sábado, março 31, 2007

Misturar alhos com bugalhos...


O Tribunal de Contas diz que a contratação de pessoal para os gabinetes dos ministérios tem sido "pouco transparente" e ignora os critérios da boa gestão financeira...

Segundo a
TSF, e a conclusão de uma auditoria que encontrou ainda discrepâncias salariais para elementos que desempenham funções semelhantes e nomeações sem a devida publicação no Diário da República.

Contudo, lá para o meio do relatório é apontado um valor que
alguma gentinha já está a considerar como as despesas globais dos gabinetes, misturando despesas correntes com transferências financeiras para a Segurança Social e serviços dependentes...

Alguém tem ideia do que são 12 mil milhões de euros?! Será que a seriedade e o bom senso ficaram esquecidos nalguma curva do caminho?! Já agora, será que a leitura do relatório permite mesmo tais conclusões?! Vou ler...

2 comentários:

Anónimo disse...

De quem é o erro, afinal?

por Amílcar Correia, in Público,
07.04.2007

O Tribunal de Contas vai reapreciar o relatório sobre as nomeações do primeiro-ministro

O relatório que o Tribunal de Contas divulgou na semana passada sobre a gestão dos gabinetes ministeriais e dos gabinetes dos três últimos primeiros-ministros entre 2003 e 2005 vai ser reapreciado depois de José Sócrates ter invocado supostos erros no documento. O ponto em questão, aquele que mais preocupa o primeiro-ministro, refere-se a eventuais discrepâncias entre os dados fornecidos e os dados publicados quanto aos funcionários do seu próprio gabinete. O relatório atribui ao primeiro-ministro 148 contratações, mas este garante que foram contratados apenas 50 funcionários (dos quais cinco foram exonerados).
Numa carta enviada ao presidente do organismo, Guilherme de Oliveira Martins, e transcrita ontem pelo semanário Sol, José Sócrates alega que as mencionadas contratações são o somatório das admissões do seu gabinete, dos funcionários afectos à residência oficial de S. Bento e ainda dos 54 elementos que integravam o gabinete do seu antecessor, Santana Lopes. Estes últimos cessaram funções em Março de 2005 e, por isso, receberam pagamentos posteriores. Nada que os conselheiros do Tribunal de Contas aparentemente desconhecessem. Estas informações terão sido prestadas pelo Governo durante a fase de contraditório a que o relatório foi sujeito, encontrando-se mesmo num anexo de 55 páginas, podendo-se concluir que foram ignoradas ou desvalorizadas. Jorge Lacão, secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, já alertara para a confusão provocada pela "agregação de nomeações por diferentes primeiros-ministros".

A rectificação de um relatório como este, que revelava a existência de falta de transparência nos processos de admissão, situações de ilegalidade ou total discricionaridade na tabela salarial, não tem precedentes. O documento tem um carácter definitivo pelo facto de ter sido aprovado em plenário de conselheiros e só pode ser alterado quando comprovada a existência de erros materiais.
Das duas, uma: ou a informação fornecida por S. Bento estava incorrecta ou os auditores interpretaram-na mal. No primeiro caso, Sócrates só se pode queixar de si próprio. O relatório foi elaborado com base em dados fornecidos pelos próprios gabinetes do Governo e os auditores do tribunal criticaram aquilo que designaram por condicionantes e deficiências da informação enviada. Na lógica do Tribunal de Contas, o erro deve-se ao facto de ter sido incluído no gabinete de Sócrates um rol de pessoas que tinha integrado a equipa do seu antecessor no cargo. No segundo caso, tendo em conta a resposta de Oliveira Martins ao primeiro-ministro, onde admite a possível existência de falhas, é a credibilidade do próprio organismo, e das auditorias que realiza, que sai descredibilizada desta autêntica e escusada trapalhada. Também é de estranhar que Oliveira Martins só tenha tomado consciência de uma eventual necessidade de reapreciar o relatório na sequência da troca de correspondência com Sócrates.
Admitir um erro é uma prática saudável, pois não existem instituições infalíveis, mas não deixa de levantar dúvidas sobre o rigor com que os dados foram fornecidos ou tratados.

Anónimo disse...

O cerco aos 'boys'

por Marina Costa Lobo, in DN, 2007.04.07

Normalmente, com a posse de um novo governo, a comunicação social costuma dar algum destaque à questão da composição dos gabinetes ministeriais salientando as nomeações realizadas. Mas só agora, com a divulgação da auditoria do Tribunal de Contas ao funcionamento dos gabinetes, é que dispomos de informação concreta e abrangente sobre a dimensão do fenómeno dos jobs for the boys no período mais recente. Um pouco por toda a parte tem- -se elogiado este esforço do Tribunal de Contas, que lança alguma luz, pela primeira vez, sobre os pormenores menos transparentes da formação de governos. Se este é, de facto, um estudo notável, não se compreende como é possível que tenham tido que passar 33 anos de democracia para que semelhante auditoria fosse feita.

O relatório tem 250 páginas, ao longo das quais se faz um retrato quantitativo da composição, financiamento e recrutamento para os gabinetes ministeriais dos últimos três governos entre 2003 e 2005, cobrindo portanto o último ano do Governo Barroso, o Governo de Santana Lopes e o primeiro ano do Governo Sócrates. As críticas que o relatório aponta são de cariz financeiro, legal e político e estendem-se aos três governos em causa. Do ponto de vista financeiro, existe uma prática muito pouco transparente de usar os gabinetes para fazer transferências correntes para os ministérios, o que inflaciona desmesuradamente os gastos de cada gabinete. Descontando isto, verifica-se o desrespeito pela tabela vigente em relação aos vencimentos praticados. Contratam-se indivíduos do sector privado que ganham salários superiores aos do membro do Governo para quem trabalham, e até do primeiro-ministro. Além disso, também é de assinalar que o Governo Sócrates nesse primeiro ano apenas reduziu os gastos com os gabinetes ministeriais em 2%, em relação a 2003.

Do ponto de vista da legalidade dos procedimentos envolvidos no recrutamento, a discricionariedade é a regra. Embora se especifique o número de pessoas que um membro do governo pode recrutar para o quadro do gabinete, há a possibilidade de recrutar especialistas e técnicos sem outro limite que não seja o que é imposto pelo Orçamento do Estado. A lei especifica que estes especialistas devem ser recrutados para realizar estudos de carácter pontual. Mas o estudo demonstra que 81% dos especialistas se mantiveram em funções do princípio ao fim do mandato, ficando por isso provado que é apenas uma forma encontrada para contornar os limites de recrutamento fixados na lei para o quadro. Embora o relatório não lhe dê devido destaque, na medida em que não coloca os dados nas conclusões, existe um quadro (pág. 49) onde se apresenta o número de recrutamentos feitos para os gabinetes dos primeiros--ministros Barroso, Santana Lopes e Sócrates. Cerca de metade dos membros destes gabinetes foi recrutada além-quadro.

Do ponto de vista político, podemos retirar algumas conclusões. Há certamente uma grave desadequação da lei às necessidades dos governantes. Em toda a Europa tem havido uma tendência para o crescimento dos gabinetes dos ministros e sobretudo dos primeiros-ministros. Estes precisam de ter condições pessoais, técnicas e políticas para exercer os seus mandatos, para cumprir as exigências cada vez maiores que recaem sobre eles. Seria fundamental reconhecer essa desadequação e legislar para o efeito.

No entanto, se é verdade que tem de haver gabinetes com recursos, a sua missão colide com a tradição da politização dos altos cargos da administração pública existente em Portugal. Os gabinetes ministeriais formam um cordão sanitário entre o poder político e os funcionários públicos, que seria mais aceitável se em Portugal as nomeações para os altos cargos da função pública não fossem também elas de nomeação política. Neste momento, não só os ministros nomeiam livremente os detentores dos mais altos cargos da administração pública como a seguir escolhem um gabinete de dimensões e vencimentos pouco transparentes para efectuar funções que normalmente poderiam ficar a cargo dos altos funcionários públicos politizados.

Em tudo isto, o Governo reagiu mal, desprevenido e à defensiva. Numa declaração oficial, o Governo justifica-se, dizendo que tudo está bem, porque sempre foi assim: "A contratação de especialistas para prestarem apoio aos gabinetes governamentais decorre nos termos da interpretação da lei vigente, tal como consolidada pela prática uniforme dos sucessivos governos, e tem como limite o cabimento orçamental próprio de cada gabinete." Não chega, para um Governo que se afirma como promotor da qualidade da democracia em Portugal.