domingo, novembro 25, 2012

Pensar no futuro com os olhos no passado...

Queria aproveitar este 25 de novembro para evocar Ernesto Melo Antunes e o seu papel no 25 de Abril, não apenas o membro da Comissão Coordenadora do Programa do MFA e conselheiro de Estado (1974-5), que assume sucessivamente responsabilidades governativas nos Governos Provisórios, mas também o homem íntegro e o pensador incansável...

E relembro Melo Antunes, porque na Visão de 15 de novembro, António Lobo Antunes recorda o querido amigo de forma simplesmente magnífica, como só ele sabe escrever:
"...Eu para o Ernesto
- Tavira é mais bonito que Paris, não é?
e o cigarro a responder por ele
- É."
 
E lembro-me das recordações do meu pai, pouco mais velho do que ele, mas que frequentemente falava-me do menino Melo Antunes que tinha crescido em Tavira e tinha grangeado a sua admiração na bomba da SONAP. Devem estar algures a contemplar as águas do Gilão... fortes e serenos, como sempre foram!

Aliás, o fabuloso texto do mestre António Lobo Antunes acrescenta:
"...Postura severa: desfez-se inteira numa tarde, ao propor-me
- Vamos a Tavira?
e, após uma longa pausa
- Fui feliz lá, na infância.

E fomos a Tavira, ele, eu e o menino que de repente saltou do Ernesto e nos passeou na cidade no entusiasmo das lágrimas contentes, com o Ernesto a tentar calá-lo numa pressa envergonhada
- Desculpa
embora quanto mais ele aumentasse de tamanho, quanto mais o cegasse no interior dos óculos mais ele via, o Ernesto
-Desculpa
aflito com a criança que morava nele, aliviando um pouco a dor de profundas 
raízes de um homem atormentado pelos seus demónios secretos."

E Tavira é de facto mais bonita que Paris, "onde nos sentimos mais felizes é a nossa terra natal."

Voltando ao princípio, sublinhe-se que algumas das questões centrais da revolução portuguesa – como a descolonização ou o debate em torno do modelo económico e social a instaurar – não são compreensíveis sem Melo Antunes.
 
Autor do Documento dos Nove, Melo Antunes é um dos protagonistas do verão quente de 1975 e uma peça chave para entender o 25 de Novembro e o fim do ciclo revolucionário. Conselheiro da Revolução, durante toda a sua vigência, desde 1975 até 1982, dá um importante contributo para a consolidação democrática,quer como presidente da Comissão Constitucional, antecessora do Tribunal Constitucional, entre 1976 e 1983,  quer como conselheiro de Estado durante as Presidências de Ramalho Eanes e Jorge Sampaio.
 
Homem de cultura e de forte consciência cívica, Melo Antunes é uma figura central da História Contemporânea portuguesa que curiosa e inexplicavelmente, continua a ser um desconhecido para a maioria dos portugueses. Esperemos que não seja necessário esperar muito tempo pela verdadeira homenagem e para percebermos o real valor dos seus contributos para a Democracia Portuguesa!

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