quinta-feira, outubro 25, 2012

Limitação de mandatos ou em busca da zona de conforto…




(publicado na edição de 25 de outubro de 2012 do semanário regional Barlavento)

Em apenas dois artigos, a Lei n.º 46/2005 de 29 de Agosto estabelece limites à renovação sucessiva de mandatos dos presidentes dos órgãos executivos das autarquias locais, transpondo os princípios republicanos. Porém, são dois pequenos artigos que têm feito correr muita tinta…

O primeiro deles fixa as condições gerais da sua aplicação e o segundo fixa o dia 1 de janeiro de 2006 para a sua entrada em vigor. Poderia parecer simples, caso não fosse logo aberta uma exceção permitindo mais um mandato consecutivo se no momento da entrada em vigor “tiverem cumprido ou estiverem a cumprir, pelo menos, o terceiro mandato consecutivo.”

Aplicando-se apenas aos presidentes de câmara municipal e de junta de freguesia, a Lei refere expressamente que, depois de concluídos os mandatos referidos, “não podem assumir aquelas funções durante o quadriénio imediatamente subsequente ao último mandato consecutivo permitido.”

No texto da Lei, o legislador foi mais longe e acrescenta que “no caso de renúncia ao mandato, os titulares dos órgãos referidos nos números anteriores não podem candidatar-se nas eleições imediatas nem nas que se realizem no quadriénio imediatamente subsequente à renúncia”.

A boa ética republicana, o princípio universal da limitação de mandatos e a necessária renovação da classe política estiveram sempre em cima da mesa, tendo o ex-Primeiro-Ministro afirmado que também assumia esse princípio no exercício das suas próprias funções. Carlos César, presidente do Governo Regional dos Açores, seguiu-lhe o exemplo e cessa funções nos próximos dias!

Porém, há quem deseje perpetuar-se na função e tente lançar uma falsa discussão sobre a vontade do legislador, alegando que tal limitação estaria vinculada apenas a este ou aquele território. Aproveitando a reforma administrativa territorial autárquica, lançada por Miguel Relvas com o intuito de exterminar a eito algumas centenas de freguesias, não falta por aí quem afirme que os presidentes de junta de freguesia podem voltar a candidatar-se caso o respetivo território venha a ser alterado…

Pior ainda, começam agora a aparecer em casamentos e batizados alguns presidentes de câmara em fim de mandato que pretendem dar o salto e abandonar a sua zona de conforto, seguindo os sábios conselhos do Governo, para tentar a sorte noutras bandas…

Acontece que para além de qualquer interpretação metafísica sobre o território, a Lei é muito clara e dirige-se especificamente à função - presidente de Câmara ou de Junta de Freguesia, conforme veio agora relembrar a Câmara do Porto, sustentando-se num parecer do ilustre constitucionalista Gomes Canotilho. Sem referir casos em concreto, sublinha que a Lei impede que “alguns autarcas nessas condições apresentem candidaturas a outros municípios – vizinhos ou não – como forma de contornar a lei”. A autarquia portuense sustenta que “de acordo com a legislação em vigor – que visa assegurar a rotatividade da classe política e a alternância”, e que tais candidaturas arriscam-se a não ser aceites em Tribunal.

Na nossa opinião, a Lei pode ser alterada e melhorada, acrescentados outros órgãos ou eleitos dos mesmos órgãos ou mudado o número de mandatos. Porém, parece-nos inaceitável que o princípio republicano da limitação de mandatos esteja à mercê de esquemas de mercearia que não dignificam a democracia portuguesa. Muito menos, é impensável que que se mudem as regras do jogo nas vésperas das primeiras eleições em que entram efetivamente em vigor!

NOTA ADICIONAL: Espalhar o mal, por Paulo Morais (Professor universitário, ex-vice-presidente da CM do Porto e vice-presidente da ONG "Transparência e Integridade"), in Correio da Manhã

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