(publicado na edição de 25 de outubro de 2012 do semanário regional Barlavento)
Em apenas dois artigos, a Lei n.º 46/2005 de 29 de Agosto
estabelece limites à renovação sucessiva de mandatos dos presidentes dos órgãos
executivos das autarquias locais, transpondo os princípios republicanos. Porém,
são dois pequenos artigos que têm feito correr muita tinta…
O primeiro deles fixa as condições gerais da sua aplicação e o segundo fixa o dia 1 de janeiro de 2006 para a sua entrada em vigor. Poderia parecer simples, caso não fosse logo aberta uma exceção permitindo mais um mandato consecutivo se no momento da entrada em vigor “tiverem cumprido ou estiverem a cumprir, pelo menos, o terceiro mandato consecutivo.”
Aplicando-se apenas aos presidentes de câmara municipal e de
junta de freguesia, a Lei refere expressamente que, depois de concluídos os
mandatos referidos, “não podem assumir aquelas funções durante o quadriénio
imediatamente subsequente ao último mandato consecutivo permitido.”
No texto da Lei, o legislador foi mais longe e acrescenta
que “no caso de renúncia ao mandato, os titulares dos órgãos referidos nos números
anteriores não podem candidatar-se nas eleições imediatas nem nas que se realizem
no quadriénio imediatamente subsequente à renúncia”.
A boa ética republicana, o princípio universal da limitação
de mandatos e a necessária renovação da classe política estiveram sempre em
cima da mesa, tendo o ex-Primeiro-Ministro afirmado que também assumia esse
princípio no exercício das suas próprias funções. Carlos César, presidente do
Governo Regional dos Açores, seguiu-lhe o exemplo e cessa funções nos próximos
dias!
Porém, há quem deseje perpetuar-se na função e tente lançar
uma falsa discussão sobre a vontade do legislador, alegando que tal limitação
estaria vinculada apenas a este ou aquele território. Aproveitando a reforma
administrativa territorial autárquica, lançada por Miguel Relvas com o intuito
de exterminar a eito algumas centenas de freguesias, não falta por aí quem
afirme que os presidentes de junta de freguesia podem voltar a candidatar-se
caso o respetivo território venha a ser alterado…
Pior ainda, começam agora a aparecer em casamentos e
batizados alguns presidentes de câmara em fim de mandato que pretendem dar o
salto e abandonar a sua zona de conforto, seguindo os sábios conselhos do
Governo, para tentar a sorte noutras bandas…
Acontece que para além de qualquer interpretação metafísica
sobre o território, a Lei é muito clara e dirige-se especificamente à função -
presidente de Câmara ou de Junta de Freguesia, conforme veio agora relembrar a
Câmara do Porto, sustentando-se num parecer do ilustre constitucionalista Gomes
Canotilho. Sem referir casos em concreto, sublinha que a Lei impede que “alguns
autarcas nessas condições apresentem candidaturas a outros municípios –
vizinhos ou não – como forma de contornar a lei”. A autarquia portuense sustenta
que “de acordo com a legislação em vigor – que visa assegurar a rotatividade da
classe política e a alternância”, e que tais candidaturas arriscam-se a não ser
aceites em Tribunal.
Na nossa opinião, a Lei pode ser alterada e melhorada,
acrescentados outros órgãos ou eleitos dos mesmos órgãos ou mudado o número de
mandatos. Porém, parece-nos inaceitável que o princípio republicano da
limitação de mandatos esteja à mercê de esquemas de mercearia que não dignificam
a democracia portuguesa. Muito menos, é impensável que que se mudem as regras
do jogo nas vésperas das primeiras eleições em que entram efetivamente em
vigor!
NOTA ADICIONAL: Espalhar o mal, por Paulo Morais (Professor universitário, ex-vice-presidente da CM do Porto e vice-presidente da ONG "Transparência e Integridade"), in Correio da Manhã
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