quarta-feira, setembro 20, 2006

Compromisso... Portugal?!


Por estes dias, os jornais são invadidos pelas notícias sobre o (re)encontro do grupo Compromisso Portugal, que há dois anos atrás procurou agitar as águas, mas que poucos resultados apresentou...

Formado maioritariamente por empresários com nome na praça e que mais tarde estiveram na génese da candidatura presidencial de Cavaco Silva, depois do estardalhaço do primeiro encontro no Convento no Beato e de alguns documentos fracturantes sobre o estado da sociedade portuguesa, esperava-se mais do
Compromisso Portugal nestes dois anos do que a mera análise das propostas de programa de Governo do PS e PSD!

Para esta quinta-feira, espera-se um debate acalorado sobre as questões da Justiça, mas a Segurança Social, o Território e o Ambiente, a Educação, a Competitividade e o Papel do Estado também estarão presentes...

Será que alguém vai "descobrir a pólvora"... no Beato?!

5 comentários:

Anónimo disse...

Passar ao lado


por António Perez Metelo (Redactor principal), in DN, 2006.09.21

O Compromisso Portugal realiza hoje a sua 2.ª Convenção, antecedida por um novo texto de reflexão e a apresentação de propostas concretas em seis grandes áreas fundamentais: ambiente e ordenamento, educação, Estado, modelo social, justiça e competitividade. Em todas elas já se focavam as atenções dos promotores desta associação aquando da 1.ª Convenção, no Convento do Beato, em Fevereiro de 2004. Da reunião de 2004 saíram 30 propostas concretas, que vale a pena ler, hoje, de novo. De então para cá, mudou a cor política do Governo e do Presidente da República. Mas os animadores do Compromisso decidiram passar ao lado das acções e omissões, nos últimos 30 meses, relevantes para a visão e as prioridades, que, então, propunham à sociedade. Fazem mal: em 22 das suas 30 propostas há coisas novas a assinalar. Algumas suscitam, mesmo, alguma surpresa. Exemplo: a proposta 8 preconizava a redução, no espaço de dois anos, do prazo de constituição de uma empresa em não mais de 48 horas! Já a n.º 28 considerava urgente a criação de uma só entidade de cúpula empresarial... Não dizer uma palavra sobre tudo isto, analisando avanços e fracassos concretos, tanto do centro-direita, como dos socialistas na governação, e omitir o papel da tão decantada sociedade civil, que chumbou, por falta de comparência, nesta agenda reformista, reduz a relevância do debate. As novas propostas surgem, assim, como uma fuga para a frente: a reforma em curso da Segurança Social prolonga a sustentabilidade do sistema por mais 50 anos? Não chega, é preciso refundar um outro sistema de raiz! A reestruturação do aparelho do Estado, que está em marcha, propõe-se reduzir 75 mil empregos, em 4 anos? Insuficiente! Só vale a pena, se forem 200 mil, diz o Compromisso Portugal. Pergunta-se: e o facto de Portugal ser apresentado pelo Banco Mundial como o top reformer de 2005 em simplificação burocrática não mereceria, pelo menos, uma notinha de pé de página?

Anónimo disse...

Compromisso na prática

por Sérgio Figueiredo, in Jornal de Negócios, 2006.09.21


Uma nota prévia: agora que são conhecidos os seis documentos de base à discussão na Convenção do Beato, sem sombra de dúvidas que a qualidade do trabalho e da matéria de reflexão subiu vertiginosamente face à primeira iniciativa que o Compromisso Portugal realizou há dois anos.

O método deste ano partiu de grupos de trabalho, liderados por relatores, que produziram umas "versões preliminares", debatidas e aperfeiçoadas pelo "plenário" dos vinte e tal promotores principais.

Contrasta, para melhor, com o "improviso" de 2004, em que a Convenção foi baseada nas intervenções de mais de uma dezena de "estrelas", que ali desfilaram durante um dia inteiro. O Compromisso amadureceu, apresenta trabalho mais estruturado e essa é a primeira utilidade que a nossa classe empresarial dali pode extrair: há um exemplo que revela a diferença entre os resultados produzidos em equipa e aqueles que se obtêm a partir de iniciativas individuais.

Por mais brilhantes que sejam, os espanhóis habituaram-se a partilhar riscos, a unir esforços, a trocar informação, a dividir até clientes e seguirem em consórcio para mercados internacionais e projectos de grande dimensão. Ainda somos o país do "cada um por si" e essa atitude é uma barreira invisível para a competitividade.

Assim, sem ainda ter começado, esta segunda Convenção do Beato já está melhor do que a primeira. Longe de ser perfeita. Longe de ser equilibrada. Longe de ser uniformemente eficaz nas seis áreas que são propostas para a agenda nacional.

O que traz então concretamente de novo o Compromisso para Portugal?

O exercício mais completo e mais prático, até hoje conhecido, sobre a redefinição das funções do Estado. O relatório assinado por Fernando Pacheco e Nogueira Leite explora as boas práticas internacionais. Sobretudo na Educação, na Saúde e na Administração Pública. E adapta-as à nossa situação concreta.

Avança com metas quantificadas. Duplicar o peso dos privados na oferta de ensino. Aumentar, para cerca de um terço, a prestação de cuidados de saúde nos hospitais privados.

Estima impactos. E surpreende. É na gigantesca máquina pública, não tanto na cedência de funções sociais, é portanto no extermínio das grandes ineficiências do Estado que, à luz da experiência de Berlim, se obtêm as maiores poupanças.

Num curto espaço de tempo, o sistema de impostos pode ficar aliviado de 5 mil milhões de euros por ano. E quase 200 mil pessoas ficarão libertas para produzir algo de útil. Este trabalho já vale um Compromisso. Mas não o esgota.

No modelo social surgem as respostas que o PSD foi incapaz de dar. Sabemos, assim, os custos de transição para um sistema de capitalização: 155 mil milhões de euros. Uma barbaridade.

É proposto um método.

Emissão, anual, entre 2007 e 2051, de 3,5 mil milhões de dívida pública nova para pagar as actuais responsabilidades. Que implica, para o défice até 2051, um fardo anual de 0,6% do PIB só em pagamento de juros. E que a partir daí, com as amortizações, sobe para mais de 1% do PIB até ao fim do século. O exercício é meritório. A opção, propriamente dita, impraticável.

E há também um destaque muito especial para a Justiça e a Educação. E o mérito de enfrentar o reino das corporações. Dos juízes e dos professores. De colocar a transparência no centro das relações do Estado com os cidadãos.

De introduzir os mais básicos princípios de gestão. De premiar quem leva a sua profissão a sério. E castigar aqueles que não prestam contas, que atingiram o Nirvana, que confundem deliberadamente discrição com opacidade. E defendem o sistema.

Enfim, o sistema questiona-se e a elite autocritica-se. Essa é a parte mais estimulante do Compromisso Portugal.

Anónimo disse...

A direita que não diz o seu nome

por Vital Moreira*, in Público, 2006.09.26

O conclave do Compromisso Portugal traduziu-se na convergência da elite dos interesses (empresários, gestores, advogados de negócios) com a direita liberal de extracção doutrinária, que pontificou na preparação dos documentos de base e na comissão promotora. Com ideias mais à direita do que as do PSD e menos conservadoras do que as do CDS-PP, a plataforma do Convento do Beato deu expressão a uma direita (neo)liberal intersticial que anda à procura da sua expressão orgânica como grupo de pressão sobre o Estado e sobre os partidos. A prometida "institucionalização" do "movimento" pode bem vir a ter impacto na configuração política tradicional da direita em Portugal.

Descartem-se à partida as pretensões "apolíticas" dos protagonistas da referida iniciativa. Seria difícil imaginar uma iniciativa mais retintamente política e ideológica do que esta. Basta ver as listas dos promotores e dos intervenientes, para verificar a considerável presença tanto de pessoas com notório passado de intervenção político-partidária (sobretudo ligadas ao PSD), como de conspícuos doutrinadores da direita liberal e ultraliberal em Portugal, expoentes das suas publicações mais aguerridas. A tentativa de negação da inocultável dimensão político-ideológica do evento é em si mesma uma forma ideológica de "vender" o movimento como uma iniciativa da "sociedade civil", necessariamente apolítica e tendencialmente "técnica" e desinteressada. Mas a verdade é que o dito movimento não passa de uma representação, aliás assaz elitista, da direita política de inspiração neoliberal.

Tal como antigamente os partidos da esquerda revolucionária fomentavam movimentos frentistas para alargar a sua mensagem e preservar a sua própria "genuidade de classe", também agora os partidos da direita tiram proveito de alegados movimentos da "sociedade civil" para veicular as suas posições e pontos de vista perante auditórios mais alargados. Com uma diferença, porém. Enquanto os movimentos frentistas dos partidos da esquerda revolucionária eram mais moderados, menos doutrinários e socialmente mais heterogéneos do que estes, agora os movimentos da direita são mais radicais, mais doutrinários e mais elitistas do que os partidos da mesma área.

O radicalismo liberal das propostas do Compromisso Portugal é evidente em várias áreas onde a vulgata neoliberal surge em todo o seu esplendor. Tal é o caso da redução do Estado a tarefas mínimas e da reconfiguração da educação, da saúde e da Segurança Social (noção propositadamente substituída por "protecção social") segundo a nova cartilha. A orientação geral é a desmontagem das traves-mestras do Estado social, tanto no que respeita ao tendencial afastamento do Estado da esfera social, como na privatização dos mecanismos de garantia dos principais direitos sociais (direito à educação, direito à Segurança Social, direito à saúde).

No caso do emagrecimento do Estado, o excesso de zelo vai ao ponto de defender a lunática ideia de reduzir 200.000 funcionários públicos em cinco anos. No caso dos serviços públicos fundamentais do Estado social, a linha de orientação consiste em reduzi-los à garantia de esquemas mínimos para os mais necessitados, deixando à responsabilidade individual dos que podem a promoção dos seus próprios interesses individuais nessas áreas. Daí a generalização dogmática do princípio do utente pagador, bem como da liberdade de escolha entre o público e o privado (escolas, hospitais, etc.), mesmo no caso de serviços suportados pelo Estado, e ainda a privatização da gestão dos referidos estabelecimentos públicos.

A proposta mais radical é obviamente a respeitante ao sistema de Segurança Social, o qual seria fragmentado num sistema público de assistência social para os carenciados, num sistema de seguros individuais para as eventualidades de doença, desemprego, etc. e num sistema autónomo de pensões de reforma, que passaria a assentar em deduções para contas individuais de capitalização. Para financiar o enorme défice em que o actual sistema de Segurança Social incorreria pelo facto de deixar de receber as actuais contribuições dos beneficiários, os defensores daquela "revolução" não têm outro meio do que propor a sua cobertura pela emissão de uma gigantesca dívida pública nas próximas quatro décadas, a pagar durante quase um século. Como é fácil ver, trata-se de uma ideia ainda mais radical do que a do PSD - pois este propõe um sistema misto, embora predominantemente assente sobre as contas individuais de capitalização -, sendo de questionar se ela não é propositadamente ultra-radical só para fazer da proposta do PSD uma ideia "moderada".

Esta proposta relativa à protecção social, em geral, e ao sistema de pensões, em especial, é a que mais notoriamente revela a "visão" doutrinária do Compromisso Portugal, na medida em que visa substituir uma modelo de solidariedade intrageracional e intergeracional por um sistema dualista, composto por uma componente pública de mínimos para os mais pobres e por uma componente de capitalização puramente individualista para os demais. De resto, é esse mesmo esquema dualista que perpassa por todas as propostas neoliberais no domínio social, substituindo os sistemas públicos de vocação universal (sistema nacional de saúde, sistema geral de Segurança Social) por sistemas públicos destinados somente aos carenciados, enquanto os demais ficam livres para procurar no mercado os serviços de que necessitam.

É evidente que nem tudo nas ideias do Compromisso Portugal compartilha deste radicalismo liberal. Há muitos diagnósticos e muitas ideias certeiras em áreas menos vulneráveis aos dogmas e à ideologia privatistas, por exemplo na justiça e no ordenamento do território. Por outro lado, no domínio da economia e da empresa, as propostas não se afastam muito das ideias já tradicionais da direita (privatizações, facilitação dos despedimentos, redução dos impostos e da sua progressividade, etc.).

Porém, o que marca as propostas do Compromisso Portugal sãos as que dizem respeito à função do Estado e aos direitos sociais. Aí, sim, há uma verdadeira declaração de guerra ideológica, em nome da "teologia" da iniciativa privada e da restrição das prestações públicas a uma função de garantia de mínimos para os mais necessitados, estabelecendo uma espécie "apartheid" social entre os "have" e os "have nots". Nesse aspecto, a reunião do Beato traduziu-se numa ostensiva ofensiva ideológica contra o modelo social saído da revolução de 25 de Abril e da Constituição de 1976.

Um dos fundamentos para as teses da convergência da esquerda e da direita foi, por um lado, a conversão da direita aos direitos sociais e, por outro lado, a conversão da esquerda à economia de mercado e ao liberalismo económico. Mas essa tese só tinha sentido se se mantivesse o compromisso histórico entre a direita e a esquerda no que respeita ao Estado social, que na Europa resultou de uma "parceria" entre a democracia cristã e a social-democracia. Mas esse pressuposto não se verifica hoje em dia. É que, enquanto a esquerda, convertida à economia de mercado e à eficiência económica, se mantém fiel ao modelo social europeu e ao papel do Estado na garantia do mesmo, já a direita liberal abandonou esse compromisso e partiu em guerra contra ele. Por isso, se é certo que a economia deixou de separar fundamentalmente a direita e a esquerda social-democrata, já assim não sucede, longe disso, no que respeita ao modelo social. Neste campo o liberalismo radical cava profundas distâncias.

A assembleia do Beato teve o mérito de nos recordar e tornar incontornável essa evidência. Quando se sustenta, por exemplo, que a desigualdade de rendimentos se combate com a concorrência económica, então é evidente que há um mundo a separar duas visões distintas da sociedade e do papel do Estado.

* Professor universitário

Anónimo disse...

Os revolucionários do Beato

por Pedro S. Guerreiro (psg@mediafin.pt), in Jornal de Negócios, 2006.09.26

O Compromisso Portugal apresentou ontem várias propostas, muitas delas boas, outras que deviam ser Lei, algumas irrelevantes, poucas que não prestam e várias irrealizáveis.
É uma elite empresarial que é e será sempre acusada de querer trampolim para chegar ao poder governativo, de se afirmar como grupo de pressão com interesses próprios.

Podemos sempre suspeitar das motivações empresariais, políticas ou egocêntricas dos promotores; podemos sempre perguntar o que estão a fazer esta manhã pelo País aqueles que ontem à noite se deitaram com a boa consciência de terem cumprido o seu dever cívico; podemos sempre criticar quem propõe utopias mas jamais as testará – o programa eleitoral mais fácil de fazer é o do partido que sabe que não vai governar. Podemos sempre fazer isto tudo. Mas também podemos deixar a idade do armário e olhar para o que fica do Compromisso deste ano. Sem complacência, com exigência.

Quando Carrapatoso se declara revolucionário e contra os reaccionários, está (propositadamente?) a convocar a discussão em torno da acusação mais consistente feita ao Compromisso Portugal: a de que é um movimento que apresenta as suas propostas como não ideológicas mas que tem uma ideologia latente, mesmo escondida – a tecnocracia; a tese de que o País fica melhor entregue a gestores; o mito da solução única, que é a tecnicamente mais adequada. Como nas empresas.

É por isso que o poder político não comparece ao "rendez-vous" no Beato. Não quer valorizar. Não quer ver Carrapatosos, Mexias, Borges e Relvas a enfileirarem conquistas nos seus terrenos. Porque uma sociedade só percebe soluções técnicas se forem explicitadas ideologicamente, porque um Governo não é uma empresa, porque a despolitização dos assuntos distancia as pessoas, porque a glória de um movimento da sociedade civil é a desnecessidade dos partidos políticos – e são os partidos que interpretam a realidade. Ao invés, os tecnocratas do Compromisso Portugal falavam ontem do País com a mesma linguagem com que falam das empresas: a que aprenderam nos MBA. Posicionamento estratégico. Vantagens competitivas. Quotas de mercado. Nichos. Estratégia de competitividade.

O Compromisso Portugal nasceu como um contra-movimento a outro grupo de empresários, que assinou o "Manifesto dos 40" pedindo a defesa dos centros de decisão nacional. Os proteccionistas despertaram os liberais e estes venceram-nos. Esta é a nova geração, que já cresceu em democracia e sucede aos empresários que se zangaram com o País em 1975. Por isso, não tem contas a ajustar. Por isso, é gente pragmática, optimista, provocante, ambiciosa, que defende a economia de mercado, a concorrência. E é nesse deslumbramento que António Carrapatoso subverte a realidade e "desideologiza" a palavra "revolucionário", chamando de "reaccionários" provavelmente a gente do Bloco de Esquerda e dos sindicatos imobilistas.

No fim da jornada de ontem, sobra um incómodo: para que serviu isto? Seja o que for, não pode extinguir-se num estudo que se entrega a quem aprouver – o Compromisso Portugal é um movimento de elite, não é uma consultora. Ser grupo de pressão não é defeito – é virtude, mesmo que a sua força resulte mais da representatividade económica do que da popular.

A Convenção do Beato não foi um comício, foi uma reunião de trabalho. E dela emerge uma constatação: o Compromisso Portugal tem uma visão e apresenta medidas para a alcançar. E esse é um desafio lançado a um Governo que parece sempre aprisionado pela gestão aflita do quotidiano.

Para um País, o melhor está em quem quer gerir o Estado. O pior está em quem quer gerir o poder. No Governo ou no Compromisso.

Anónimo disse...

O compromisso ultraliberal e a tibieza das respostas

por André Freire*, in Público, 2006.10.02

Na sua obra seminal An Economic Theory of Democracy, Anthony Downs define a competição política democrática centrada no eixo esquerda-direita e variando entre um mínimo de intervenção do Estado na sociedade e na economia, na extrema direita da escala, e um máximo de intervenção do Estado nas duas arenas, na extrema esquerda.
Claro que há outras dimensões relevantes para a competição política, pelo menos parcialmente relacionadas com a divisão esquerda-direita: nomeadamente, as atitudes face às hierarquias sociais e à autoridade, as divisões em torno da moral e da religião, as clivagens em torno dos direitos das minorias (étnicas, sexuais, de género) e os conflitos à volta de uma maior ou menor liberalização dos costumes. Porém, também é verdade que estudos recentes continuam a evidenciar a centralidade das questões socioeconómicas para estruturar a competição política.
Usando o enfoque de Downs, facilmente concluímos pela classificação das propostas das "elites dos interesses económicos" (empresários, banqueiros, gestores de topo geralmente participando no capital das respectivas empresas, advogados, alguns académicos ligados a estas esferas), reunidas sob a sigla "Compromisso Portugal", como ultraliberais, isto é, situadas no extremo direito da divisão esquerda-direita. Vejamos porquê: "todo o conceito de modelo social tem de partir de uma igualdade de oportunidades e depois de uma identificação de quais são os serviços públicos a ser gratuitos e qual a rede de protecção social mínima. (António Carrapatoso na Atlântico, nº 18)" Ou seja, defendem um papel mínimo para o Estado na educação, na saúde e na segurança social. Mais, mesmo para esse Estado mínimo (!), defende-se a privatização (pelo menos parcial) dos serviços públicos: "Deve ou não o Estado financiar todos os custos no ensino secundário? À partida julgo que sim. Financiar as escolas desde que tenham indicadores de qualidade correspondentes. (...) Penso que deve haver um SNS suportado pelo Estado, o que não quer dizer que sejam só os hospitais públicos a fornecer o serviço. (Idem, ibidem)"
A visão do Estado mínimo está bem patente em três propostas emblemáticas do "Compromisso...": um sistema de pensões assegurado pelo sistema público apenas para os mais pobres e tudo o resto assente no chamado sistema de capitalização (seguros individuais); o despedimento de 200 mil funcionários públicos, fazendo recuar brutalmente o papel do Estado nas áreas sociais; uma baixa substancial do IRC.
Estas iniciativas mostram uma notável vitalidade da direita dos interesses e a sua determinação de entrar em força na luta político-ideológica, embora sem o assumir. Tal vitalidade era já patente em outras iniciativas com financiamento dos interesses empresariais e apostadas em fazer passar as mensagens neoliberal e neoconservadora: as revistas Atlântico e Nova Cidadania, o Forum para a Competitividade e o Instituto de Estudos Políticos da Católica (como centro formação das elites conservadoras).
As discussões recentes em torno do Estado Social vieram relembrar-nos com vivacidade as diferenças entre a direita e a esquerda (Vital Moreira, PÚBLICO, 26/9). Mas eu iria mais longe: tais debates evidenciam praticamente todas as posições do continuum esquerda-direita. Desde o ultra-liberalismo do "Compromisso...", com uma protecção social pública mínima, passando pela direita (CDS e PSD), com uma privatização mais ou menos parcial (sistema misto), pelo centro (PS), com a manutenção integral do sistema público mas fazendo recair os custos dos ajustamentos exclusivamente sobre os assalariados, e até à esquerda /extrema esquerda (PCP e BE), com a manutenção integral do sistema público e remetendo os custos dos ajustamentos quase exclusivamente para as empresas e para os rendimentos mais altos.
Tendo em conta a forte presença de pessoas ligadas ao PSD nas suas cúpulas, as acções do "Compromisso..." mostram também que há muita gente apostada em puxar este partido ainda mais para a direita...
Não sei de que cartola tiraram a ideia de reduzir 200 mil funcionários públicos pois, conforme noticiava o PÚBLICO (24/9/06), segundo os dados do Eurostat os 14,3% de funcionários públicos portugueses (face à população activa) estão dentro da média da UE (dados de 2002)! Há um excesso de despesas com o sector público que é preciso reduzir, com certeza. Mas tal dever-se-á mais a uma gestão ineficiente e a problemas na estruturação das carreiras, que aliás estão a ser alvo de reformas. Além disso, tais senhores pretendem fazer o Estado recuar na saúde e na educação para que o capital privado possa expandir-se em áreas relativamente protegidas da concorrência internacional e, ainda por cima, com financiamento público garantido. Ou seja, um recorrente desejo de investimentos privados com pouca exposição à competição internacional e, ainda por cima, protegidos pelo financiamento estatal... Mas se, como frequentemente nos dizem, o país deveria exportar mais, quem iria depois fazê-lo, já que os privados se querem virar sobretudo para o mercado (social) interno? O Estado?
A ciência progride devido ao confronto de ideias, entre si e com a realidade empírica. Para o progresso social, seria muito útil um contraponto mais robusto às ideias neoliberais. Da parte dos sindicatos, dos movimentos sociais e de muitos intelectuais e profissionais (que não se revêem em tais dogmas), tal contraponto (com propostas sustentadas em estudos comparativos e ancoradas empiricamente) tem sido algo tíbio. Claro que, em tempos de hegemonia das ideias neoliberais, a visibilidade concedida pelos media ao "Compromisso..." é muito maior do que a concedida aos sindicatos (Vítor Dias, PÚBLICO, 29/9). Por isso é que são de saudar alertas como o que vários intelectuais subscreveram no PÚBLICO (27/9): "Compre-me isso Portugal".

* Professor de Ciência Política (ISCTE)