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sexta-feira, novembro 17, 2006
Querem apostar?!
Depois do Congresso do PS e das entrevistas de Cavaco Silva e Santana Lopes, querem apostar a posição de José Sócrates e do seu Governo vai sair reforçada nas sondagens do final do mês?!
Apesar da greve geral da Função Pública (que ficou muito aquém do propalado pelos sindicatos...), dos protestos generalizados por via das leis das Finanças Regionais e Locais e de algumas medidas pouco populares contidas no OE'2007 (redução de orçamento das Universidades, queda do investimento público, centralização do PIDDAC...), quando o Presidente da República defende que este é o momento exacto para fazer as reformas necessárias é certo que o povo percebe que é agora... ou nunca!
Como se não bastasse, a entrevista de Santana Lopes serve na perfeição para recordarmos tempos divertidos e que não queremos voltar a viver nos próximos tempos, se bem que o senhor nos avise que pode voltar a qualquer momento. Não haverá quem o segure?!
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3 comentários:
Seguro de vida
por João Morgado Fernandes, in Diário de Notícias - Editorial, 2006.11.17
Desde ontem à noite que fazer oposição em Portugal passou a ser tarefa quase impossível.
A entrevista do Presidente da República à SIC prolongou o estado de graça de José Sócrates por largos meses e só um percalço de imprevisíveis dimensões perturbará a marcha da governação. Pelo menos até ao final da presidência portuguesa da UE, em Dezembro de 2007.
No entender de Cavaco Silva, estamos perante um governo com "espírito reformista", num tempo de reformas inadiáveis. Quando questionado acerca de quais considera mais importantes, o Presidente assinalou, uma a uma, precisamente aquelas que estão no topo da agenda de Sócrates: administração pública, segurança social, educação, contas públicas.
Parece sincera a sintonia entre os nossos dois principais agentes políticos. Na verdade, é uma sintonia forjada na realidade. No nosso atraso, por um lado, e na percepção de que estaremos a viver um tempo de última oportunidade - não apenas as reformas são inadiáveis, até pela força da circunstância europeia e global em que nos integramos, como estão criadas as necessárias condições de estabilidade para a sua aplicação.
Mas não é apenas pela sintonia de agendas que Cavaco constitui o principal seguro de vida do primeiro-ministro. É pelo próprio entendimento que o PR reiterou das suas funções: um mobilizador de vontades; um vigilante silencioso. Eleger publicamente os casos de sucesso, como factores de mobilização, vigiar a acção governativa, mas apenas no recato do Palácio de Belém.
Da entrevista não sobrou a mais leve crítica ao Governo e Cavaco deu--se mesmo ao luxo de quase promulgar em directo a Lei das Finanças Regionais e de deixar no ar a ideia de que, por sua ajuda, não se concretizarão os anunciados protestos públicos dos militares.
Mas se é verdade que para Sócrates melhor não poderia ter sido, é bom não esquecer que estamos ainda no início de um longo ciclo político, pelo que este apoio presidencial constitui igualmente um elevar de fasquia para o Governo. Daqui a dois anos, Cavaco e o País quererão resultados. O Presidente não governa, cria condições para a governação - no caso, todas as condições -, pelo que o falhanço, que nunca será seu - até porque, algures no futuro, surgirão alguns alertas -, será completamente imperdoável.
Um optimista dirá ainda que para Luís Marques Mendes esta foi também uma entrevista seguro de vida. Perante tudo o que foi dito, o que se poderá pedir ao líder da oposição?
Marques Mendes chegou ao deserto
por Manuel Carvalho, in Público - Editorial, 2006-11-19
A mais de dois anos de distância das próximas legislativas, ainda é muito cedo para se acreditar que Cavaco Silva cometeu o crime de infanticídio, mas a apologia que esta semana fez ao reformismo de José Sócrates transformou-se no mais duro e profundo golpe nas expectativas de crescimento que Marques Mendes conheceu desde que é líder da oposição. Com meia dúzia de declarações de apoio ao sentido das reformas, Cavaco deixou o PSD órfão da sua actual referência de poder; e, principalmente, com um acto falhado, acabou por meter num saco a equidistância para se colar a Sócrates quando lembrou: "Nós estamos a fazer as reformas na direcção que é necessário fazer". Sócrates, como seria de esperar, rejubilou: num ápice, esqueceram-se os desatinos, remeteram-se para um lugar secundário as advertências do Banco de Portugal sobre as incertezas da retoma económica e o país ficou a perceber que o Bloco Central persiste hoje na cumplicidade entre o primeiro-ministro e o presidente.
Os mais bem-intencionados dirão que Cavaco não tinha outra forma de se estrear em entrevistas públicas sem afagar o ânimo de José Sócrates, a bem da estabilidade e da cooperação estratégica. O que está em causa, porém, não é o apoio ao Governo, mas o grau com que foi formulado. Desta vez, Cavaco Silva não se refugiou no recato institucional para pronunciar generalidades; foi assertivo e por vezes entusiasta, deixando claro que, nos seus planos, havia uma clara vontade de tomar posição por uma das alas do teatro político. Dizer que este Governo tem "um espírito reformista" é uma consideração genérica, mas afirmar que vai na direcção certa, que a economia dá sinais "que vão no sentido positivo" ou até que a Lei das Finanças Regionais é boa, ao contrário do que o seu antigo partido sustenta, é uma declaração de interesses que revela o desejo de separar as águas. Ora, é nessa separação de águas que o Governo acaba a flutuar e o PSD de Mendes se afoga.
E afoga-se porque está refém de considerações opostas às que o Presidente subscreveu. Agora, ou diz que Cavaco está errado, o que lhe custaria o levantamento de parte das suas hostes, ou que, podendo estar genericamente certo, não mede em toda a plenitude as necessidades do país. Como de imediato se verificou, Marques Mendes seguiu a segunda via e, de imediato, lembrou que "hoje, infelizmente, Portugal não tem o espírito reformista que podia e devia ter", ou ainda que "não basta falar de reformas, é preciso fazê-las". Não tendo por onde escolher, o líder do PSD está condenado a ficar prisioneiro das contradições entre o que apregoa e o que a figura referencial do seu partido defende.
Fustigado pelo Governo, pelo PS, por figuras históricas do PSD como Ângelo Correia ou declarados adversários internos como Luís Filipe Menezes, Mendes é hoje um homem só. Até ao desastroso apoio a Jardim, estava a atravessar com razoável mérito o deserto da oposição. Com uma das principais fontes do capital simbólico do PSD a passar-se para o lado do adversário, a via-sacra ficou mais íngreme. Até onde lhe resistirá?
Cavaco e Sócrates
por VASCO PULIDO VALENTE, in Público, 2006-11-19
O dr. Cavaco e o eng.º Sócrates são de certa maneira muito parecidos. Saíram os dois de um obscuro canto da província (um de Boliqueime, o outro da Beira) e em Lisboa, no Governo e, no caso de Cavaco, até em Belém, nunca verdadeiramente se adaptaram à cultura urbana. Vem neles sempre à superfície o constrangimento do estranho, uma certa reserva de quem não está em casa e uma atávica desconfiança da volubilidade e das maneiras de uma classe média e de uma burguesia com uma educação mais sofisticada e cosmopolita. Não "pertencem". Mas, por isso mesmo, têm uma enorme vontade de poder, servida por uma enorme paciência e disciplina. É a velha história, que encheu dois séculos de literatura, do jovem que sobe à capital para a dominar, na sua variante moderna e portuguesa.
Reforçada por uma ascensão difícil, a certeza íntima do seu mérito acabou nos dois, muito previsivelmente, em todo o autoritarismo e rigidez que a democracia permite. Falam pouco e com prudência. Mandam com discrição e com "firmeza". Num país politicamente educado por Salazar, não custa perceber como se tornaram, e foram aceites, como o modelo do "chefe". As raízes da persistente popularidade de ambos chegam fundo e longe; e não dependem da "rua". Não admira que se entendam, tanto mais que não há entre eles qualquer competição de prestígio ou de interesse. Quando Cavaco apoia Sócrates, não apoia o Governo ou o PS, apoia as "reformas" que ele próprio, em grosso, faria e principalmente a "ordem" e a "dignidade" do Estado, isto é, o fim da balbúrdia partidária, da "rasteira" de corredor e do escândalo público, que ele detesta.
Como de resto já disse, Cavaco prefere a maioria absoluta, qualquer maioria absoluta, a qualquer espécie de coligação. Ou seja, prefere um poder incontestável e forte a um poder contestável e fraco. E compara com certeza a actual submissão do PS e o unânime congresso de Santarém à perpétua "trapalhada" do PSD. Para ele, como para Sócrates, não existe a menor dúvida sobre o que o país precisa. A discordância é um erro ou simplesmente uma perversão pessoal; e o conflito (que a democracia infelizmente tolera) um lamentável embaraço ao trabalho de salvar o país.
Para o dr. Cavaco e o eng.º Sócrates, Portugal deve obedecer a quem sabe, nomeadamente ao dr. Cavaco e ao eng.º Sócrates. Neste ponto, e por enquanto, a harmonia é total.
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