quarta-feira, julho 05, 2006

Hoje estamos... em estágio!



Mais de trezentos milhões de lusofalantes por esse Mundo todo estão hoje unidos em torno de uma equipa de futebol. Em estágio, como eles. Concentrados num objectivo único. Mais confiantes uns do que os outros...

Pela segunda vez no seu historial, a equipa das Quinas está nas meias-finais (ou semi-finais, em português do Brasil...) de um Campeonato do Mundo de Futebol. Como há quarenta anos, uma equipa representante de uma geração fantástica que já mostrou à saciedade que é capaz dos maiores feitos e merecedora do nosso apoio incondicional!

Logo à noite, Ricardo, Nuno Valente, Ricardo Carvalho, Fernando Meira, Miguel Maniche, Costinha, Deco, Figo, Cristiano Ronaldo e Pauleta, para além dos demais jogadores e da equipa técnica, sabem que com eles está uma Nação e um Povo de uma País que não se limita ao território continental, aos Açores ou á Madeira. Que eles (...e todos nós!) sejam(os) capazes de concretizar a divisa do Infante que proporcionou novos mundos ao Mundo - TALLENT DE BIEN FAIRE!

2 comentários:

Carla disse...

vamos acreditar!
beijos

Anónimo disse...

Zidane e Scolari

por Vicente Jorge Silva (Jornalista), in DN, 2006.07.05

Luís Afonso, que é um dos mais argutos observadores das manias e comportamentos portugueses, propunha no Público de anteontem um diálogo de antologia entre o impagável barman de bigodinho e um repórter de ocasião. Repórter - "Na sua opinião, qual é o principal obstáculo ao desenvolvimento de Por- tugal?" Barman - "Bem, neste momento... o Zidane, sem dúvida".

A infalível pontaria de Afonso ultrapassa o registo humorístico, ou, dito de outro modo, mostra que o humor é o registo mais pertinente para captar o actual (e não só o actual) "estado de alma" pátrio. Não há aqui exagero nenhum. De facto, e falando muito a sério, Zidane é mesmo, neste momento, o principal obstáculo ao desenvolvimento de Portugal. No nosso inconsciente colectivo instalou-se uma superstição férrea: para varrermos de testada as frustrações e queixumes em que nos consumimos, precisamos ainda de superar o factor Zidane.

Diga-se que Zidane não é apenas um prodigioso jogador de futebol, porventura o maior de sempre. É alguém que arrasta atrás de si toda uma equipa, o maestro que a organiza, a impulsiona e, sobretudo, se revelou capaz de transformar os patos coxos deste campeonato na selecção agora mais favorita ao triunfo final. O mais extraordinário é que ele, que anunciara a sua despedida definitiva dos relvados depois do Mundial, nunca terá atingido uma tal plenitude de arte e combatividade como nos jogos em que a França derrotou a Espanha e o Brasil. No crepúsculo da sua carreira, no último adeus que teima em diferir de jogo para jogo, Zidane renasce em todo o esplendor. Se o futebol é o resíduo mitológico dos combates da Antiguidade, o mediterrânico Zidane aparece-nos como a reencarnação de um velho herói grego, daqueles que guardam para o tempo do adeus - e da morte, por metafórica que seja - a alma maior dos feitos guerreiros.

Há apenas duas semanas, depois dos jogos apáticos com a Suíça e a Coreia, a selecção francesa era o retrato perfeito do declínio de um país, como então aqui assinalei, ao tentar algumas analogias entre o estado das equipas e os "estados de alma" nacionais. Mas Zidane e a equipa que renasceu com ele trocaram as voltas a todas as previsões. Agora, outra analogia é possível fazer: entre a França e Portugal. É que os franceses - como se viu pela onda de euforia que atravessou o Hexágono - encontraram na incrível metamorfose da sua selecção um pretexto para sublimarem o malheur da decadência nacional. E os portugueses, inicialmente tão cépticos sobre as chances da nossa selecção e tão furiosos com as casmurrices de Scolari, acabaram por fazer da caminhada vitoriosa da equipa das quinas uma ocasião para contrariar o ambiente de derrotismo em que mergulhámos.

A partir do momento em que a selecção portuguesa chegou, contra a grande maioria dos prognósticos, às meias-finais, e deixou de ser irrealista vê-la sagrar-se campeã do mundo, os sonhos mais loucos tornaram-se subitamente possíveis. Embriagados por uma euforia ilimitada e sem precedentes, nestes tempos em que o futebol se tornou a guerra por outros meios, todos os factores de inibição, crise e depressão que trazem o País cabisbaixo e a ver a vida andar para trás eclipsaram-se quase da noite para o dia.

Redescobrimos heróis para todos os gostos: Figo - o velho Figo que, como Zidane, nunca pareceu tão em forma -, Maniche, Ronaldo, Deco, Carvalho e, agora, sobretudo, Ricardo. Mas o super-herói, no fundo o nosso verdadeiro Zidane, acaba por ser o antes mal-amado "sargentão". Percebeu-se, enfim, que a alma, a energia, a confiança, a capacidade de entrega, sacrifício e luta com que a selecção se tem batido (nem sempre bem, é certo, e beneficiando de um astral muito benigno) são transmitidas e vividas a partir do banco. A exuberância paternal de Scolari (que contraste, por exemplo, com o triste e apagado treinador francês!) parece contagiar tudo e todos, incentivando o espírito de equipa que está na origem dos sucessos portugueses.

É evidente que, com tudo isto, corremos um risco enorme. Mesmo perdendo para a França e para o mítico Zidane, já deveríamos considerar a nossa auto-estima recuperada, ao termos atingido o pódio dos Magriços, há quarenta anos, em Inglaterra. Simplesmente, até isso já sabe a pouco e coloca outra questão. Se porventura acabarmos campeões do mundo de futebol, como havemos de conciliar a alma de vencedores desta guerra mitológica com o velho fado de derrotados na vida concreta da Nação? A selecção já fez o que tinha a fazer por nós - mesmo que não ganhe a Taça do Mundo. Resta saber o que podemos fazer para merecermos a selecção.