quinta-feira, julho 27, 2006

F & V - Quem tem medo dos exames?!


(Publicado na rúbrica Frente & Verso da edição de 17 de Julho de 2006 do semanário BARLAVENTO)


A ministra Maria de Lurdes Rodrigues tem protagonizado uma luta constante pela concretização de um conjunto de reformas no sector da educação indispensáveis para fazer um País mais moderno e desenvolvido.

Apesar de vir acumulando sistematicamente antipatias e insatisfações, a ministra da Educação tem procurado derrubar barreiras, rompendo com interesses instalados e colocando as escolas e os alunos na primeira linha das preocupações de todos nós…

É bom que se perceba que não podia continuar tudo na mesma. A responsabilidade atribuída a este Governo não podia ser rejeitada e a oportunidade está a ser bem aproveitada, nomeadamente neste domínio!

É fundamental que as escolas e os professores percebam claramente qual é a sua missão. É essencial que as suas actividades e os seus resultados almejem cumprir objectivos previamente determinados e que as avaliações não sejam uma excepção, mas antes uma fase com data certa e marcada no processo educativo. Para os responsáveis das escolas e para os professores, para os alunos e para os pais e encarregados de educação…

É indispensável que todos participem no combate pelo sucesso escolar e pela preparação das nossas crianças e jovens para a vida activa. É obrigatório que se acabem com os furos escolares e que as aulas de substituição sejam um hábito nas comunidades escolares, rentabilizando professores desempregados e eliminando tempos mortos.

O enriquecimento curricular com mais aulas de inglês, educação física ou artística, ou a extensão dos horários no primeiro ciclo do ensino básico, devem ser uma aposta das autarquias responsáveis ou das associações de pais mais empenhadas, envolvendo quem estiver em melhores condições técnicas e pedagógicas de proporcionar aulas de qualidade e aproveitar os recursos financeiros consignados pelo Estado.

Por tudo isto, acredito que uma andorinha pode fazer a Primavera, mesmo que fracasse perante deputados que faltam mais que certos professores e bloqueie defronte de jornalistas que, se fossem a exame, talvez tivessem pior nota que alguns alunos do secundário!

Estamos a falar de uma mudança comportamental e de uma reforma geracional que implicam desafios e riscos. A luta pela qualidade da nossa sociedade e pela competitividade da nossa economia passa por escolas preparadas para enfrentar estes reptos. Alguém quer ficar de fora?!

PS – Esclareça-se que pertenci a uma geração que sempre fez provas de avaliação e exames de aferição para transitar de ano. Da 4.ª classe ao 12.º ano, passando pelo 2.º ano do ciclo, pelo 9.º ou pelo 10.º. Não foi fácil, mas ainda estou vivo!

1 comentário:

Anónimo disse...

Exames: incompetência, arrogância, autismo e manhosice

por Santana Castilho*, in Público, 2006-07-31

O texto que tinha escrito para esta crónica não era este. Mas o decreto-lei ontem aprovado em Conselho de Ministros (reescrevo na sexta-feira, 28) justifica que aborde o tema. Este decreto-lei, que só conheço pelas referências feitas ao PÚBLICO pelo secretário de Estado Valter Lemos, vem estabelecer que as melhorias de notas tentadas na 2.ª fase dos exames do 12.º ano sejam válidas para a 1.ª fase das candidaturas de acesso ao ensino superior.

O que até agora estava claramente vedado pela lei em vigor passará a ser possível a partir do dia em que a decisão, ontem tomada pelo Governo, produza efeitos. Mas esse dia é futuro, o que significa que tudo feito anteriormente nesse sentido é ilegal.

Recorde-se que o Despacho Interno n.º2 - SEE/2006 permitia a repetição dos exames 615 e 642, respectivamente Física e Química, e fixava a validade da melhor classificação obtida, dando origem a uma enorme trapalhada e a um hediondo atropelo à lei. Com efeito, como era possível dar comando diverso do que a lei fixava, por mero despacho interno de um secretário de Estado? Como era possível espezinhar tão levianamente o sagrado princípio da igualdade, decidindo que um grupo de alunos teria, por razões subjectivas de apreciação, tratamento diferente dos restantes, em igualdade de situação objectiva? Das múltiplas declarações de juristas, entretanto conhecidas, não vi uma só que não conclua pala manifesta ilegalidade da decisão. Apenas a inefável ministra da Educação afirmou na Assembleia da República que era legal.

Ora o que é que o decreto-lei ontem aprovado acrescenta? Pelo menos duas coisas: o reconhecimento governativo, tardio, de que só um decreto poderia permitir o que fizeram por despacho; que se seguirá, eventualmente, o processo da manhosice, na medida em que irão defender que deram meras instruções internas, que o que necessitava de decreto era a questão do processo de acesso e esse, quando se iniciar, já estará legitimado pela alteração da lei. É evidente a fragilidade e a insustentabilidade de tal estratégia. Mas é isto que está implícito nas declarações de Valter Lemos. Espantaria a inteligência mínima. Mas não espanta quem segue o que estes senhores têm feito. A lei dribla-se; decidimos já e mudamos depois; pois se até temos maioria e sabemos antecipadamente que a nossa ideia vence, para quê perder tempo com as fases processuais e com as opiniões dos outros? Triste este conceito de democracia e esta visão de Estado de direito.

A desconfiança profunda entre a ministra e os restantes actores do sistema educativo evoluiu para um estádio de motim judicial.

Providências cautelares, impugnações, greves, são o que se segue. O autismo da ministra impediu-a de ver que com um outro clima levaria a bom porto muitas das mudanças que preconiza, quem sabe, sem resistência. Esse autismo e a arrogância que o antecede ficaram patentes na questão dos exames. Em vez de reconhecer o erro, decidiu negá-lo. Com isso perdeu a confiança dos que até aqui manipulou, com as suas medidas populistas. Começando por afirmar não ter nada a explicar, acabou confrangedoramente cilindrada na AR, onde ouviu de tudo, até a acusação de falta de dignidade intelectual. Até eu, que não gosto dela, tive pena ao vê-la paternalmente protegida pelos gritos caricatos do ministro dos Assuntos Parlamentares. Tudo porque não percebeu que não se pode desmentir o óbvio.

Espero que, pelo menos, o país tenha percebido, finalmente, que há uma diferença entre uma chefe de divisão, vocacionada para obedecer ao chefe, e uma ministra e que muito do que se apresenta como determinação não passa de mera fraqueza. Este debate teve o mérito de mostrar que sem a protecção da simpatia dos que nada fazem para perceber a causa das coisas e sofrem de sebastianismo crónico, esta senhora soçobra. Porque, sobre teorias de Educação, nada do que diz entende. Porque o que faz assenta em pressupostos errados e conceptualmente insustentáveis.

Na génese de tudo está um aspecto pouco sublinhado e que por isso importa destacar. Muitos exames patentearam uma concepção técnica incompetente. E não me venham com a história de que só houve problemas com alguns, em meio milhar. É exigível ao Gabinete de Avaliação Educacional (Gave) que não haja problemas com nenhum. É para isso que existe. As declarações da sua presidente, tipo "... apropriação insuficiente do novo programa por parte de professores, alunos e materiais..." para justificar o que aconteceu, servem para defender o impossível: não são os exames que permitirão concluir isto; se isto se verificava, o Gave devia tê-lo percebido atempadamente e feito reflectir na concepção dos exames. É que um critério básico destas coisas (validade de conteúdo) exige a adequação do instrumento de medida à coisa a medir. Por outro lado, não serve de escusa "nem os catedráticos se entenderem sobre algumas questões".

O problema é diverso: os exames só podem ser claros e incontroversos para todos. Juntando a estes factos erros científicos indiscutíveis, a conclusão é incontornável e tem nome: incompetência. Estes aspectos técnicos são da responsabilidade de técnicos. Mas a escolha dos técnicos e a definição dos mecanismos de controlo são da responsabilidade dos políticos. Sobretudo quando os erros se repetem e os técnicos se eternizam nos postos e ainda dizem disparates para se defenderem, estamos em presença de outra incompetência: política. Comecem pois a antever os problemas do próximo ano se as senhoras (e senhores) não mudarem.

* Professor do ensino superior