(Intervenção proferida na sessão solene comemorativa do 41.º Aniversário do 25 de Abril de 1974, promovida pelo Município de Tavira, em representação do Grupo Municipal do Partido Socialista na Assembleia Municipal de Tavira)
O meu avô José não sabia ler nem
escrever, mas há precisamente quarenta anos colocou o seu melhor traje
domingueiro e fez-se ao caminho para votar pela primeira vez nos seus 68 anos
de vida.
Como ele, mais de noventa por cento
dos portugueses que haviam acorrido em massa ao recenseamento eleitoral
quiseram confirmar a aliança Povo / Movimento das Forças Armadas com a sua
participação no primeiro ato eleitoral da nossa jovem Democracia.
Nesse 25 de abril de 1975, as cidadãs
e os cidadãos de Portugal elegeram os 250 deputados da Assembleia Constituinte
que em pouco mais de dez meses cumpriram a sua missão.
Marcada pela adesão que constituiu um
verdadeiro recorde no Ocidente, a eleição da Assembleia Constituinte foi a
comemoração perfeita do aniversário primeiro da Revolução dos Cravos e do
restabelecimento da Liberdade no nosso País.
Seguiram-se tempos conturbados, um
Verão quente e os portugueses amadureceram civicamente. Ao fim de quase meio
século de Ditadura, o povo saiu à rua e traçou o rumo de Portugal.
Reunida em sessão plenária no dia 2
de abril de 1976, a Assembleia Constituinte aprovou a Constituição da RepúblicaPortuguesa, consagrando Portugal como um Estado de direito democrático, baseado
na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política
democráticas, no respeito e na garantia de efetivação dos direitos e liberdades
fundamentais e na separação e interdependência de poderes, visando a realização
da democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia
participativa.
Consagrando os direitos fundamentais
dos cidadãos, os princípios essenciais por que se rege o Estado e as grandes
orientações políticas a que os seus órgãos devem obedecer, e estabelecendo
igualmente as regras de organização do poder político, a Constituição teve sete
revisões nestas quatro décadas, adaptando-se à evolução do regime democrático,
diminuindo a carga ideológica, redefinindo as estruturas do exercício do poder
político, dando maior abertura ao sistema económico, adequando o texto original
aos princípios dos Tratados da União Europeia e da Convenção que criou o
Tribunal Penal Internacional, aprofundou a autonomia político-administrativa
das regiões autónomas dos Açores e da Madeira e desenvolveu o princípio da
limitação dos mandatos, designadamente dos titulares de cargos políticos
executivos.
Sabendo-se que a organização
democrática do Estado compreende a existência de Autarquias Locais - pessoas
coletivas territoriais dotadas de órgãos representativos, que visam a
prossecução de interesses próprios das populações respetivas, continuam por
criar as Regiões Administrativas, contribuindo para o acentuar dos
desequilíbrios territoriais.
Muito ouvidas e pouco escutadas, as
Freguesias e os Municípios nem sempre têm sido tratadas pelos poderes
circunstantes com o devido respeito, sendo especialmente afetadas no desempenho
da sua missão por políticas centralistas e recessivas, que reduzem o
financiamento e a capacidade de gestão, cerceando e violando princípios básicos
da autonomia local e colocando em causa o serviço que é prestado às populações.
Mesmo com as limitações que foram
impostas às Autarquias Locais, estas têm-se substituído à Administração
Central, ultrapassando, muitas vezes, as suas competências próprias,
particularmente na educação, na proteção à infância, no apoio aos idosos e aos
deficientes e na habitação social. Nos últimos seis anos, em estreita parcerias
com as instituições da Rede Social, Tavira tornou-se num bom exemplo dessa
prática quotidiana!
Sessenta e cinco eleições e três
referendos depois, o entusiasmo inicial arrefeceu, a confiança nos eleitos
reduziu-se dramaticamente e a situação socioeconómica está longe do desejável.
Infelizmente, como já alguém disse, por vezes pensamos que… falta cumprir
Abril!
Aos valores crescentes da abstenção,
da desconfiança e do desinteresse pela vida comunitária não podemos reagir
encolhendo os ombros ou cruzando os braços, muito menos pensar que tal é apenas
um dever e uma responsabilidade dos eleitos.
O respeito pelas autarquias locais e
a sua valorização devem constituir-se como objetivo para todos aqueles que
exercem responsabilidades políticas, desde logo na Assembleia da República e no
Governo, importando, no calendário político que se aproxima a nível nacional,
aproveitar a oportunidade para, de forma corajosa, implementar uma agenda de
sentido reformador, com uma vertente legitimadora e democrática, que
proporcione novas formas de participação, representação e governação,
impulsionando uma refundação da Democracia Portuguesa.
A valorização do papel dos órgãos
deliberativos de âmbito local, municipal e regional, a sua participação ativa
na eleição e na fiscalização da atividade dos órgãos executivos, a aproximação
e a criação de condições para uma relação direta com os eleitores e a abertura
à participação dos cidadãos podem ser componentes desse processo de reforma.
A necessária revisão da legislação
eleitoral, o reforço dos mecanismos legais de transparência pública e de
combate à corrupção são outros exemplos onde essa reforma pode incidir para que
os cidadãos voltem a confiar no exercício do poder político através do sufrágio
universal, igual, direto, secreto e periódico, do referendo e das demais formas
previstas na Constituição.
Deverá ser esse o nosso contributo.
Deverá ser esse o nosso compromisso!
Permitam-me que termine com alguns
versos de um dos mais conhecidos poetas de Abril, homenageando os homens e as
mulheres da cultura e da educação que tanto trabalham para que a memória da
madrugada libertadora permaneça nas gerações do futuro.
“E se esse poder um dia
O quiser roubar alguém
Não fica na burguesia
Volta à barriga da mãe!
Volta à barriga da terra
Que em boa hora o pariu
Agora ninguém mais cerra
(José Carlos Ary dos Santos)