sexta-feira, setembro 01, 2006

Quiosque da Esquina - PONTO FINAL!


O fim d'O Independente assinala uma reviravolta na minha geração, habituada ao estilo agressivo e certeiro das suas capas que aterrorizaram durante meia dúzia de anos aqueles que faziam parte do mundo da política...

Com Miguel Esteves Cardoso e Paulo Portas no seu melhor, o semanário foi marcante na primeira metade da década passada, denunciando inúmeros escândalos que provocaram a queda de ministros e inúmeros processos judiciais, fazendo com que cada sexta-feira fosse esperada com ansiedade e temor, mesmo entre os mais poderosos, porque raramente se sabia que seria a próxima vítima das duas atenções...


Sem razões ou sem arte para manchetes demolidoras, o Indy foi perdendo gradualmente a atenção dos leitores nos últimos dez anos, apesar de manter um nível gráfico e criativo atraente e cativador. A sua extinção não pode deixar de ser um alerta para quem se aventura nos terrenos da comunicação social, seja escrita ou falada. O mundo está diferente e ninguém nos garante que seja para melhor!

5 comentários:

Anónimo disse...

O triunfo do regime

por Constança Cunha e Sá*

in Público, 2006-09-01

O progressivo declínio de O Independente corresponde, acima de tudo, ao fracasso de uma direita que continua sem saber se existe e que se deixa, hoje, seduzir pela "determinação" do eng. Sócrates com o mesmo entusiasmo com que, há duas décadas, se deixava seduzir pela "autoridade" do prof. Cavaco Silva
Pelos telefonemas e mensagens que tenho recebido, nos últimos dias, presumo que o fecho de O Independente, que hoje publica o seu último número, seja devidamente assinalado com depoimentos, memórias e artigos de fundo sobre a história do jornal e o fim de um projecto iniciado em Maio de 1988. Em certa medida, o obituário justifica-se: para todos os efeitos, o semanário, lançado por Miguel Esteves Cardoso e Paulo Portas, marcou uma época e "revolucionou" o jornalismo desse tempo, moldado pela anemia institucional do Expresso e pelo domínio incontestável de uma "cultura" de esquerda que, salvo raras excepções, tinha o exclusivo da crítica e da opinião num campo que lhe pertencia por definição. Como registou, na altura, Eduardo Prado Coelho, o Independente não era apenas mais um jornal político de direita (à semelhança do que tinham sido o Tempo e o Semanário): era, antes de mais, a primeira tentativa ensaiada pela direita, depois do 25 de Abril, de se afirmar "culturalmente", contrariando a unanimidade que a esquerda tinha imposto nesse sector. O Caderno 3, dirigido por Miguel Esteves Cardoso, era a prova da "revolução" em curso, revelada pela inovação do grafismo e pela ruptura com as normas que regiam o pequeno mundo do nosso jornalismo. O Caderno 1, por sua vez, dirigido por Paulo Portas, lutava pela existência política de uma direita que não se revia na "equidistância" do CDS e se opunha à supremacia do cavaquismo e ao consenso ditado pelas regras da tecnocracia. Para o bem e para o mal, com O Independente aparecia, pela primeira vez, em Portugal, um projecto de direita "conservadora" que se apresentava como alternativa ao modelo representado pela esquerda que, até aí, detinha o exclusivo da imprensa e da generalidade das nossas elites.

Confesso que não comungo do gosto mórbido pelos obituários e que fugi aos depoimentos que me pediram sobre o fim de um jornal onde trabalhei durante quase dez anos e onde passei parte significativa da minha vida. Não tenciono, pois, entrar pelo revivalismo da memória e pela descrição pormenorizada dos "bons velhos tempos" em que todos nos considerávamos "geniais" e Paulo Portas garantia que acabaríamos por ultrapassar o Expresso, vendendo, pelo menos, mais um exemplar do que o velho "jornal do regime". O fim de O Independente corresponde ao fim de um ciclo que, de certa forma, se encerrou com a queda do cavaquismo e que, agora, se revela em todo o seu esplendor, com o vazio que se instalou na direita depois dessa experiência traumatizante que foi o governo do dr. Durão Barroso e a sua agonia final que ficou, premeditadamente, a cargo do dr. Santana Lopes. Duvido, mesmo, que, com o fecho do jornal, fique um espaço por preencher, como se tem dito, parecendo-me, antes, que o progressivo declínio de O Independente corresponde, acima de tudo, ao fracasso de uma direita que continua sem saber se existe e que se deixa, hoje, seduzir pela "determinação" do eng. Sócrates com o mesmo entusiasmo com que, há duas décadas, se deixava seduzir pela "autoridade" do prof. Cavaco Silva. No essencial, a direita, entre nós, só existe por procuração, seja através dos bons ofícios do PSD ou, de forma ainda mais original, através das medidas de austeridade impostas pelo PS. Ainda, ontem, no PÚBLICO, o dr. Ferraz da Costa desenvolvia umas teses sobre as "jornadas de reflexão" da direita que desaguavam, mais uma vez, no velho mito de um "novo partido" que resultaria da notória incapacidade revelada pela oposição, sem que lhe ocorresse uma crítica ou uma palavra um pouco mais agreste sobre o Governo a que preside o eng. Sócrates. Aguardemos, pois, as magníficas conclusões dessas jornadas que, segundo o seu principal promotor, se realizarão já, no próximo ano, entre vivas ao PS e elogios a um primeiro-ministro socialista.

Não é por acaso que, dezoito anos depois dos seus auspiciosos inícios, O Independente acaba sob a maioria absoluta do eng. Sócrates, enquanto a direita enfeita as suas fragilidades com promessas de "reflexão" ou "propostas de manifestos" que distribui melancolicamente pelas esplanadas do Norte e pelas sedes do CDS e do PSD. Como se isso não bastasse, "a proposta de manifesto" apresentada pelo dr. Manuel Monteiro e pelo seu mísero partido, a que o dr. Pacheco Pereira, ontem, na Sábado dá particular relevo, não é mais do que uma tentativa desesperada de recuperar o velho discurso do PP, adoptado por Manuel Monteiro e apadrinhado por Paulo Portas, que sempre se caracterizou por um populismo inconsequente e que teve que ser abandonado, sob pena de o dito PP perder qualquer espécie de credibilidade. Aliás, o destino dessa direita "popular" que se definia pelo intervencionismo do Estado, pelo ataque à classe política e por um nacionalismo exacerbado contra "os burocratas" de Bruxelas terminou inevitavelmente num desastre político que descaracterizou o velho CDS, sem oferecer ao novo PP qualquer consistência ideológica. A prova disso mesmo está na Nova Democracia e no penoso grupinho de resistentes que ainda se dá ao trabalho de acompanhar as aventuras do dr. Monteiro.

Não deixa de ser curioso que o dr. Pacheco Pereira se debruce, agora, com particular "atenção", sobre um "manifesto" que, na sua opinião, não é mais do que "uma síntese das ideias que Paulo Portas não pode enunciar, mas que Manuel Monteiro pode", quando, na altura, em que Paulo Portas as "podia" enunciar, juntamente com Manuel Monteiro, ele foi um dos seus críticos mais violentos. É o que acontece quando os ódios pessoais se sobrepõem à racionalidade da análise: o mesmo discurso, com Paulo Portas, é uma ameaça aos bons costumes da democracia; sem Paulo Portas, transforma-se, por milagre, num conjunto de ideias que merece a maior das atenções e que só foi banido da comunicação social por interesse de todos os que estão ligados "ao grupo de Portas no CDS/PP" e que procuram, neste momento, ridicularizar o "manifesto" do dr. Monteiro. As insinuações do costume, devidamente condimentadas pela vaidade de quem não se deixa intimidar por esse tipo de "banimentos"! Pela parte que me toca, devo dizer que nunca levei a sério esta espécie de discurso: nem na altura em que escrevia no Independente, quando Paulo Portas o tutelava, e muito menos agora, quando esse "conjunto de ideias" ficou reduzido à irrelevância política que caracteriza o dr. Monteiro. Mas isto não deixa de ser um pormenor que passa ao lado do essencial. E o essencial, na minha opinião, é tentar perceber por que é que a direita, nas suas mais diversas encarnações, não consegue vingar em Portugal. O fim de O Independente não representa apenas o fim de um ciclo: revela sobretudo o triunfo de um regime que destrói qualquer tipo de alternativa. Ou se se preferir, a impossibilidade de fugir ao pensamento único e ao "consenso mole" (para usar uma expressão de Francisco Louçã) em que nos enterrámos.

* Jornalista da TVI e ex-directora d'O Independente

Anónimo disse...

O Independente

por Vasco Pulido Valente

in Público, 2006-09-01

O Independente não acabou hoje. O que hoje acabou foi um título e a ruína do que O Independente tinha sido. Continuava a comprar aquela melancólica coisa, mas não a lia há muito tempo. Chegava no molho de jornais, saía por abrir no molho de jornais. Feito por gente muito nova (Miguel Esteves Cardoso andava pelos trinta e Paulo Portas pelos vinte e tal), O Independente não conseguiu crescer. De resto, tanto um como outro acabaram por o abandonar. Miguel, logo ao princípio, pela revista K e a literatura, Paulo um pouco depois pelo PP e pelo Parlamento. O Independente nunca passou de uma "fase" da vida dos dois. Talvez por isso, mesmo no auge, nunca perdeu um certo ar de improvisação e de aventura, que fazia o seu encanto e também anunciava a sua morte.
Transformar O Independente numa instituição era impossível. Constança Cunha e Sá quase conseguiu. Infelizmente a ideia de voltar atrás, de imitar, de repetir por um qualquer milagre o sucesso original pesava de mais. Na administração, na redacção, nos próprios leitores. Ninguém percebeu que O Independente precisava de mudar com o mundo. Nascido e sustentado pelo "anticavaquismo" e pela revelação de uma direita militante, como iria viver com Guterres no Governo e com a direita reduzida ao PP? Nascido e sustentado, no 3.º Caderno, pela primeira geração impermeável ao marxismo, que não vinha da ditadura ou do PREC e que desprezava (ou ignorava) imparcialmente a história oficial e a cultura ortodoxa, como iria resistir à usura, à banalização e ao envelhecimento? A verdade é que não resistiu.
Os melhores jornais (no sentido de influentes), como, por exemplo, em Portugal, A Revolução de Setembro de Rodrigues Sampaio, o Diário Popular de Mariano de Carvalho, O Século e até o antigo Expresso são o produto de uma época. O país "reconstituído" e normalizado de Cavaco, com a sua autoridade e a sua incurável arrogância, pedia uma enorme dose de agressão, insolência, audácia e desacato. O Independente, sendo livre, consolou o país. Até a esquerda, muito à socapa, lhe agradeceu. Mas, se em todo o exercício houve um sentimento, um estilo e uma espécie de euforia, não houve uma verdadeira substância: nem uma visão organizada e partilhada da política, nem um género de jornalismo, nem uma base financeira sólida. De qualquer maneira, valendo o que valeu, a incursão romântica de O Independente pelo Portugal do respeitinho, única no século, alegrou a alma. A minha, pelo menos.

MaD disse...

Não venham com tretas, amigos...
Esse jornaleco acabou porque, felizmente, "o crime não compensa".
Este ponto final é o custo das muitas atrocidades informativas que este semanário praticou durante os seus anos de vida, seja durante o reinado desse tal Sr. Portas ou do sr. Cardoso ou da D. Constança ou da D. Inês ou de outro qualquer.
Mais tarde ou mais cedo, as pessoas percebem as coisas e deixam de comprar produtos de má qualidade...
Espero que, no seu lugar, surja outro que faça jornalismo a sério, que é o que, neste momento, não existe em Portugal.
Será que os verdadeiros jornalistas se vergaram todos aos interesses das empresas de comunicação social?...

Anónimo disse...

A morte de O Independente

por Eduardo Prado Coelho*, in Público, 2006.09.04 / o fio do horizonte

Mentiam com o maior desplante. E de certo modo desconsideravam ou mesmo desprezavam as pessoas sobre quem escreviam. Um jornalismo deste tipo não pode ser levado a sério

Numa coisa estou inteiramente de acordo: o desaparecimento de uma publicação é sempre uma perda para o pluralismo e a diversidade jornalística. É sempre também o aparecimento de mais desempregados - o que é lamentável. A edição de jornais e revistas, em termos de grandes grupos, tem-se vindo a afunilar. Deplorável para a democracia.
Mas há outro aspecto que me merece inteira concordância: os jornais e as revistas têm a sua época, e, quando ela passa, não há nada a fazer. A Inês Serras Lopes chegou tarde, e, embora esforçando-se imenso, viu o jornal perder leitores inexoravelmente. É a vida, como diria o engenheiro Guterres.

O Independente lançou um estilo novo na imprensa portuguesa. Nada a ver com a tradição da nossa imprensa. Deatacou-se pela crítica irreverente (sobretudo no ataque ao "cavaquismo", que talvez nunca imaginassem que viesse a ganhar a respeitabilidade que tem hoje), pelo humor, pelos trocadilhos nos títulos (sobretudo com os nomes das pessoas), e com a procura, e muitas vezes eles vinham ter com eles, de escândalos que alimentassem cada número semanal.

Que resultou de tudo isto? Uma onda de espanto e simpatia em inúmeros leitores, incluindo gente da esquerda e da extrema-esquerda. Confesso que este processo me irritava. Os redactores de O Independente conseguiam fazer descolar o que diziam do modo como o diziam. As pessoas gostavam do estilo e esqueciam o que era o conteúdo ou a "mensagem". Mas o conteúdo lá estava e ia impregnando as pessoas que liam aquele jornal. Daí que eu desde logo tenha assinalado (como Constança Cunha e Sá sublinhou recentemente) que se tratava de algo que tinha a ver com uma reformulação radical da direita portuguesa, ortodoxa no plano político, mas liberal na área dos costumes e mentalidades.

A verdade é que a minha irritação se reforçava com o facto de que nenhuma notícia que me dissesse respeito tivesse o mínimo de rigor e verdade. Mentiam com o maior desplante. E de certo modo desconsideravam ou mesmo desprezavam as pessoas sobre quem escreviam. Um jornalismo deste tipo não pode ser levado a sério. Mas quando eu argumentava neste sentido, diziam os meus melhores amigos que eles eram muito "engraçados". Engraçados eram. Mas viu-se com que intenção. Paulo Portas foi para a política. E Miguel Esteves Cardoso desapareceu na floresta ficcional dos seus sonhos, e mesmo as crónicas que hoje publica envelheceram tanto como o próprio O Independente. É isto que faz uma época e torna impossível o regresso ao passado. Pura e simplesmente, "não pega" - não é, Inês?

* professor universitário

Anónimo disse...

Ainda 'O Independente'

por Pedro Rolo Duarte*, in DN, 2006.09.06

Estava longe daqui quando O Independente acabou. Embora a notícia pudesse ser esperada, fica sempre qualquer coisa a roer cá dentro. Profissionalmente, aprendi lá muito do pou-co que julgo saber desta profissão. Quando o Paulo Portas foi jornalista, foi um grande jornalista - e a sua capacidade de se entusiasmar com as notícias e as ideias contagiava toda a gente. O Miguel Esteves Cardoso, desde sempre jornalista (e para quem já não se lembra, recordo que ele é jornalista todos os dias, basta falarem cinco minutos com ele), é o mais genial dos criativos. Vê-los juntos a trabalhar era uma ventania extraordinária, bem-humorada, empenhada e convicta. Tudo o que é essencial. Além disso, cada um à sua maneira, eram bons mestres dos seus jornalistas. O pouco que possa hoje ser, devo muito ao Miguel e ao Paulo.

Afectivamente, boa parte dos meus amigos cruzaram-se entre O Independente, a Capa, e mais recentemente o DNA, e a eles volto nestes momentos. Sempre com essa ideia poderosa: se fazer jornais e revistas é em si um enorme prazer, fazê-lo com amigos é o paraíso na Terra. O Independente devolve-me esse tem-po, e de certa forma alguma saudade. Mas...

... Regresso a Portugal e tento recuperar o que se escreveu. Navego pela Net. E é num blogue (cujo nome não fixei) que Luís Teixeira, com um crueldade típica dos leitores de jornais, arruma o assunto: "O Independente acabou porque deixou de ter leitores, e deixou de ter leitores porque deixou de interessar." Ponto final.

Ora, é para pessoas que pensam assim, fria e pragmaticamente, que trabalhamos. "Isto" é o "mercado". Não adiantam reflexões, experiências, ousadias, sonhos. Não adianta pensar nesse lado afectivo que nos prende ou não, que nos agarra ou larga, que nos comove e inquieta mas sempre nos convoca. Luís Teixeira tem razão - mesmo que a razão que tem seja a pior de todas. Porque é a que exclui a emoção.

Quando no jornalismo se dispensa a emoção, a intuição, aquele rasgo que não é mais do que uma profunda convicção, bom, então não adianta continuar. Nessa medida, O Indepen- dente nunca fez falta, nem quando o mercado lhe abria os braços.

Tinha agora menos interesse e por isso poucos leitores? Certamente que sim. Mas tem na sua matriz algo que pode merecer pelo menos um "adeus português" e não apenas a frieza do mercado a explicar a morte: nasceu com ideias, afectos, convicções, liberdade e independência. E isso é tão bom. Não foi?

* Jornalista