domingo, maio 29, 2016

Como preparar um desastre…

 
 (Publicado na edição de 27 de maio do Algarve Informativo)
A entrada em vigor da lei 46/2005 de 29 de Agosto, prevendo a limitação de mandatos de presidentes dos executivos autárquicos, ditou o fim do exercício daquelas funções a muitos presidentes de câmara municipal e de junta de freguesia. Cessaram funções alguns de boa vontade e com consciência do dever cumprido e saíram outros muito contrariados…
Hoje, a Constituição da República Portuguesa dispõe que ninguém pode exercer a título vitalício qualquer cargo político de âmbito nacional, regional ou local, determinando que a lei pode determinar limites à renovação sucessiva de mandatos dos titulares de cargos políticos executivos.
Antes e após a publicação daquele diploma, nos primeiros meses do Governo Sócrates, esta temática ocupou o espaço público e motivou um aceso debate onde acabou por dominar o princípio republicano da renovação. Dominou mas não subjugou, assistindo-se a verdadeiros episódios de transumância…
Como sempre, a lei era ambígua e permitia exercícios verdadeiramente acrobáticos de análise política e interpretação jurídica, nomeadamente sobre o alcance da limitação imposta. A questão em cima da mesa era a de saber se um autarca que exerceu o cargo durante três mandatos consecutivos numa determinada autarquia o podia vir a fazer numa diferente, acabando por fazer vencimento esta situação, com episódios verdadeiramente caricatos…
Para além de permitir-se a transferência dos craques, ditos autarcas-modelo de uma câmara para outra, mesmo ali ao fim da rua, ou a troca de lugares na mesma lista, permitiu-se ainda que os presidentes de juntas com três ou mais mandatos fossem candidatos à mesma cadeira, desde que no respetivo espaço territorial se tivesse verificado o aparecimento de uma “união de freguesias”, mesmo que tal tenha sucedido contra a sua opinião e vontade!
 Eraimperioso promover a rotatividade de lugares de forma a renovar aqueles queocupam cargos eletivos e executivos, um sinal de uma cidadania desenvolvida,apta a formar novos políticos, gerar outras ideias e criar diferentesoportunidades” escreveu esta semana a professora universitária e colaboradora da RTP Felisbela Lopes no Jornal de Notícias, acrescentando que “eis aqui o momento para fazer crescer uma democracia de iguais e não de caciques. Que apenas será eficaz se tiver tempo e espaço para se desenvolver. Ora, é precisamente isso que falta em muitos municípios.” E o desastre pode acontecer…
Pela minha experiência, estou convencido que uma cidadania mais desenvolvida seria capaz de escolher os melhores, deveria estar atenta aos programas eleitorais e ao seu desenvolvimento, ser exigente em relação às atitudes e aos princípios dos eleitos e ativa e participante na vida dos órgãos políticos locais. Estou certo que tal acrescentaria anos de vida ao poder local, colmatando a falta de qualidade de algumas equipas autárquicas, contribuindo para dirimir conflitos pessoais e elevar a fasquia aos seus edis, complementando oficiosamente a necessária vigilância das estruturas partidárias ou substituindo-as nas suas faltas e impedimentos, umas vezes deliberadas, outras por acomodação e preguicite…
Este primeiro mandato sob as novas regras deveria ter sido aproveitado para introduzir regular e sistematicamente novos quadros nas estruturas, dando lugar às mulheres e aos jovens, assegurando a representatividade dos diversos grupos sociais presentes na comunidade, propiciando a participação de cidadãos não filiados nos eventos públicos e partidários ou promover iniciativas de avaliação e de prestação de contas, mas em poucos lugares tal aconteceu obrigando-nos a refletir sobre o estado das instituições…
Agora, com a repetição de velhos vícios e com pouco tempo para inverter a marcha, não se admirem se vos entrar um dinossauro pela porta adentro!

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