(Publicado na edição do semanário Barlavento de 22 de outubro de 2015)
Os resultados das eleições de 4 de
outubro mostram-nos um País que maioritariamente rejeitou o modelo de
governação que tivemos nos últimos quatro anos, assente na austeridade pura e
dura, e pouco crente dos caminhos propostos pelos partidos da oposição, que
mostraram-se incapazes de mobilizar os eleitores desavindos com o sistema e
contribuíram para novos recordes da abstenção.
Porém, na sua infinita sapiência, o Povo
disse que era tempo da discussão política passar para a Assembleia da
República, como acontece nas democracias parlamentares da Europa, onde todos os
seus representantes são chamados a encontrar uma solução de governo estável e
duradoura, assumindo-se como o verdadeiro centro da vida democrática. Pela
primeira vez em Portugal, parece que é tempo de todos participarem na
construção dessa solução sem qualquer tipo de exclusões!
Em Portugal, “a Assembleia da República
é a assembleia representativa de todos os cidadãos portugueses” (art.º 147.º da
Constituição da República Portuguesa), estando as suas competências políticas,
legislativas e fiscalização, entre outras, explicadas nos art.ºs 161.º e
seguintes. No próprio Tratado de Maastricht, reafirma-se o princípio
democrático da representação, expressamente afirmando-se que o “funcionamento
da União baseia-se na democracia representativa”, como sublinha Carlos Coelho
no seu dicionário de termos europeus.
Fruto da evolução política das últimas
décadas e da desagregação das grandes famílias que consolidaram o projeto
europeu – democracia cristã e social-democracia, o funcionamento das democracias
parlamentares consolidou processos de diálogo interpartidário que ultrapassam e
sublimam as fronteiras ideológicas tradicionais. Esta procura incessante de
consensos faz-nos ver partidos mais radicais assumirem posturas cordatas com
forças do centro político de forma a salvaguardar a governabilidade dos seus
países e honrar o interesse público, expresso através do “sufrágio universal,
igual, direto, secreto e periódico” (art.º 10.º).
No n.º 2 do mesmo artigo da
Constituição, ficou consagrado que “os
partidos políticos concorrem para a organização e para a expressão da vontade
popular, no respeito pelos princípios da independência nacional, da unidade do
Estado e da democracia política”. Apesar das competências do Presidente da
República, ficamos conversados sobre o nível de responsabilidade daqueles que
nos representam no Parlamento e dos dirigentes das forças políticas com assento
parlamentar!
Pela primeira vez na história da nossa
democracia, perante um cenário de ausência de maioria absoluta, a situação
financeira do Estado e realidade socioeconómica que afeta famílias e empresas levou
os partidos da extrema-esquerda a encararem as suas responsabilidades,
abandonando ideias mais radicais e ponderando os termos de apoio ao segundo
maior grupo de deputados.
São vários os países europeus onde a
formação do Governo não passa pelo partido mais votado, sendo adotadas soluções
estáveis de apoio parlamentar maioritário ao Executivo indigitado, quer à
direita quer à esquerda, sem que tal seja considerado um golpe político ou
constitucional, nos assaltem sentimentos de ilegitimidade ou registe-se
qualquer sobressalto cívico.
Percebem-se as razões de desespero e
histerismo coletivo dos setores mais conservadores da sociedade, mas é tempo de
alargar o arco da governação e todos perceberem que o seu voto conta. Sejam
bem-vindos ao século XXI!
PS: Mais do que no resto do País, os
Algarvios mostraram um cartão vermelho bem forte ao Governo, mostrando bem a
sua indignação pelo abandono da região nestes quatro anos!