quinta-feira, dezembro 14, 2006

Camarate - É tempo de dizer basta!


(Publicado na edição de 14 de Dezembro de 2006 do jornal BARLAVENTO - Frente & Verso)

Quando se assinala a morte de Sá Carneiro e de Amaro da Costa, o caso Camarate renasce das cinzas do esquecimento e lá aparece o líder de circunstância do PSD a recordar que nada ficou esclarecido e, muito menos, resolvido!

Esta tendência nostálgica dos portugueses para a melancolia acentua-se com a proximidade do Natal. Para maior (en)fado nosso, calhou um Primeiro-Ministro em exercício ter falecido em circunstâncias misteriosas e, sem os meios que os CSI de hoje dispõem, a Polícia Judiciária não ter encontrado o fio da meada entre os destroços do Cessna que se despenhou em Camarate.

Independentemente das diligências do Ministério Público e das formalidades do nosso sistema jurídico, parece que há quem nunca tenha tido dúvidas de que se tratou mesmo de um crime e esteja empenhado em levá-lo a julgamento, embora o caso já tenha prescrito e o seu julgamento seja claramente inconstitucional passados todos estes anos. Principalmente no PSD, onde aparecem herdeiros políticos de Sá Carneiro todos os dias e onde o mito do fundador é alimentado à saciedade, especialmente nas vésperas de eleições…

Acidente ou atentado, será a dúvida que permanecerá eternamente, embora o tempo e os elementos “novos” venham cada vez mais a corroborar com a segunda tese, nomeadamente se atentarmos ao enquadramento geo-estratégico de Portugal no início dos anos oitenta e as investigações em curso que apontam o ministro da Defesa Amaro da Costa como o verdadeiro alvo dos alegados bombistas, como é defendido numa das versões dos acontecimentos. Afinal, a confirmar-se esta tese, a morte de Francisco Sá Carneiro seria apenas um dano colateral!

Contudo, a carga dramática das mortes de dois estadistas e dos membros da sua comitiva em plena campanha eleitoral, que terminaria com a reeleição de Ramalho Eanes para a Presidência da República, e a relativa juventude da democracia portuguesa contribuíram para a criação de um mito, que agora se procurar preservar a todo o custo. Sem um ideário firme e sem referências políticas, afastado das famílias partidárias internacionais e órfão de uma liderança carismática, o PPD/PSD agarrou-se ao drama de Camarate como a uma bóia de salvação que, passados todos estes anos e principalmente quando está na oposição, parece não querer largar. É tempo de dizer basta!

Assim exige a preservação do Estado de direito tal como o conhecemos, com as deficiências e as lacunas que estão reconhecidas e devem ser ultrapassadas, como é consensual entre os partidos políticos. Assim exige a memória de Sá Carneiro, que deve ser recordado por aquilo que fez enquanto contestatário do regime fascista, líder partidário e governante. Assim exigem as gerações futuras, a quem devemos poupar destas vergonhas do nosso passado comum e concentrar nas tarefas prioritárias de consolidação da democracia, de reforma do Estado e da Administração Pública e de salvaguarda dos direitos dos cidadãos, nomeadamente através de uma justiça célere, eficaz e independente!

PS – Há casos no Algarve que são sobejamente conhecidos e exigem uma intervenção rápida dos órgãos judiciais para não descredibilizarem de forma irremediável órgãos autárquicos democraticamente eleitos. Será que os partidos políticos democráticos da região vão continuar calados a assistir a um espectáculo totalmente degradante sem nada dizerem?! Será que vale tudo para ganhar eleições ou manter o Poder e não se devem tirar consequências políticas dos erros cometidos?!

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