifestado alguma preocupação com a eventualidade de se colocarem na rua agentes que estavam na secretaria, sem preparação para estar no dia-a-dia no terreno. Como responde a essas preocupações?

Existe um número elevado de elementos das forças de segurança que desempenham actividades burocráticas e administrativas. Esta é uma conversa que tem muitos anos. E com base nessa realidade entendeu-se que os membros das forças de segurança deveriam ser na maioria dos casos transportados para o trabalho operacional. Agora surge a reserva de que muitos deles estarão tão adaptados a tarefas burocráticas ou administrativas que é difícil pô-los na rua. Eu diria que essa reserva, com toda a franqueza, tem um sofisma: pensar que o trabalho operacional é só de patrulhamento. Não é.

E se for. Será necessário distinguir essas pessoas?

É óbvio que quando falamos de forças de segurança, falamos em pessoas com idades e capacidades muito diferentes. Um jovem de vinte e tal, trinta anos, tem sem dúvida capacidades físicas diferentes de um homem de 50 anos. Mas é equivocado pensar que um homem de 50 anos que é polícia é incapaz de se envolver em trabalho operacional. Eu tenho 51 anos, não sou polícia, mas acho que consigo realizar trabalho executivo. O que está em causa é o conjunto de actividades operacionais que as forças de segurança levam a cabo. Hoje, as forças de segurança têm um conjunto de missões mais diversificado do que nunca. São responsáveis pela manutenção da paz pública mas têm agora um trabalho muito importante no domínio da prevenção.

Acha que essas preocupações não fazem sentido?

A preocupação faz sentido. Mas para que, no exame das funções de polícia que serão atribuídas a pessoas que estão a desempenhar tarefas predominantemente burocráticas, se encontre o tipo de missão adequado à sua formação, características e capacidades. E valorizando a formação contínua, que deve ser uma constante nos elementos de forças de segurança.

Uma pergunta concreta para uma resposta rápida: os polícias têm recebido instruções para serem mais severos em situações como as greves e manifestações?

Uma resposta rápida: não!

Coordenou a Unidade de Missão para a reforma penal. Reconheceu-se no texto final?

Penso que o Código Penal e o Código de Processo Penal revistos, a lei-quadro da política criminal, a lei de execução da política criminal para o próximo biénio, são instrumentos legislativos que constituem uma excelente oportunidade para reforçar a prevenção e o combate à criminalidade com respeito pelos direitos fundamentais. Uma síntese muito conhecida mas que não posso deixar de repetir. No essencial, revejo-me nos diplomas finais que foram aprovados. Pode haver uma ou outra norma com a qual em termos subjectivos não concorde mas isso já foi assim na unidade de missão, com representantes dos conselhos superiores de magistratura (judicial e do Ministério Público), representantes da Ordem dos Advogados, das polícias...

Mas revê-se ou não naquilo que acabou por ser o texto final dos diplomas?

No essencial, sim.

Em que aspectos houve mais diferenças?

As leis penais são matéria de cidadania. Nós vivemos numa democracia representativa. O legislador é a Assembleia da República, que tem uma reserva de competência nos termos da Constituição. Portanto, é esta que tem competências - e bem - para aprovar leis. Mas isto não é alijar responsabilidades. No essencial, os diplomas que foram aprovados retratam o meu pensamento sobre o direito penal.

O senhor foi em tempos director do SIS. Tem saudades desse tempo?

A minha visão da vida é: devemos realizar-nos no trabalho que fazemos. Quando fui assistente universitário gostei de dar aulas. Gostei muito de ser assessor do Tribunal Constitucional e de fazer projectos de acórdão. Gostei muito de ser director do SIS porque foi a minha primeira grande experiência de organização de recursos humanos. Lidar com organizações é muito gratificante. Vê-las crescer, tornar-se mais eficazes. Gostei de ser secretário de Estado, da Unidade de Missão, de estar duas vezes no tribunal Constitucional e gosto agora muito do trabalho de ministro, embora seja muito complexo e difícil.

E nesse tempo do SIS sentiu-se um bocadinho agente secreto?

Não. Senti-me responsável por um serviço de informações, mas nunca me senti um operacional. Não confundo os papéis das pessoas e tenho muito respeito pela verdade operacional.

Anónimo disse...

Panças e bigodes

por João Prudêncio, in Observatório do Algarve, 27-11-2007 13:13:00

Nunca pensei dizer isto algum dia, mas nos últimos tempos o meu herói é… um simples funcionário público. Para mais daqueles caídos em desgraça por dizerem umas verdades. Como as verdades que disse são do tamanho de um camião, aqui confesso a minha chapelada.

Admito que o lugar de inspector-geral “das polícias” já despertou em mim mais interesse pela exuberância das gravatas dos titulares do que pela consequência das suas acções. E embora o engravatado Maximiano Rodrigues gostasse de pôr a boca no trombone, nunca as suas públicas palavras fizeram eco a sério nos corredores dos mandantes.

Agora, de gravata mais modesta mas bico mais afiado, Maximiano tem um seguidor: “Há para aí muita 'coboiada' de filme na mentalidade de alguns polícias", disse o novo inspector de polícias, Clemente Lima, em recente entrevista.

Caiu o (quartel do) Carmo e a (santíssima) Trindade, esta composta por uma oposição à procura de argumentos contra, um Governo que assobiou para o ar em vez de encarar a veracidade (ou não) dos argumentos e umas associações sindicais que ficaram espavoridas e se refugiaram nas meias tintas, entre a virgem ruborescida e o chuto para a frente, leia-se “no traseiro do Executivo”, que é sempre, em última instância, quem tem a culpa de tudo. Mesmo dos desmandos de homens que teimam em deixar crescer a pança e o bigode.

Pois em contra corrente aqui confesso: o juiz desembargador é o meu novo herói, quanto mais não seja porque me vem ajudar na croniqueta, que já tinha decidido dedicar aos desmandos de uma certa polícia. E no que respeita a fotógrafos e operadores de imagem, eles abundam por aí.

Há uns anos atrás, colaborava eu com uma estação de TV, fui obrigado, madrugada dentro, a demandar um certo hospital de Huelva onde estava internado um pescador espanhol vítima de um tiro de um marinheiro português em alto mar.

Eu e o meu companheiro de reportagem dirigimo-nos a uma patrulha da Guarda Civil à entrada da cidade e perguntámos onde ficava o desejado hospital. Com um sorriso, um dos agentes disse-me: “Sigam-nos”. Corremos a cidade toda até ao hospital, atrás do carro-patrulha, avenida após avenida. No final, o agente apontou-nos o edifício, fez continência e seguiu.

Habituados à frieza (quando não ao mais absoluto desrespeito) da polícia portuguesa perante os direitos dos jornalistas – sobretudo quando vêem uma câmara – eu e o meu colega entreolhámo-nos, estupefactos. Bastava passar o Guadiana para que a atitude fosse diferente? Pelos vistos, bastava.

A recente prisão ilegal de um fotógrafo amador que fotografava carrosséis, obviamente pejados de crianças, confundindo-o com um pedófilo, é mais um sinal da falta de preparação de muitos agentes para desenvolver o seu trabalho.

A um polícia exige-se, no mínimo, o conhecimento da lei quando sai para a rua. E não é preciso muito desse conhecimento para saber que fotografar numa feira não é crime, a não ser que se reincida ainda que algum visado pela foto (ou o adulto responsável, no caso dos menores) invoque o direito à imagem.

O que perturba mais naquele caso – e que é sintomático de como alguns agentes olham os cidadãos – é a forma como ele foi tratado: manietado, algemado, arrastado, humilhado à frente de toda a gente, detido durante quatro horas, fotografado de frente e perfil como um vulgar bandido.

Mas sobretudo… e esta é a parte que em meu entender mais simboliza uma certa maneira de “ser polícia” neste País… o tratamento por “tu”. Ao tratar por “tu” um cidadão a quem simplesmente se está a transportar à esquadra, alegadamente para identificação, um agente está a demitir-se do seu papel cívico e a elevar a brutalidade ao seu máximo expoente. Está a reduzi-lo à insignificância, a dizer-lhe: “Eu tenho poder para te tratar como me apetecer, és um boneco nas minhas mãos. Eu sou o poder”.

Quinze dias depois, o juiz de instrução arquivou o caso (obviamente) e devolveu a máquina apreendida, por falta de consistência legal. Mas nada apagará da memória daquele cidadão as sevícias físicas e sobretudo psicológicas a que foi sujeito e a humilhação por que passou. E acima disso, provavelmente, instalar-se-á nele um regime de auto-censura quando estiver na rua a fotografar, uma das actividades humanas que mais simboliza a liberdade. (E basta conhecer uma ditadura para saber que assim é).

Não porque esteja a cometer uma ilegalidade, mas porque, simplesmente, não quererá passar de novo pelo que passou. Quer dizer, os agentes não só foram brutais como brutalmente contrariaram a liberdade de que deveriam ser o máximo garante. Porventura irremediavelmente, acorrentaram alguém a si próprio, arrancaram-lhe espaço de liberdade . “Problema dele”, dirão alguns deles entre dentes, com os lábios quase quietos por baixo dos bigodes farfalhudos.

Recentemente, no aeroporto de Faro, um “plane spotter (fotógrafo de aviões) de 60 anos, daqueles que passou a vida a viajar pelo Mundo e quase não saía dos aeroportos, garantiu-me que não há sítio em que tenha sido mais importunado do que em Portugal.

“Em Málaga, na Espanha, onde têm o problema do terrorismo, estava a fotografar junto à rede e apareceram uns polícias a pedir-me a identificação. Sorriram, pediram desculpa e foram-se embora”, relatou o fotógrafo, com mais de 30 anos de experiência em fotografia de aviões por todo o Mundo. Em Portugal, acrescentou, “confundem-nos com os terroristas”.

Não há repórter de imagem – de TV ou foto – que não tenha mil e uma peripécias de encontros imediatos com agentes policiais ou seguranças. Uma vez, na sala de embarque do aeroporto de Faro, um segurança passou por mim a correr e a gritar para o colega “O gajo tá do outro lado!”. “O gajo” era um repórter de imagem que fazia a partida de umas quantas criancinhas para um baptismo de voo, autorizado pela direcção.

“O segredo para fotografar sem chatices é termos uma máquina compacta ou um telemóvel”, dizia-me há tempos um fotógrafo amador, já com “barbas” de problemas com autoridades, atraídas como ímanes pelas longas objectivas da sua câmara.

Realmente, num mundo em que toda a gente fotografa e filma e há câmaras ao preço da chuva e aos pontapés, os profissionais e os que levam o hobby um pouco mais a sério converteram-se nos protagonistas “maus” das tais “coboiadas” de que fala o meu herói deste filme. Aliás, desta crónica.

Não haverá maneira de os travar a não ser com “bocas no trombone”?